O Tribunal de Santarém condenou hoje uma mulher acusada da morte do filho recém-nascido a 20 meses de prisão efetiva por profanação de cadáver, absolvendo-a do crime de homicídio qualificado por impossibilidade de prova da causa da morte.
O coletivo de juízes deu como provado que a mulher, casada há 19 anos e mãe de quatro filhos, com um histórico de sete interrupções voluntárias de gravidez, escondeu que estava grávida, decidiu não ter qualquer acompanhamento médico e teve o filho em casa, na aldeia de Outeirinho, freguesia de Mouriscas, no concelho de Abrantes, nada fazendo em seu socorro e desfazendo-se do corpo, que atirou ao rio do cimo da ponte entre Alvega e Mouriscas, como a própria confessou.
Condenando a “total frieza e insensibilidade” demonstradas por Liliana Leitão, a presidente do coletivo, Ana Paula Rosa, sublinhou que o facto de o corpo nunca ter aparecido, impossibilitando a realização de uma autópsia, impediu determinar a causa da morte do recém-nascido.
Referindo que a mãe, no seu depoimento, afirmou que expulsou o bebé para a sanita, onde caiu de cabeça, e que quando o tirou ele não tinha qualquer reação, nem mesmo quando lhe deu palmadas nas costas e nas nádegas, a juíza declarou que, na impossibilidade de uma autópsia, não foi possível ao tribunal determinar se o bebé nasceu ou não vivo e o que verdadeiramente provocou a sua morte.
“Não há prova suficiente para condenar [pelo crime de homicídio qualificado]”, afirmou, referindo, porém, tratar-se de uma “atuação gravíssima”, em que a arguida não fez nada para pedir auxílio, afirmou a juíza.
O tribunal considerou que ficou provado o crime de profanação de cadáver, passível de pena de prisão entre um mês e dois anos, com possibilidade de ser convertida em multa, hipótese afastada atenta a gravidade dos factos.
“O que se pode dizer de uma mãe que, na dúvida se matou ou não o seu filho, lhe nega, e à família, um funeral? É muito grave”, afirmou Ana Paula Rosa, sublinhando que Liliana Leitão “não mostrou qualquer arrependimento” nem mostrou ter “interiorizado a gravidade” da sua atuação, condenável do ponto de vista ético e moral.
A juíza afirmou não se colocar qualquer possibilidade de suspensão da pena dada a gravidade de uma atuação para a qual “não há palavras” e também pela exigência de prevenção geral.
Os factos ocorreram em fevereiro de 2016, tendo a mulher sido detida no final de março, durante uma diligência desencadeada pela Polícia Judiciária de Leiria na sequência de uma comunicação do Centro Hospitalar do Médio Tejo (CHMT).
A gravidez tinha sido detetada acidentalmente no final de janeiro de 2016, quando a mulher se deslocou às urgências do Hospital de Abrantes por dores numa perna. Como não recebeu qualquer registo do nascimento da criança, o CHMT contatou as autoridades.
A PJ acabou por descobrir vestígios de sangue, resultantes do parto, na casa de banho.
O advogado da arguida considerou que a decisão do tribunal foi "sensata" e "a mais correta face à prova produzida".
Lusa