Foi uma conversa pausada, cheia de memórias e emotiva, apesar da sobriedade que o Luís Osório, comunicador, jornalista, escritor, colocou em todas as palavras e frases que foi soltando. Não havia guião. Apenas o mote da noite “raízes, tradições e identidade” e a visita à aldeia onde nasceu a sua avó Joaquina, de quem Osório tem as memórias marcantes da sua vida.
E esta é uma memória emocional de tal forma marcante na vida do ex-jornalista, que o levou a partilhar com a plateia do restaurante “O Castiço”, em Mouriscas, este momento da sua vida: o dia em que a avó Joaquina morreu foi o dia em que ele fez desaparecer o “Miguel”, nome pelo qual a avó o tratava.
A avó Joaquina nasceu no lugar da “Carreira” na freguesia de Mouriscas, oriunda de uma família muito pobre. E terá sido também nesta freguesia que nasceu a sua mãe.
Apesar de tudo, Osório nunca antes tinha vindo a Mouriscas em busca de uma qualquer memória que a avó Joaquina lhe tivesse transmitido, nas muitas conversas que tiveram. Luís confidencia que a avó foi o seu grande amparo e apoio, entre a máquina de costura com que fazia sutiãs para as senhoras.
Nesta viagens ás as suas raízes e ao seu passado, a marca da partida da avó Joaquina foi tão intensa que nunca permitiu que viesse até Mouriscas para tentar conhecer esse local onde a avó nasceu e passou a sua meninice.
Mas tudo mudou na sexta-feira, dia 25 de março. O movimento ALTERNATIVAcom convidou o autor do livro “Ficheiros Secretos” para um jantar/debate e ele aceitou. E deslocou-se mais cedo para poder visitar o terreno onde ainda se podem ver as ruínas da casa da avó Joaquina.
E no meio de tantas emoções, Luís Osório revela que manteve a esperança que, nesta sua vinda a Mouriscas, a avó lhe enviasse um qualquer sinal.
Luís Osório fez desfilar depois um pouco da sua vida. O lado paterno, com um pai burguês e comunista, e o lado materno com uma família muito pobre. Uma diferença tão grande que toldou a sua personalidade, como homem de pensamento simples, de esquerda.
Mas a política foi muito pouco falada nesta conversa. As memórias e as suas raízes foram muito mais abordadas. Nem as histórias publicadas no livro “Ficheiros Secretos” que poderia ter dado azo a outras abordagens. Preferiu seguir a linha das suas origens. Da sua avó Joaquina.
Luís Osório
Ser de esquerda ou de direita
Depois desta sua viagem, Luís Osório ficou disponível para perguntas dos participantes. E uma das perguntas foi: “Mas afinal o que é isto de ser de esquerda hoje?”
Luís Osório diz que a resposta é muito simples. E depois começa a responder. “É fundamental dizer que quando se diz que não se é de esquerda ou não se é de direita, tentando apagar a ideologia, normalmente essas pessoas são um perigo.”
Luís Osório refere que “existe muitas vezes o vício do sectarismo” e esse vício “impede-nos de ver as coisas de uma maneira mais ampla”. E depois indica que este vício, do sectarismo, é que “muita esquerda olhar para a direita, sobretudo a direita que é inteligente, e é uma direita que acredita convictamente que aquilo que pensa é o melhor para o país. E há uma direita que olha para a esquerda e que pensa exatamente com o mesmo sectarismo, diabolizando as pessoas que são de esquerda.” E para o escritor este facto impede que haja uma discussão um debate verdadeiramente frutuoso.
E diz que para ele é uma questão de pele. “Se eu tiver aqui uma mesa com pessoas de esquerda e ali com pessoas de direita e se não conhecer ninguém eu vou sentar-me aqui (na mesa das pessoas de esquerda).”
A outra parte é que “acredito que ser de esquerda é acreditar numa ideia de igualdade, é acreditar de várias formas que todas as pessoas, mesmo as que nascem com bilhetes truncados, é acreditar que o Estado deve criar as oportunidades para que essas pessoas se possam cumprir, mesmo que não tenham os bilhetes para entrar no circo. Ser de direita é acreditar que tudo se vai regular naturalmente e que a questão da igualdade é muito menos importante do que a questão da liberdade. Falo em termos de democracia porque depois há uma direita totalitária e fascista assim como também há uma esquerda totalitária e que não acreditam em nada disso. Acreditam noutras coisas.”
Luís Osório afirma que “conceptualmente, a esquerda é otimista e a direita é pessimista em relação ao ser humano.”
E depois afirma que a social-democracia é de esquerda e que Rui Rio tem razão e que o PSD está numa deriva. “O PSD é um partido com o social, o PSD é uma emanação no Marxismo.”
E conclui com esta definição, a esquerda acredita muito mais uma ideia de Estado, que tem de ser forte para regular aquilo que são as desigualdades naturais. A direita acredita que o Estado deve ter menos peso, porque acredita que essas desigualdades podem ser muito mais facilmente resolvidas com um Estado menos forte e para deixar a economia mais forte. “No fundo, vai sempre haver ricos e pobres. A direita acredita que vai ser sempre assim. A esquerda é mais idealista, acredita que não pode ser assim.”
Luís Osório
Em busca da identidade de Abrantes
Este jantar começou com uma intervenção de Vasco Damas, líder do movimento ALTERNATIVAcom e vereador na Câmara Municipal de Abrantes, e com uma ideia que já não é nova no movimento. Abrantes não tem, nesta altura, uma identidade, uma marca, que é, pensam os independentes, fulcral para o desenvolvimento do concelho e para “vender” este território para o exterior.
Vasco Damas refere que “quanto mais forte for a nossa identidade, maior capacidade de atração terá Abrantes e as suas freguesias” e aponta a uma atualidade em que, na opinião do movimento, Abrantes está com uma crise de identidade. E depois explica: “já fomos Abrantes cidade florida, Abrantes cidade da energia, Abrantes cidade digital, Abrantes cidade desportiva, Abrantes capital do azeite ou o mar de Abrantes entre outras bandeiras desfraldadas e com resultados manifestamente insatisfatórios para os resultados alcançados.”
Vasco Damas, vinca que a sua posição é sempre “um ponto de partida e nunca um ponto de chegada”, pelo que defende que é preciso assumir que “nunca seremos um território integralmente urbano. O concelho é constituído por freguesias com características próprias que devem ser promovidas e valorizadas.”
O vereador eleito pelos independentes ALTERNATIVAcom salienta que a afirmação da identidade passa, na sua opinião, “por assumir de forma estratégica que o concelho tem uma matriz rural, marcada pela fileira florestal, pelo azeite, pela silvicultura e por alguma indústria agropecuária e agroalimentar. Ao mesmo tempo, a valorização da matriz rural, deve ser integrada na afirmação de um território com uma tendência crescente para a urbanidade.”
E depois avança que a matriz cultural do concelho reflete isto, porquanto a firmação dos traços etnográficos assenta nas associações “que teimam em manter vivas as suas tradições.”
E depois frisa ainda que tem sido mais fácil manter viva a marca identitária da ruralidade do que o modo de vida urbano promovido nas freguesias mais centrais.
“Se encontrarmos respostas para estas questões será possível definir uma estratégia que crie ou recupere uma identidade que permita valorizar e fixar o potencial humano, contribuindo para o acelerar de um desenvolvimento que todos desejamos.”
Vasco Damas não apresentou a solução ou a ideia para o futuro, diz que quer promover o debate de ideias, colocar uma semente que permita fazer com que haja debate, conversas, para permitir que “as coisas aconteçam.”
Vasco Damas, vereador ALTERNATIVAcom
Após o jantar Luís Osório, entre alguns autógrafos, principalmente do seu livro mais recente, “Ficheiros Secretos” em que Luís Osório recupera ficheiros da política e da sociedade portuguesa que pertenciam à categoria do que nunca se soube e desvenda acontecimentos guardados no fundo do baú do que estava por contar, explicou à Antena Livre como foram as emoções de visitar pela primeira vez a terra da avó Joaquina. E nesta entrevista explicou ainda o regresso à rádio (TSF) e a criação do Postal do Dia, uma publicação feita em tempos de pandemia para o Facebook.
Luís Osório, entrevistado pelo jornalista Jerónimo Belo Jorge
Quanto ao livro “Ficheiros Secretos” conta alguns segredos como o último encontro entre Cunhal e Soares antes do 25 de Abril – o que discutiram e o que ficou acordado ou que Maria Barroso votou contra a fundação do PS, ou ainda que Alberto João Jardim cantou para Salazar.
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