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Da beterraba amarela à mostarda roxa japonesa, a horta de Nuno Alves é um laboratório de ideias e experiências no meio da natureza

2/05/2019 às 00:00

Alperces, aquilégias, agrião mastruço, couve frisada roxa, manjericão roxo, mostarda roxa japonesa,… entre hortícolas, plantas e ervas aromáticas são mil e um os produtos que da terra nascem, através de uma agricultura simultaneamente produtiva, protetora da vida selvagem e respeitadora do futuro que há-de vir.

Assim é na horta de Nuno Alves. Um laboratório de ideias e experiências com dois mil metros quadrados de natureza, de diferentes cores, texturas e sabores. Onde as beterrabas podem ser amarelas, as flores podem ser comestíveis e as pragas selvagens têm espaço para existir.

Tem 31 anos, dedica-se à vida agrícola “de noite, de madrugada e de dia” há quatro anos. Um “passatempo” que se tornou algo sério e que começou quando, aos cinco anos, pediu as primeiras sementes à mãe.

Nuno Alves experimenta produzir diferentes variedades de hortícolas e plantas no seu "laboratório"

Como é que desenvolveu o gosto pela agricultura?

Tive algumas influências [familiares] e desde pequeno que tive um comportamento curioso em relação à natureza que me rodeava e fascinava-me ver o crescimento das plantas. Quando tinha cinco anos pedi as primeiras sementes à minha mãe e a partir daí comecei a cultivar conforme podia e gostava, sempre aprendendo com aquilo que fazia. Há uns sete anos comecei a pesquisar de uma forma mais intensiva os princípios sustentáveis de cultivo, de gestão do solo, do espaço natural, para perceber de que forma é que nós podemos simultaneamente produzir aquilo de que necessitamos sem prejudicar o espaço e o futuro que nos espera”.

Portanto tenta fazer uma agricultura que seja inofensiva para a natureza?

“Coisas como o que eu faço aqui são exceção. Tem de haver uma conciliação. Eu olho para isto e penso de que forma é que consigo fazer o meu espaço produzir de forma prática, simples e eficaz mas em simultâneo ter o menor impacto na natureza à minha volta. E às vezes é um bocadinho o princípio do ‘fazer um mal menor agora para conseguir fazer um bem maior a seguir’. Eu não gosto de usar motocultivador por várias razões, mas se não recorrer esporadicamente a estes meios demorarei muito tempo a conseguirei chegar ao resultado final que pretendo e o trabalho exigido será brutal. Portanto eu pego no motocultivador, mexo alguma terra mas a partir daí tento refazer aquilo que destrui, recompor a estrutura do solo com matéria orgânica, alimentando-o e à vida selvagem que nele existe”.

Aplicação de matéria orgânica para alimentar o solo

Como são produtos biológicos, as pessoas acabam por ter preferênia por eles?

“Mesmo aqui na nossa região, que é relativamente conservadora e tarda a aceitar algumas ideias novas, já se começa a compreender a vantagem da proximidade das produções, e com o fenómeno a acontecer do retorno das mercearias há cada vez mais a procura pela novidade, pela diferença, pela frescura e pelas garantias relativamente à origem dos produtos e as pessoas estão a aderir à ideia de uma mercearia focada nos produtos locais, daí que progressivamente eu tenha vindo a conseguir dinamizar o meu espaço e a oferecer produtos [a restaurantes e mercearias] com os quais até então as pessoas não tinham tido contacto”.

Existe muito conservadorismo face a produtos diferentes?

“O conservadorismo é a coisa mais irreal que pode existir porque ele só existe até as pessoas experimentarem. A cor é aquilo que faz os olhos apaixonarem-se. Estamos habituados a que a beterraba seja vermelha, a que a cenoura seja cor de laranja, a que o tomate seja vermelho e às vezes quando as pessoas veem uma novidade pensam ‘isso é geneticamente modificado, eu não vou comer isso’, quando, na realidade, boa parte daquilo que nós comemos hoje é que foi selecionado para que seja da forma que é”.

Desde beterrabas amarelas até mostarda roxa japonesa, são diversos os produtos que Nuno tem na sua horta

Também dedica parte do seu tempo à produção de flores...

“Eu devo confessar que nunca liguei muito a flores, mas há uns sete anos comecei a estudar mais afincadamente os princípios da agricultura biológica e um deles é a produção das hortícolas combinando-as com plantas de companhia. E as plantas aromáticas, as calêndulas, as alfazemas, as papoilas, a borragem, todas elas atraem insetos benéficos e no primeiro ano em que fiz esta experiência pensei ‘isto realmente até fica giro’, combinar flores com legumes de uma forma bastante ornamental. Fiquei encantando e no ano a seguir comecei a brincar um bocadinho com bolbos (…) E hoje as aquilégias são uma das minhas paixões”.

As flores acabam por complementar o trabalho agrícola?

“Isto de alguma forma complementa aquilo que faço, é como se criasse aqui um ciclo porque tenho frutas, hortícolas, flores, ervas aromáticas e tendo a cultivar aquilo que não existe por aí com tanta facilidade [muitas sementes vêm de Inglaterra]. Mas também tem que haver um lado prático: quero ter flores aqui que possam ter um lado comercializável, mas que também se enquadrem no espaço enquanto elementos de atração da vida selvagem. Há muitas plantas que estou a cultivar que estão em risco de extinção”.

Um exemplo da vida que existe na horta de Nuno, com uma abelha pousada na borragem

Tem uma página de Facebook, "Um jardim de campo". Qual é o objetivo?

“Muito daquilo que eu faço ao nível da página de Facebook é sensibilizar as pessoas para a existência de métodos alternativos, viáveis, para a existência de um universo gigantesco de produtos alimentares que estão cada vez mais esquecidos mas que podem providenciar uma dieta muito mais ampla, saudável e nutritiva e é nesse sentido que eu vou disponibilizando as fotografias, os workshops, de forma a mostrar a amplitude do trabalho que faço”.

Nuno Alves combina na sua horta produtos hortícolas com plantas de companhia, um dos princípios da agricultura biológica e sustentável

O que é preciso ter para se ser agricultor?

“É necessária perícia. Às vezes quando pensamos que a agricultura é uma profissão para aqueles que não conseguiram singrar na vida as pessoas não podiam estar mais erradas. A agricultura é uma das atividades que exigem mais conhecimento, mais inteligência. O agricultor tem que ser uma pessoa com capacidade para observar e compreender o espaço que o rodeia e a partir daí tirar lições. Nós hoje em dia pensamos que a tecnologia resolve tudo. Não. Na agricultura contemporânea moderna e tecnológica a preservação do solo ainda não é uma prioridade e nós hoje em dia, só porque desenvolvemos novas tecnologias, achamos que o conhecimento que existia antigamente que já não é válido”.

Portanto, deixar a agricultura não é sequer uma opção para si?

“Eu vou continuando porque eu adoro isto. Isto para mim não é trabalho, é lazer. Eu não saio daqui cansado, nem com dores de costas. Às vezes a pressão para ter as coisas a funcionar existe, mas é circunstancial e não me inibe de querer continuar a fazer isto”.

 

Texto: Ana Rita Cristóvão

Imagens: Carolina Ferreira

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