Mouriscas recebeu no ultimo domingo, de manhã, em tempo primaveril de manhã com sol, mais de meia centena de caminhantes que se inscreveram para uma caminhada pela Rota das Oliveiras.
Foi uma iniciativa integrada no Encontro Ibérico do Azeite com organização da ACROM, a Associação Cultural das Rotas de Mouriscas, com a Apadrinha uma Oliveira. Objetivo? Passar por algumas oliveiras centenárias ou milenares, quem sabe, e ainda olhar para o Tejo e para outros pontos de interesse cultural. A partida só podia ser da milenar Oliveira do Mouchão.
António Louro
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Todo este território de Abrantes é povoado por olival tradicional, de espécie galega, e pelo meio com um ou outro zambujeiro que, ou não foi enxertado ou cresceu e por ali ficou a produzir uma azeitona muito miudinha.
Todos estes olivais, no século passado, eram fonte de riqueza, tanto mais que com tanta oliveira não é de estranhar que existissem dezenas de lagares e de azenhas junto às ribeiras.
Os anos foram passando, a sociedade foi mudando para as cidades e os campos foram ficando ao abandono. Primeiro fecharam os lagares e azenhas. Hoje encontramos ruínas do que tinham sido outrora. Já os campos, paulatinamente, foram perdendo vida. Uns foram ficando “ao Deus-dará” (expressão muito usada em Mouriscas que significa sem rumo) e outros foram sendo ocupados por mata e balsas, ou silvas.
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Por isso a ACROM, depois de criar a GR55 (Grande Rota Ribeiras de Arcês e Rio Frio e do Rio Tejo) avançou para a recuperação de uma azenha, na Ribeira da Arcês, e de um moinho, nas “aldeias”. Antes já tinha feito algum trabalho para duas rotas. Uma Rota das Oliveiras Milenares de Mouriscas e uma Rota das Fontes de Mouriscas.
Há dois anos, depois do encerramento da Central a Carvão do Pego, a Endesa (por via de ter ganhado o concurso para o Ponto de Injeção na Rede) avançou com o apoio a alguns projetos na sociedade. Um deles foi a importação do projeto “Apadriña una Oliva” que criou raízes e valor em Áragon. Com o nome português de “Apadrinha uma Oliveira” o projeto propõe-se recuperar olivais e oliveiras tradicionais para evitar o abandono.
A Rota das Oliveiras Centenárias e Milenares
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A olivicultura tem tradição no território de Abrantes e da região. E trata-se de olivicultura tradicional, da espécie galega. Não há um ordenamento milimétrico das árvores e, a sua vida, foi sendo trabalhada pelos proprietários. A apanha sempre foi manual e com recurso aos “ranchos”, grupos de homens e mulheres que faziam a sua apanha. Os homens a varejar e a ripar (colher à mão) e as mulheres a mudar os panos e a apanhar azeitona a azeitona pelo meio da erva ou terra. E, aqui e ali, alguma mais grossa poderia ser aproveitada para a água, que é como quem diz para colocar em cima da mesa.
Com a classificação da Oliveira do Mouchão, pela Universidade de Trás-os-Montes (UTAD), alguns membros da ACROM passaram a olhar para outros exemplares, porventura não tão antigos, mas seguramente com centenas ou milhares de anos.
E a ideia de uma Rota das Oliveiras Centenárias ou Milenares foi ganhando corpo, mas sem sair das ideias.
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Surgiu agora a oportunidade desta rota poder ganhar vida própria. Isso mesmo confirmou António Louro, presidente da direção da ACROM. Com o apoio da “Apadrinha uma Oliveira”, do Município e da Junta de Freguesia as coisas podem ganhar outro rumo.
E esta caminhada pode muito bem ter sido um ensaio para esta Rota. António Louro conta que há 20 oliveiras identificadas que vão receber a sinalética, que está a ser produzida, para os visitantes. Terá uma placa identificativa, com o nome dos proprietários e mais algumas informações. O projeto fica mais complexo porque há a necessidade, explica António Louro, que existam documentos assinados entre a associação e os proprietários.
O ponto de partida será sempre da “Oliveira do Mouchão”, vivo do tempo de Nefertiti, do império Egípcio, e depois será calcorrear alguns caminhos e terrenos, agora descampados, para se observarem os exemplares. E há de tudo. Desde oliveiras à beira de arruamentos, em quintais, quase no meio do mato, quase à beira Tejo.
António Louro diz esperar poder datar, com certeza, mais uma oliveira. Para já é feita a medição do diâmetro e da altura do tronco para poder aportar a uma idade possível. A “datação certa, pela UTAD, através do método Carbono 14, custa umas centenas ou milhares de euros” pelo que, se for possível, haverá vontade de datar mais uma ou duas.
António Louro
Para já a Rota terá 20 oliveiras, mas a ACROM já pensa num alargamento do percurso e do número de oliveiras. “Poderemos alargar para as Varandas, onde também existem oliveiras muito antigas.”
Pelo meio do percurso, dependendo da época do ano, a natureza pode proporcionar outros pequenos deleites, como apanhar espargos ou orégãos, ou cogumelos (para quem os conhece) ou plantas para chás, como hipericão ou cavalinha.
O património e a história
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Nesta futura Rota das Oliveiras haverá, em paralelo, possibilidade de observar outros pontos de interesse. Pontos históricos, culturais ou da etnografia de uma aldeia rural.
No caminho pode ver-se um antigo “telheiro”. Restam ruínas de um, dos vários, “telheiros” ou cerâmicas que existiam em Mouriscas para trabalhar o barro. Ali faziam-se as telhas mouriscas ou de cana, o tijolo-burro ou maciço, ou a tijoleira. Eram pequenas empresas, familiares, mas que empregavam muitas pessoas nesta arte de trabalhar o barro à mão. Hoje, dos vários “telheiros” resta um, o “Telheiro do Barro” que sucedeu à Cerâmica Tejo, criada em 1955.
O que se pode ver hoje do “Telheiro do Ildo” é uma parede que seria o forno para cozer o tijolo e a telha.
Na Rota o rio Tejo pode ser observado em, pelo menos, dois pontos distintos assim como a linha ferroviária de Beira Baixa. Os comboios já não são muitos, mas pode sempre ver passar um regional ou um intercidades.
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Ou ainda antigas fontes ou futanários. E há uma, chamada fonte de mergulho que se chama "fonte cagada" que, nes que seja pelo nome, motivou a passagem pelo local. Hoje, as fontes jão não são usadas, constituem marcos dos tempos em que não havia abastecimento público.
O Canal de Alfanzira não está, ou não vai estar integrado na Rota, mas sendo ponto de interesse pode vir a ser um desvio para matar a curiosidade de uma obra de engenharia mandada construir pelo Rei Filipe I de Portugal, II de Espanha. Numa altura em que o Tejo era navegável, sem barragens ou açudes, apenas as zonas mais rochosas poderiam impedir a navegação. É o caso das “carreiras” do Tejo, zona de pedras por isso de águas mais rápidas.
Desta forma o Rei mandou construir um paredão, por forma a criar um canal para que os barcos fossem “puxados” por cordas para ultrapassar a barreira natural.
O canal foi mandado construir entre 1581 e 1582, de acordo com historiador Joaquim Candeias Silva: “O sítio em questão localiza-se adentro do Tejo, a montante do Casal do Tejo e a jusante do Casal de Vale Covo, ambos na antiga vintena dos Cascalhos (freguesia de Mouriscas), onde também chamam o Cachão, por as águas do rio ali correrem com alguma pressão e ruído, entre densos fraguedos xistosos de extraordinária dureza. Geologicamente serão estes de origem pré-câmbrica, da chamada "série negra", e daí que nem as águas de milénios a fio tenham conseguido ainda rompê-los. A paisagem, que ali se estende em grande lastro, é por isso agreste e escalavrada; mas a morfologia e constituição do solo, se por um lado dificultava a navegação, por outro permitia a instalação de engenhos, que em determinadas épocas do ano aproveitavam a boa energia hidráulica para molinação.”
Nesta caminhada não se viu o Canal de Alfanzira uma vez que o Tejo estava com caudais muito elevados e transbordando as margens.
No entanto, Manuela Maia Alves deu uma explicação aos participantes na caminhada.
Manuela Maia Alves
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E fazer o percurso com gentes de Mouriscas, neste caso com elementos da ACROM, há sempre duas mãos cheias de histórias, umas verdadeiras e outras de “origem duvidosa” que nos podem deliciar, assim como alguns topónimos da aldeia.
A recuperação do Olival
Um dos parceiros da ACROM na implementação desta Rota das Oliveiras é o “Apadrinha uma Oliveira.”
O projeto começou mm maio de 2014. Oliete, é uma pequena povoação que e 1900 tinha quase três mil habitantes. Com o tempo perdeu população e os campos ficaram ao abandono. O projeto criou valor nesta aldeia que já tem mais de 7.000 oliveiras recuperadas o que permitiu criar 14 postos de trabalho. E para além da produção de azeite exploram outro tipo de produtos hortícolas ou fruta.
Há dois anos a Endesa, empresa parceira esta entidade, exportou para Portugal o conceito, como sendo um contributo no pós-encerramento da Central a Carvão no Pego.
O conceito é simples. A “Apadrinha uma Oliveira” assume a gestão dos olivais abandonados cedidos pelos proprietários. Os terrenos são sempre dos donos. A exploração do olival, assim como a limpeza dos terrenos passam para a “Apadrinha uma Oliveira” que garante o tratamento das árvores, a apanha da azeitona e a transformação em azeite.
Quem quiser pode apadrinhar uma destas oliveiras. Com uma contribuição anual de 35 ou 60, quem o pretenda pode escolher a sua oliveira abandonada de uma lista, batizá-la e visitá-la sempre que quiser. Como agradecimento os padrinhos recebem, 1 litro ou 2 litros de azeite virgem extra por ano, proveniente das oliveiras recuperadas pelo projeto.
Jéssica Oliveira explica que o projeto está a correr dentro do esperado, depois de muitas dúvidas iniciais, uma vez que é uma fórmula é pioneira no nosso país.
Jéssica Oliveira
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A associação “Apadrinha uma Oliveira” já recuperou mais de 3.500 oliveiras e tem como meta para 2025 a recuperação de mais 1.000 árvores. Há ainda a expetativa de haver um apoio de 350 350 padrinhos.
O projeto pretende continuar a recuperar os olivais abandonados de Abrantes e a criar oportunidades de emprego locais. O objetivo a longo prazo é o de recuperar 10 mil oliveiras tradicionais neste território.
Quem quiser saber mais pormenores poderá entrar na página: apadrinhaumaoliveira
Quanto à caminhada de domingo, foram cerca de cinco quilómetros, nível reduzido, muita conversa e muitas gargalhadas que culminaram à beira da milenar Oliveira do Mouchão com um lanche oferecido pela Tagus.
É claro que não faltou a mesa com azeites de Abrantes para prova assim como as azeitonas para comer. E não faltaram tigeladas, broas ou as famosas passas fritas de Mouriscas.
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A ACROM está a preparar uma nova caminhada, num percurso maior, e com passagem pelo Canal de Alfanzira, sempre com muitas oliveiras pelo percurso, ou não fossem estas terras de azeites.
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Fotos marcadas com ** cedidas por Nuno Caetano Pais/CMA