Tem 51 anos, é natural de Ortiga, no concelho de Mação. Apesar de não gostar da exposição, é a voz, o rosto e o coordenador do projeto Rotas de Mação que promete revolucionar o turismo de natureza no concelho. Apaixonado pelo Geocaching, foi assim que tudo começou. Gosta de repetir o lema que o acompanha: “Enquanto a tua estrada não terminar, percorre-a. Serás sempre mais feliz”. E nós fomos conhecer a história do Leonel Mourato e das “suas” Rotas.
Quem é o Leonel Mourato?
Sou uma pessoa que gosta muito da sua terra e faz o que faz sem qualquer outro objetivo que não seja mesmo o prazer e o amor que tem pela sua terra e a gratidão que tenho pelas pessoas. Já disse à minha família que se a Ortiga fosse mais próxima do Porto, eu vinha todos os fins-de-semana. Mas é longe e fica caro. Estudei em Mação, depois fui estudar para Abrantes e depois fui trabalhar para Lisboa, onde estive 15 anos. Trabalho num banco há 28 anos e antes de entrar para o banco trabalhei 2 anos na GALP. Desde 1999 que vivo no Porto. No Porto vivo a 500 metros do mar e há 4 anos que não tomo banho no mar. É que eu gosto é de andar no meio das serras.
As caminhadas surgiram de forma natural ou houve algum acontecimento que o tivesse despertado para esta atividade?
Surgiram de forma natural. Deixei de jogar futebol aos 27 anos e comecei a ganhar barriguinha. No banco havia um grupo de BTT ao qual me juntei e fiz BTT durante 8 ou 9 anos. Mas o BTT era extremamente duro, é uma modalidade muito violenta sobretudo a nível físico e da coluna. Entretanto, dediquei-me ao Geocaching e esta atividade obriga a andar muito. Andamos quilómetros e quilómetros e quilómetros infindáveis... e as caminhadas vêm nessa sequência. Chegamos a fazer 10, 15, 25 ou 30 quilómetros por dia no Geocaching e nem damos por eles. Já caminhei pelo país inteiro. O Algarve talvez seja a região que conheço menos.
Uma característica é a cor preta no equipamento que utiliza nas caminhadas...
É verdade (risos). Mas nunca pensei nisso e nem sei o porquê. Não tem a ver com uma questão estética, se fica melhor ou pior na fotografia, mas é uma cor que eu gosto e me fascina. É uma cor triste, é verdade, e pode ter milhentos significados e eu escolhi-a. Ando sempre de sapatos pretos, calções pretos, t-shirts pretas e só a mochila é cor-de-laranja. Não há nenhum acontecimento ou trauma, é uma questão de gosto pessoal e já me acompanha há muitos anos.
Em 2018, surge a ideia de fazer algo em Mação e que vem na sequência do Geocaching...
Ainda antes... Eu sempre tive a ideia de apresentar, no âmbito do Geocaching, algo parecido no meu concelho. Porque Mação é tão ou mais bonito do que outros sítios que por aí existem e tem muito potencial. Mas é complicado para alguém que vive bastante longe impor ali uma ideia ou criar um dinamismo. Na altura, houve os incêndios de 2017 e a ideia ficou para segundo lugar. Em 2018, o Rui Dias, que é o presidente da Junta de Ortiga e é meu primo, convidou-me, no sentido de dar algum ânimo às pessoas que tinham ficado muito em baixo, para fazer ali umas brincadeiras de Geocaching. E foi quando fiz a Rota das Três Províncias em que veio gente de todo o país que adorou a Ortiga e toda a zona envolvente do Tejo. Esteve também presente o Vasco Estrela, que é o presidente da Câmara e meu amigo de infância e que adorou o conceito do desporto natureza e caminhadas. Quero referir que nesse evento em Ortiga, tivemos todo o tipo de pessoas. Desde engenheiros, pedreiros, professores, doutores, biólogos, geólogos... porque no geocaching não se distinguem os estratos sociais, entra toda a gente que queira colocar um GPS na mão, calça umas sapatilhas e uns calções e vai tudo para o terreno. O Vasco Estrela gostou daquela brincadeira e lançou-me um desafio a mim e ao Jorge Lemos, que é um amigo dos Envendos e também faz Geocaching, para apresentarmos à Câmara Municipal uma ideia que envolvesse todo o concelho. E foi isso que nós fizemos. Entre julho de 2018 até maio de 2019, andámos a tentar perceber se era ou não possível, no concelho, fazer alguma coisa deste género. Achámos que sim, que valia a pena.
Mas impuseram condições...
Sim, havia duas condições fundamentais. A primeira é que todo o concelho tinha que estar envolvido, isto é, todas as freguesias tinham que se rever no projeto. Não era fazer umas coisas bonitas nuns lados e nada nos outros. A segunda condição era não haver politiquices no meio disto. Isto foi dito cara a cara, com toda a frontalidade, ao presidente e restante Executivo da Câmara e a todos os presidentes de Junta. Dissemos que estávamos disponíveis para avançar para tinham que nos garantir estas duas condições. E todos eles concordaram. Portanto, o projeto foi avançando, foi aprovado pela Câmara e pela Assembleia Municipal o reconhecimento das Rotas. Mais tarde fizemos uma segunda iniciativa onde se apresentaram as coisas já mais trabalhadas, com a quantidade de percursos, o nome e as zonas que percorriam. As pessoas começaram então a rever-se no projeto, ou seja, todas as freguesias estavam lá envolvidas
Quantas entidades e associações integram as Rotas de Mação?
Neste momento são 39 partes: a Câmara Municipal, as 6 Juntas de Freguesia, o Agrupamento de Escolas de Mação, a GNR de Mação, os Bombeiros e aproximadamente 30 associações. Foi pedido aos presidentes de Junta para convidarem todas as associações da sua freguesia. Tornámos tudo isto oficial em outubro de 2019 com a assinatura de um Protocolo que pretende responsabilizar partes. Ou seja, vamos investir bastante dinheiro que faz muita falta ao concelho e não podemos correr o risco de, amanhã, alguém vir dizer que não tem nada a ver com isto. Assim, as partes ficaram responsabilizadas, nomeadamente, na manutenção dos caminhos, quem faz o quê... A GNR e os Bombeiros participam na questão do nosso Plano de Socorro. Nós vamos ser o primeiro concelho-piloto, a nível nacional, a ter um Plano de Socorro devidamente implementado no terreno. Com este tipo de orientação, chamadas de balizas de socorro, como os das auto-estradas, se um caminhante não se estiver a sentir bem, dirige-se a um destes postes que estão numerados, têm coordenadas geográficas e têm o número de telefone do CDOS. Ou seja, quando o caminhante informar qual o número do poste onde se encontra, a GNR e os Bombeiros sabem imediatamente onde é que ele está.
Tem sido fácil gerir todas as instituições que são parceiras neste projeto?
Mentiria se dissesse que é fácil, não é. De início foi muito complicado mas agora já é um pouco melhor porque já temos algum trabalho feito. As placas de sinalética já estão a ser feitas e muito em breve vai ser lançado o concurso público para o portal informático, que vai ser os nossos olhos para o mundo.
Aproxima-se um ano de eleições autárquicas e um dos princípios é deixar a política fora disto. Ou “não haver politiquices”, como tem dito. Acredita que vai ser possível?
Acho que é possível e explico porquê. Temos um planning instituído no terreno e, infelizmente, estamos com três meses de atraso porque a Federação só nos libertou as matrículas (os números dos percursos) ao fim de dois meses. Até ao final do ano queremos ter, pelo menos, 8 percursos homologados. E em 2021, ano de eleições, queremos arrancar com mais 4 no primeiro trimestre. Ficaremos com 12. Antes das eleições, queremos ter 70 a 80% do trabalho feito porque eu sei que vai ser um ano terrível. Começam as campanhas, os ciúmes, as invejas, o apontar o dedo... e não vai ser fácil de gerir. Eu já disse a todos que nessa altura emigro (risos) porque é muito difícil para alguém que é rigorosamente isento, ter que tapar a boca. Mas eu acredito que vai correr tudo bem durante a campanha eleitoral porque, e isto é uma fezada que eu tenho, aqueles que começarem a criar ruído nas Rotas, ficam automaticamente expostos. E isso é prejudicial para os próprios. O projeto está a ser visto pelas pessoas como algo espetacular para o concelho, que vai ajudar a dar a volta ao turismo. O povo não vai perdoar se alguém meter areia na engrenagem. O povo é sábio e vai-lhes apontar o dedo. E, da minha parte, já o disse publicamente e disse-o aos maçaenses: eu não tenho ambições políticas. Nunca ninguém me verá como candidato de qualquer partido político.
Como foi ver na altura o trabalho feito destruído pelo fogo?
Eu e o Jorge Lemos, devido ao Geocaching, conhecemos o concelho todo e o que começámos a fazer foi, de alguma forma, a criar um exército. Isto é, fomos falando com as pessoas, apresentando as ideias, quase como delegados de propaganda médica (risos), e fomo-nos cruzando com outras pessoas, mesmo nas redes socias, que são de Mação mas não vivem cá e que gostavam de ter feito algo parecido. Fomos falando cara a cara com pessoas que já tinham tido iniciativas muito localizadas mas que, por alguma razão, tinha morrido tudo. E nós dissemos que tínhamos uma ideia de nos juntarmos todos mas, ao olharmos para o terreno, o que tínhamos era um concelho completamente ardido.
Disse que “vamos fazer da nossa maior fraqueza a nossa maior oportunidade”...
Disse-o desde o início, quer em 2017 quer em 2019. Nós não podemos chorar nem nos queixarmos. Temos que transformar a desgraça numa oportunidade. Quando as pessoas se acomodam, não se agrupam. Quando existe uma catástrofe, as pessoas dão as mãos. E foi isso que fizemos.
Mas as Rotas têm um objetivo maior: o Geoparque de Mação. Em 2025?
Nós temos esse objetivo. Se lá vamos chegar ou não, eu não sei. Este objetivo poderá ficar pelo caminho, ou não, por questões financeiras. É difícil e lá mais para a frente, em 2023 ou 24, é a Câmara que vai ter que decidir. Nós temos o conhecimento pois brevemente iremos juntar às Rotas o ITM – Instituto Terra e Memória de Mação, que tem trabalhos fabulosos a nível mundial e existe a parceria com o Instituto Politécnico de Tomar. O conhecimento nós temos. Temos a vontade, temos as pessoas, temos um território que tem tudo... podemos é não ter dinheiro.
A realidade do Geoparque está apenas dependente de dinheiro?
Sim. Uma candidatura obriga a que se gaste bastante dinheiro e obriga a uma ligação a uma universidade, ou seja, temos que criar um concelho quase que de sábios. Isso implica pagamentos, avenças e pode não haver dinheiro para tudo. Mas ainda temos a expetativa de 2025.
No slogan das Rotas de Mação aparece sempre a referência às Montanhas Azuis. Porquê?
Ah, as montanhas azuis... nós queríamos um slogan e pensámos nas Terras de Guindintesta, que é toda esta zona. Mas o que fomos fazer!!! Demos um pontapé num vespeiro porque o nome é de Belver, não é de Mação. Entretanto, o professor António Manuel Silva, de Cardigos, que é historiador e está na Universidade Sénior de Proença-a-Nova, fez um resumo da parte histórica do concelho de Mação. E numa citação da Drª Amélia, uma grande historiadora do concelho de Mação, ela fala das montanhas azuladas. Visto ao longe, em qualquer uma das nossas fotos isso é visível, o céu cai sobre as montanhas e elas tornam-se azuis. E foi aí que fomos buscar o slogan que tem vindo a fazer caminho.
Mas para lá das Rotas, há muitas outras coisas a mexer...
Temos projetos das Rotas para lá das Rotas... As Rotas não são só caminhadas. Depois dos percursos pedestres, o nosso Portal vai ter a chamada “Zona Montra”, que é a parte onde os nossos produtores, empresários, restauração, hotelaria vão poder mostrar os seus serviços. Nós não vamos ser intermediários financeiros de nada, vamos permitir que as partes se juntem e se conheçam. Eles anunciam e os turistas vêm e escolhem. Depois temos outro programa que é o “Passaporte Rotas” que tem três tema na sua base: Caminhos de Santiago, a Estrada Nacional 2 e o Geocaching. Uma das coisas que as pessoas nos pedem é que os caminhos vão às terras delas mas isso é impossível. Os percursos não podem passar em todas as terras. Mas nós fizemos uma promessa e vamos cumprir. Vamos criar uma coordenada geográfica em cada aldeia do concelho de Mação onde o percurso pedestre não passe, vamos criar o Passaporte físico e o Passaporte virtual. O turista vai ter tipo uma caderneta de cromos. Vai por cada um dos locais, tira uma fotografia e pedir que lhe carimbem o Passaporte. Outra situação que também vamos desenvolver é aquilo a que chamamos de “Rotas pelos olhos de todos”. Vamos pedir às pessoas que fotografem os locais por onde passarem e essas fotos vão ser colocadas numa cloud (nuvem) para que toda a gente no mundo possa ver as fotos, incluindo maçenses que estão fora e que gostam de ver as suas terras. Queremos fotografar o concelho todo. Vamos ainda fazer o “Voluntariado Rotas” porque queremos envolver os cidadãos. Vão ser os nossos olhos também na manutenção dos caminhos. Não tem sentido se houver uma placa caída que tenha que vir um funcionário da Câmara colocar a placa em pé, por exemplo. A pessoa no local terá essa tarefa. Por fim, temos o “Plano SER – Plano de Socorro, Emergência e Resgate” que é a nossa joia da coroa. Nós desenvolvemos esse plano porque, para nós, a segurança é prioritária. Este plano vai ser piloto a nível nacional pela Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal, que é a entidade que faz a homologação dos percursos, e vai ser replicado para a ANEPC – Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil. Temos contactos com empresas que querem vir a Mação ver o Plano SER porque querem desenvolver módulos formativos para guias de montanha em Mação. Mação vai ser como uma base onde poderão desenvolver a parte prática. Neste projeto das Rotas de Mação, se tudo correr bem, todos nós ganhamos, todo o concelho sai a ganhar.
Patrícia Seixas