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Proteção Civil Um Sistema Nacional assente em “pés de barro” - por Miguel Borges, presidente da CM de Sardoal

28/08/2017 às 00:00

1- No dia 23 de agosto de 2016, tive a infeliz oportunidade de verificar a

falência de um sistema de comunicação utilizado pela Proteção Civil. No

decorrer do combate ao incêndio florestal que devastou uma considerável

área de floresta dos concelhos de Sardoal e Abrantes, no posto de

comando, verifiquei o desespero dos presentes ao tentarem, sem sucesso,

contactar com os operacionais que estavam no teatro de operações. Assim

se apresentou o SIRESP – Sistema Integrado das Redes de Emergência e

Segurança de Portugal, um sistema que custou mais de 400 milhões de

euros! A normalidade de funcionamento do sistema só foi reposta passadas

quase 18 horas.

Do facto foi dado especial relevo na reunião extraordinária da Comissão

Municipal de Defesa da Floresta do Concelho de Sardoal, realizada em

setembro de 2016, cuja ata foi enviada para os nossos governantes com

responsabilidades nesta área.

No dia 26 de abril de 2017, recebi, via Gabinete do Secretário de Estado da

Administração Interna, um relatório da responsabilidade da Secretaria

Geral da Administração Interna que diz o seguinte, em jeito de conclusão:

“…pode-se garantir que deste evento se retiraram os devidos ensinamentos

e que numa próxima situação idêntica a resposta dos meios operacionais

das comunicações SIRESP será mais rápida e eficaz.”

O senhor Primeiro Ministro “apagou” o referido relatório referente às

falhas do sistema SIRESP no dia 23 de Agosto de 2016. Para ele o “mundo”

começou a 17 de Junho de 2017 em Pedrógão Grande. Tirem-se as ilações,

assumam-se as responsabilidades!

2- De uma forma generalizada, os apelos à população para ofertarem bens

que, supostamente, são necessários aos bombeiros, são pura falácia e uma

desresponsabilização de quem na verdade o deve fazer. A Autoridade

Nacional de Proteção Civil paga à entidade responsável pela logística numa

situação de combate a um incêndio 7 € por almoço e 7 € por jantar, assim

como 1,8 € por pequeno-almoço, lanche e reforços para todos os

operacionais dos diferentes agentes de Proteção Civil envolvidos nas

operações de combate. Refira-se que tudo isto se faz sem necessidades de

documentos comprovativos de despesa. Então para que servem os

“peditórios”? Será que não corremos o risco de, em determinadas

situações, se reduzir no essencial de uma refeição condigna, para quem

anda há bastantes horas, com enorme esforço, no terreno, a favor do lucro

fácil? Os bombeiros sabem do que falo!

Por outro lado, é latente a irresponsabilidade de quem, oficialmente, faz

tamanhos apelos, pondo muitas vezes em risco as populações e os

operacionais no terreno. Por um lado queremos que as pessoas se

mantenham nas suas casas, não prejudicando as manobras de combate que

se desenvolvem no terreno, mas por outro, apelamos a que circulem

livremente para oferecerem águas e outros bens. Em que é que ficamos?

3- É lamentável a completa desresponsabilização de alguns municípios

(muitos), no apoio que é dado às suas corporações de bombeiros. O

responsável máximo da Proteção Civil em cada concelho é o Presidente da

Câmara, que permite a realização de peditórios nas rotundas e cruzamentos

do seu concelho, para que os bombeiros da sua terra possa adquirir, por

exemplo, equipamentos de proteção individual. Para onde vai o dinheiro

das transferências financeiras do Orçamento de Estado para a Proteção

Civil? Gostamos de ver tal situação, num País que se “diz” Europeu do

século XXI? Não tenho na memória se alguma vez igual “peditório” foi feito

para as Forças Armadas, PSP ou GNR! O Estado (somos todos nós) não se

sente envergonhado por tal situação? Eu sinto-me!

Lamentavelmente há Municípios neste País que gastam mais dinheiro em

“festas” e “fogo-de-artifício” do que em Proteção Civil!

4 – Defendo um modelo assente na profissionalização no âmbito da

Administração Local. O modelo existente no Município de Sardoal,

composto por profissionais com carreira na Administração Local e

voluntários, muitos deles aposentados aos 50 anos de idade, mas com

muita força e capacidade para continuarem o seu trabalho em prol da

sociedade, é o sistema organizacional que melhor responde às

necessidades do nosso território. Cada Município deve garantir um número

de profissionais de acordo com a sua tipologia e grau de risco. É fácil de

verificar que determinadas regiões do País são autênticos “desertos” no

que diz respeito a profissionais prontos a dar resposta às ocorrências, 24

horas por dia, todos os dias do ano. Equipas de Intervenção Permanentes

(EIPs), grupos de 5 operacionais pagos a 50% pelo Estado e 50% pelas

autarquias, são rejeitadas. O modelo existente de organização das

corporações de bombeiros, está demasiado assente no voluntariado, no

voluntarismo dos seus dirigentes, quando devia ser uma responsabilidade

do Estado, como o é nos restantes organismos da Proteção Civil.

5- Como Presidente de Câmara sinto necessidade de formação nestas

matérias de Proteção Civil. Já transmiti a minha opinião ao Presidente da

Autoridade Nacional de Proteção Civil, já houve datas marcadas e,

estranhamente, não se realizou. No teatro de operações, o responsável

máximo da Proteção Civil em cada um dos Concelhos (o Presidente de

Câmara) é o único que não tem formação específica.

6- O Município de Sardoal tem uma candidatura aprovada no âmbito da

“Prevenção Contra Agentes Bióticos e Abióticos (Prevenção da Floresta

Contra Incêndios) no valor de 573 731,58€ desde 2014, tendo transitado

para o atual PDR 2020 no final de 2016. A candidatura encontra-se

aprovada, mas, para a sua execução, não existe dotação financeira.

Lamentavelmente, é muito mais fácil o financiamento para a Reposição do

Potencial Produtivo ou Estabilização de Emergência, após destruição por

incêndio, do que para a prevenção. Não queremos nenhum projeto piloto

de reflorestação, queremos sim, manter a nossa floresta, manter o nosso

Concelho verde!

Seis pontos que pretendem ajudar a mudar um sistema que, como disse

anteriormente, está assente em “pés de barro”. Tenho-o dito, nos locais

próprios, a diferentes Ministros e Secretários de Estado, na Associação

Nacional dos Municípios Portugueses, mas sinto que existem forças muito

maiores, que pretendem que tudo continue como está. Sinto-me a “pregar

no deserto”.

António Miguel Cabedal Borges

Presidente da Câmara Municipal de Sardoal

Membro da Mesa da Secção de Municípios com Bombeiros da

Administração Local da Associação Nacional dos Municípios Portugueses

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