O Banco Alimentar contra a fome está em Abrantes, já lá vão muitos anos. A atual direção, liderada por Sílvia Bagorro, está em funções desde 2014. Em 2021 foram recolhidas 348 toneladas de alimentos que foram armazenados em Abrantes para posterior distribuição de cabazes às famílias mais carenciadas, sempre através de IPSS’s dos 11 concelhos onde atua o Banco Alimentar (BA).
Entrevista de Jerónimo Belo Jorge
Ouve-se falar do BA nas campanhas, mas há muito mais trabalho ao longo do ano. Que trabalho é este?
Um dos valores principais da carta dos bancos alimentares é a recolha de excedentes. E, normalmente, o que se ouve falar mais é das campanhas, quando o nosso intuito é não deixar que haja excedentes, ou que estes sigam para o lixo ou que se estraguem, quando nós podemos e temos tanta família que pode aproveitar e pode usufruir desses alimentos, não é? E então o nosso grande objetivo é esse trabalho.
Nas campanhas são feitas recolhas de alimentos de longa duração, os excedentes já vamos para mais curta? (…)
Exato. A nível da campanha são os alimentos básicos: o arroz, o feijão, a massa… são aqueles que têm longa duração e que normalmente a nível de excedentes não chegam aqui, se chegam é em muito, muito, muito pouca quantidade. Quando se fala de excedentes, fala-se de alimentos de curta duração e, às vezes, até uns já fora da validade, mas que estão em condições de serem consumidos. Nós tentamos sensibilizar de alguma forma as instituições e as famílias, porque um alimento apesar de estar fora da validade, dá perfeitamente para vermos se está em condições ou não...
... E tem a margem de segurança ...
... só que há pessoas, há famílias, - que isto não seja visto como forma de crítica - , mas há famílias que olham muito para a validade e nós não podemos, neste momento, funcionar assim. E nós tentamos que essa mentalidade seja alterada...
... explicam às pessoas...
... explicamos e às vezes incluímos uma observação nos sacos. E principalmente tentamos explicar às instituições, que são elas que neste momento fazem a ponte entre os alimentos do Banco e a chegada às famílias. São elas que tem de sensibilizar as pessoas a verem dessa forma, não é?
“acho que a sociedade toda precisa de ser um bocadinho mais solidária”
Ou seja, os produtos e cabazes são distribuídos ao longo dos meses e não apenas nos períodos após as campanhas de recolha?
A nível dos alimentos da campanha, normalmente esses alimentos são todos destinados a famílias, a instituições que fazem as entregas, o saco [nós chamamos saco ao cabaz] às famílias. Os excedentes, quando chegam, temos que trabalhar logo, temos que os pesar, separar e temos que os fazer sair de imediato. Esses vão, se possível, também para essas famílias, porque às vezes também a instituição não tem disponibilidade de distribuir, porque no fundo estão organizados para distribuir uma vez por mês. Mas contactamos sempre essas instituições e, se há disponibilidade, elas fazem chegar esses alimentos às famílias. Caso contrário, vão para as instituições que consomem e tem havido um grande aproveitamento desses excedentes.
O BA de Abrantes dá a apoio a quantas pessoas/famílias ou instituições?
Nós apoiamos cerca de 60, agora 61, 61 ou 62 instituições. No total de destinatários finais, temos 7.804 beneficiários. Aqui estão contabilizadas as instituições que consomem, que recebem os excedentes e aqueles que recebem os mensais. A nível de famílias que recebem o cabaz mensal, temos cerca de 1000 famílias, nos 11 concelhos que apoiamos.
Qual é, atualmente, a área de trabalho do BA de Abrantes?
Fazemos apoio a 11 concelhos: Abrantes, Alcanena, Constância, Entroncamento, Ferreira do Zêzere, Mação, Sardoal, Sertã, Tomar, Torres Novas e Vila Nova da Barquinha.
Esta é uma área que já foi maior, depois houve aqui ajustes. Até já teve uma delegação em Castelo Branco?
Tivemos um polo em Castelo Branco, que depois também foi transformado em Banco Alimentar. E também não se justificava estar ligado aqui a Abrantes.
Mesmo assim, 11 concelhos, 11 municípios. É o Médio Tejo. É um trabalho muito vasto com as instituições e com as famílias destes concelhos.
É um bocadinho. Isto é assim, é gratificante, dá-nos muito trabalho, mas por vezes há certas alturas que é complicado, mas tudo se faz, com boa vontade.
Há pessoas a virem aqui bater à porta? Como é feito o circuito para que possam receber ajuda?
Sim, ainda há. Já não há tantas como no início, mas ainda há algumas, mas através de telefonema. Uma ou outra é que vêm aqui ao banco e são encaminhadas para as instituições da área...
... O banco não dá individualmente?
Não, o banco não dá diretamente às famílias, portanto, o banco apoia as instituições que depois fazem essa ponte entre as famílias. E eu acho que é a melhor forma disto resultar, não é? E porque, para já, as instituições estão na área de residência dessas famílias e elas, melhor que ninguém, podem avaliar a situação das referidas famílias.
Em média que quantidade de alimentos recebe o BA numa das campanhas normais nos supermercados?
O que oferecem mais é o arroz, a massa, salsichas, bolachas, aqueles bens básicos. Agora se calhar é preferível dizer aqueles que fazem mais falta e que se calhar, que não incluem no saco, que é o azeite, o óleo. Eu penso que é aquilo que se nota mais. Por vezes, no final da campanha, quando estamos a fazer o último mês antes da campanha, notamos que há assim uma certa falta, uma quebra, no atum e nas salsichas. E por vezes há aqui um esforço e compramos para completar alguns cabazes. Estou a falar em situação normal, porque nós, não sei se posso já avançar, mas na altura da pandemia, e mesmo neste momento, nós estivemos na retaguarda… Nós não fizemos três campanhas e não nos faltou aqui alimentos, muito pelo contrário. Os cabazes começaram a ir com muitos mais alimentos, porque tivemos por trás, na retaguarda, a Federação dos bancos alimentares com duas campanhas, em parceria entre a Federação e a entreajuda, que foi a Rede Emergência Alimentar e a Todos Juntos.
Em 2021 foram recolhidas 348 toneladas de alimentos em Abrantes....
... são números, também, incomuns e que teve a ver com estas duas campanhas anteriores que eu já referi entre a Rede de Emergência Alimentar, que fez entrar muitos, mas muitos mais alimentos do que é habitual. Depois acho que tem a ver com a altura da pandemia, que recebemos mais excedentes, porque neste momento já estão a diminuir um bocadinho mais. As coisas ficavam nas lojas e, portanto, uma maneira de escoar e de não se estragarem, era fazerem-nos chegar. Esta tonelada de alimentos aqui a entrar no Banco foi diferente dos anos anteriores, o que também representou um trabalho acrescido para nós. Mas foi muito bom para as famílias.
E fora das campanhas, há outras ofertas de particulares ou empresas?
Normalmente entram em contacto connosco e nós temos já há bastante tempo esses donativos. Quando nós chegámos aqui já recebíamos doações, por exemplo, do entreposto do “Dia” de Torres Novas [que continuamos a receber]. Mas também houve um aumento porque ao princípio só recebíamos os bens básicos e a partir de uma certa altura começámos a receber os frescos, que estavam a ir para outro banco. Resolvemos começar também a receber e as coisas começaram a aumentar. Só que é a tal coisa, tudo dependia do nosso esforço, porque as coisas chegam, nós não temos câmara frigorífica e temos de fazer sair de imediato. Portanto, entra, temos de pesar, temos de separar e temos de chamar as instituições e fazer a distribuição de imediato.
“Nós queríamos é que em dezembro de 2023 aparecessem aqui duas ou três listas para nos substituir”
Notaram esse maior apoio nos excedentes durante a pandemia? Foi um número que aumentou?
Muito, muito. Eu faço a minha análise, e principalmente até o que foi notado aqui foi um aumento dos produtos de marca. Eu acho que acabavam por ficar nas prateleiras, porque tinham um preço mais caro e acabaram por nos chegar aqui. E nós agradecemos e penso que as famílias foram beneficiadas por isso. Esperemos que também continuem a aparecer, de vez em quando. Não aquela quantidade exagerada, porque eu acho que era mau, era sinal que as coisas não estavam a entrar nos eixos, mas que continuem a chegar.
Em termos de campanha do cidadão, também aumentaram os números durante a pandemia ou após?
Tem diminuído um bocadinho, mas eu acho que de qualquer maneira, para toda esta conjuntura, está muito bom. E os portugueses continuam a ser muito solidários. Eu sei que a maior parte dos bancos teve um aumento a nível da última campanha. Nós aqui tivemos uma diferença para menos, mas eu acho que teve a ver com concelhos com problemas de Covid e que a nível de grupos não se realizaram algumas lojas nos períodos que é habitual realizar. Então, houve uma diminuição. Aqui também tivemos o Intermaché que esteve fechado e também não pudemos contar com aquele espaço. Mas de qualquer maneira, com os produtos ao preço a que estão atualmente, eu acho que foi mesmo muito bom. Só temos a agradecer a quem contribuiu e que dá um bocadinho daquilo que tem. Se toda a gente der, facilita. Nós sabemos, temos conhecimento que há pessoas que não concordam muito com a política do banco alimentar. Mas o que eu apelo é que essas pessoas, - às vezes falam por falar e não têm conhecimento, não acreditam naquilo que o banco está a fazer, - é passarem por aqui e estar aqui dois ou três dias ou uma semana. Aquele tempo que acharem por bem, e depois sim, se não gostarem que nos digam “olha façam desta maneira ou façam daquela”. Mas não nos critiquem só por criticar.
Falamos de um serviço de voluntariado que tem o apoio dos Escuteiros nas recolhas, mas e depois ao longo do ano? Precisam de mais voluntários?
Somos poucos. Aqui ao nível de armazém, são mais ou menos 17 pessoas com quem contamos no final do mês para realizar os cabazes. É sempre na última terça e quinta-feira do mês, portanto, são esses os voluntários com que podemos contar. Agora aqui no dia-a-dia, basicamente, somos nós da direção e mais três voluntários. Cinco que agora já estão a aparecer mais dois. Eu acho que a pouco e pouco vão começando a aparecer mais. Isto da pandemia também afastou um bocadinho os voluntários, com receios. Penso que a pouco e pouco isto vai voltar ao normal. De qualquer forma, nós precisamos, aliás, eu acho que a sociedade toda precisa de ser um bocadinho mais solidária, dar um bocadinho mais do seu tempo e ver que é gratificante fazer voluntariado.
Quem quiser ser voluntário o que é que tem de fazer, vir aqui bater à porta?
Vir aqui bater à porta. Nós estamos aqui às terças e quintas. Pelo menos, este é o horário que temos e é o horário que nós tentamos cumprir, embora noutros dias também acabemos por vir aqui. Mas é vir aqui, falar connosco e inclusivamente experimentar e se gostar, continuar, mas acho que tem de aparecer e experimentar.
Nas campanhas este número dispara ...
... sim, nós a nível do concelho de Abrantes temos tido a facilidade de contar com os escuteiros, porque nas lojas que não os temos, às vezes já é difícil. O grupo que era responsável por esta ou por aquela loja, já tem muita idade. Aliás, já têm todos muita idade e é preciso renovar estes voluntários que já não se encontram capazes para aguentar um dia inteiro ou duas horas, que seja, à porta do supermercado.
São várias centenas de voluntários nas campanhas?
Sim, a nível dos 11 concelhos e depois pela passagem aqui do armazém estamos a contabilizar tudo. Andará à volta de 700 ou 800 pessoas.
“não fizemos três campanhas e não nos faltou aqui alimentos, muito pelo contrário”
Para lá das recolhas com o transporte em permanência para o armazém?
Aqui contamos com a nossa Câmara Municipal a 100% e temos connosco sempre um carro ou dois para fazermos aqui os nossos supermercados. Depois, nos outros concelhos, temos contado também com as Câmaras que se põem ao dispor das instituições da localidade e que nos fazem chegar aqui os alimentos. Eles chegam, nós temos aqui uma mesa [no centro do armazém] onde vamos separando, arrumando, pesando. E aí contamos com o apoio de outros voluntários que vão aparecendo e que não têm nada a ver com a direção nem com aqueles que semanalmente estão connosco.
E como é ser voluntária? A Sílvia, quantas horas por dia, ou por semana, dedica a esta causa?
A Sílvia começou aqui em 2014, fazíamos a campanha, conseguíamos passar só aqueles dias que estavam estipulados. A partir do dia que nós começámos a abrir a porta para a entrada de mais alimentos, dos excedentes, começámos a aumentar as nossas presenças. Começámos a estar aqui às vezes de segunda a sexta e às vezes a sair daqui às 19 horas. Eu costumo dizer que eu, enquanto estive a trabalhar, fui voluntária e que agora estou a trabalhar. Eu estou convencida que se começar a diminuir a entrada de alimentos aqui, as coisas também vão funcionar de outra forma.
Nesta altura, se tivesse oportunidade de concretizar um desejo para o BA de Abrantes o que é que pedia?
Vai ser estranho o pedido. Esta direção está cá desde 2014. Não estamos cansados de fazer voluntariado. Aliás, nós queremos continuar a fazer voluntariado aqui e a ajudar. Nós queríamos é que em dezembro de 2023 [quando termina o mandato], aparecessem aqui duas ou três listas para nos substituir, para avançar com o banco, porque acho que todos nós depositámos aqui muito carinho e fizemos muita coisa com muita vontade e gostaríamos que alguém pegasse no banco da mesma forma que nós o fizemos. Essas listas, essas pessoas que quiserem vir, contarão sempre com a nossa colaboração lá em baixo no armazém. É aquilo que eu mais desejo, é que apareçam listas, é que apareçam voluntários com vontade de dar continuidade a este trabalho que vale a pena. Eu acho que só estando aqui presencialmente a lidar com tudo o que envolve o funcionamento do banco alimentar, é que se dá valor a este trabalho.