Chama-se Margarida Cartaxo, tem 32 anos, e faz parte da ficha técnica do filme “Made in England: The Films of Powell and Pressburger” que tem o “desconhecido” Martin Scorsese como produtor executivo e narrador.
Margarida Cartaxo é a editora deste filme nomeado na categoria melhor edição (montagem) da BIFA – British Independent Film Awards.
O filme traz o olhar, mais pessoal, de Scorsese sobre dois dos maiores cineastas britânicos da história: Michael Powell e Emeric Pressburger, através de uma coleção de vídeos e raras imagens de arquivo, com realização de David Hinton.
Mas como é que a abrantina Margarida aparece como editora (ou seja, responsável pela montagem) deste documentário, nomeado para estes prémios britânicos onde tem como adversários filmes independentes, mas originais e com grandes nomes do cinema britânico?
Se calhar temos de recuar a 2010 ou 2011 quando a Margarida decidiu entrar na Escola Superior de Teatro e Cinema do Instituto Politécnico de Lisboa. Sempre teve o sonho do cinema. Apoiada, sempre pela mãe, e com algumas preocupações do pai, se conseguiria fazer vida desta área, a Margarida meteu a cabeça nos estudos e concluiu o seu curso.
Mas depois veio a grande questão. Portugal não tem “indústria” cinematográfica para um mercado de trabalho florescente, mesmo que surjam aqui e ali projetos interessantes.
Conta a Margarida que o seu sonho de trabalhar na indústria teve o peso suficiente para a levar a Londres, ainda na União Europeia. E foi por terras de 'Sua Magestade' que encontrou, o que pensaria ser, a estabilidade profissional e, por “contágio” pessoal e financeira. Foi trabalhar no que mais gosta, em montagem ou edição.
Margarida Cartaxo explica que estava a trabalhar como editora assistente numa empresa da especialidade. Entrava numa das 20 cabines e punha todos os conhecimentos ao serviço da sétima arte. Mas ser editor assistente é um processo “mecânico”. Ou seja, é apenas fazer toda a componente técnica, porque o trabalho de criação pertence ao editor. Mas é a partir desta estabilidade que acontece aquilo que a Margarida jamais pensou que lhe pudesse acontecer.
Ao entrar na faculdade, em Lisboa, se lhe perguntassem qualquer coisa do género: “Então daqui a 12 ou 13 anos já imaginaste poder trabalhar com um dos famosos? Tipo um Martin Scorsese?” A resposta era nem pensar. Aliás, ao estar na empresa de edição, a jovem de Abrantes pensou estar muito feliz, a trabalhar na sua área, no que gosta, o que não acontece com grande parte dos seus colegas de curso que à falta de oportunidades viram os horizontes para outras áreas. E muitas vezes em áreas completamente opostas à formação base.
Mas, como nos filmes, e neste caso sem guião escrito por um guionista ou escritor, o mentor, que a Margarida mais admira, Joby Gee, numa hora de almoço revelou-lhe que teve um convite para fazer a montagem do novo projeto do Scorsese. E, acrescentou, iria declinar porque não iria conseguir ter tempo para o trabalho. A Margarida conta que ficou “abismada” com esta recusa. Seria possível recusar um trabalho com Martin Scorsese?
Ou seja, a indisponibilidade do Joby Gee levou a que o mesmo tenha recomendado a Margarida Cartaxo aos produtores. Mas sem a Margarida saber. Dias depois, revela, recebeu um telefonema de Matthew Wells, produtor, e haveria de ter uma entrevista com David Hinton, o realizador.
David Hinton, realizador
E eis que o que seria um sonho de adolescente começava a sair desse mundo a entrar na vida da Margarida. Depois, um documentário sobre dois cineastas ingleses seria o topo. Mas, pelos vistos, não. Ainda houve o trabalho direto com Thelma Schoonmaker, a editora de Martin Scorsese. E junta-se o trabalhar com filmes inéditos e antigos de Scorsese, para além de ser um documentário narrado pelo próprio Martin Scorsese.
Para a Margarida foi muito mais do que um sonho concretizado ou que pensava ser impossível para uma jovem de Abrantes. O ter o nome como editora do “Made in England” é também acrescentar o primeiro crédito como editora, ao invés de “ser sempre editora-assistente.”
Mas numa história que não tem um guião escrito há uma nomeação para uma categoria dos prémios BIFA 2024. O British Independent Film Awards C.I.C. (BIFA) é uma organização de renome internacional que celebra, promove e apoia cineastas independentes no Reino Unido. E a Margarida foi nomeada para a categoria “montagem”.
E também aqui a jovem editora ficou tão surpresa que semanas depois ainda receia não ser verdade.
Soube da nomeação de forma muito ligeira ou até dando algum descrédito. Viu o nome num grupo de editores e editores assistentes de Inglaterra. Mas como estava a entrar para uma ação de formação na BBC desvalorizou e explica que disse ao marido qualquer coisa “vai lá ver aí na internet uma nomeação qualquer que tive.”
A ficha caiu quando, depois desse trabalho, no email e no Watsapp tinha uma quantidade de mensagens a felicitá-la. Não apenas por ser o filme a estar nomeado, mas por ser a Margarida Cartaxo e o Stuart Davidson nomeados para a categoria “montagem”.
Naturalmente que, hoje, está satisfeita por este salto profissional. E garante que o prémio já está ganho. Independentemente dos resultados dos BIFA, conhecidos a 8 de dezembro, o crédito na ficha técnica, a nomeação, e, principalmente, trabalhar com nomes grandes da “indústria” de Inglaterra e de Hollywood.
Está num terreno onde nunca pensou entrar, talvez só em sonhos de uma jovem estudante universitária.
Margarida Cartaxo
Em Portugal a Margarida já tem um crédito. Foi uma das autoras, o documentário “A Malta da Farda Azul”. Trata-se de um documentário dedicado à História e estórias da CUF – Companhia União Fabril em Alferrarede, partindo dos testemunhos daqueles que outrora trabalharam no complexo industrial localizado em Alferrarede.
O filme foi realizado por Bruno Ganhão e Margarida Cartaxo para a Médio Tejo Criativo, numa parceria com a ESTA – Escola Superior de Tecnologia de Abrantes e com o apoio financeiro do município através do FinAbrantes, tendo sido selecionado e exibido na décima sexta edição do DOC Lisboa – Festival Internacional de Cinema.
O Festival BIFA
O BIFA (British Independent Film Awards C.I.C.) é uma organização de renome internacional que celebra, promove e apoia cineastas independentes no Reino Unido.
A BIFA foi fundada em 1998, e pretende defender o melhor e mais inovador cinema britânico financiado de forma independente. Tem também objetivo de dar a conhecer e apoiar “talentos emergentes, promover práticas justas e desenvolver um público mais amplo e mais inclusivo para o cinema independente britânico.”
Os prémios BIFA dividem-se em 15 áreas do cinema com muita incidência nas áreas mais técnicas.
Os vencedores serão revelados numa cerimónia agendada para o dia 8 de dezembro.
O filme
“Made in England: The Films of Powell and Pressburger” (OFICIAL TRAILER) apresenta material de arquivo raro das coleções pessoais de Powell, Pressburger e Scorsese.
O diretor é David Hinton e os atores são Martin Scorsese, Michael Powell, Emeric Pressburger, Deborah Kerr, Roger Livesey
Foi “rodado”, ou seja, com vídeos pessoais gravados nos Estados Unidos e em Inglaterra e produzido em maio de 2024. Está inserido na categoria documentários e tem 133 minutos.
«Made in England» teve a sua estreia em fevereiro no Festival de Berlim, circulou por outros festivais internacionais, esteve pelo menos em 65 salas de cinema nos Estados Unidos e começa agora a receber menções e nomeações para prémios.