Sónia Bernardes, investigadora do Centro de Investigação e Intervenção Social (CIS-Iscte) e docente na Escola de Ciências Sociais e Humanas do Iscte-Instituto Universitário de Lisboa, foi nomeada para integrar um grupo de trabalho da Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP), que designou 2024 como o Ano Global sobre Disparidades Sexuais e de Género na Dor.
O Ano Global da Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) centra-se num aspeto particular da dor para aumentar a sensibilização não só junto da comunidade que investiga e intervém na dor, mas também de forma mais ampla. O Ano Global 2024 examinará a evidência sobre as diferenças de sexo e género na perceção e modulação da dor e abordará as disparidades relacionadas com o sexo e o género, tanto na investigação como no tratamento da dor. Sónia Bernardes foi convidada pela presidência da IASP para integrar o grupo de trabalho dedicado a trabalhar estas questões em 2024, abordando as potenciais disparidades ao nível da investigação, mas também do tratamento da dor.
De acordo com a investigadora do CIS-Iscte, “diversos estudos têm mostrado como o sexo e género têm um papel fundamental na perceção e modulação da dor”. A investigadora acrescenta que “tanto os fatores biológicos associados ao sexo como os fatores psicológicos e sociais associados ao género contribuem para explicar porque é que, de uma forma geral, as mulheres vivem mais frequentemente com dores crónicas generalizadas e incapacitantes”. Ainda de acordo com a investigadora, a integração deste conhecimento no desenvolvimento de novos programas de intervenção é fundamental para a promoção da qualidade de vida de milhares de pessoas que vivem com dor crónica.
Sónia Bernardes tem investigado diversos aspetos da dor crónica ao longo da sua carreira académica e científica. Recentemente, integrou uma equipa de investigação internacional que explorou o estigma que existe sobre pessoas com dor crónica. Os resultados deste estudo publicado em 2023 sugerem que as respostas cognitivas, afetivas e comportamentais da população em geral em relação às pessoas com dor crónica parecem depender do tipo de dor, se esta é associada a algum problema de saúde visível, mas também de outros fatores, como o sexo da pessoa com dor. Especificamente, o estigma público foi maior para com pessoas com dor crónica que não está associada a uma outra doença ou lesão subjacente em comparação com pessoas cuja dor estava associada a uma outra doença ou lesão. Apesar de evidência prévia de maior estigmatização de mulheres com dor crónica, no estudo apenas homens sem dor crónica esperavam mais estigma público em relação às mulheres com dor crónica do que os homens com dor crónica, padrão que não se observou no grupo de participantes com dor crónica. Para a investigadora, “estes dados indicam uma necessidade de considerar múltiplos fatores quando se examina o estigma público em relação à dor crónica, uma vez que podem ter efeitos complexos e interligados nas experiências e no bem-estar dos indivíduos.”. Outros fatores sociais, como o país de origem, também poderão influenciar as crenças relacionadas com a dor, e até respostas de adaptação e funcionamento entre indivíduos com dor crónica, demonstrando a importância da sua compreensão.
“Parte da investigação realizada com pessoas que sofrem de dor crónica pretende também informar as práticas em contextos de saúde”, afirma Sónia Bernardes. Por exemplo, um estudo realizado no CIS-Iscteexaminou como a interação com cuidadores e cuidadoras pode ajudar pessoas mais velhas a viver com dor crónica. Mas outros tipos de apoio têm sido também explorados na sua investigação. Num estudo em colaboração com investigadoras da Universidade de Otava (Canadá), explorou-se o suporte social, nomeadamente o papel da amizade no ajustamento à dor crónica, um tópico raramente investigado. A análise das experiências dos participantes revelou dois temas. O primeiro tema captou a forma como os amigos podem ajudar ou dificultar a vivência com a dor crónica, estando disponíveis e prestando o apoio necessário, ou não aceitando e não se acomodando para apoiar o envolvimento na vida da pessoa com dor crónica. O segundo tema captou o efeito negativo da dor crónica nas atitudes e comportamentos de ambas as partes relativamente à relação, levando a que as redes de amizade se tornem mais pequenas e homogéneas. Sónia Bernardes, primeira autora deste estudo conclui que “parece ser relevante incluir amigos adultos nas intervenções com pacientes para reduzir o efeito negativo da dor crónica nas amizades e na vida diária, aproveitando o seu poder para promover o ajustamento à dor crónica”.
A comunidade da saúde tem reconhecido os contributos da investigação para o estudo da dor. Em 2023, o trabalho da estudante de Doutoramento em Psicologia do Iscte, Inês Oliveira, orientada pelas investigadoras do CIS-Iscte Sónia Bernardes e Margarida Garrido, foi galardoado pelo Hospital Garcia de Orta com o Prémio Garcia de Orta 2023, e pela Fundação Grünenthal com o Prémio Grünenthal Dor 2022. Nesse estudo, foram identificados perfis de competências acerca da experiência auto-relatada da capacidade de sentir, interpretar e autorregular as sensações internas, em indivíduos com dor crónica musculoesquelética. Os dados do estudo permitem não só refinar modelos teóricos da dor, ao explicitar interações corpo-mente, mas também contribuem para o desenvolvimento de intervenções personalizadas, melhorando o ajustamento à dor crónica e a qualidade de vida de pessoas com este tipo de dor.
“Considerar diferentes fatores psicossociais envolvidos na dor crónica é essencial para o avanço da investigação nesta área, de forma a desenvolver intervenções de alta qualidade e baseadas em evidência.”, afirma Sónia Bernardes. “Ao considerar o sexo e o género na dor crónica, estou certa de que o grupo de trabalho da IASP para o Ano Global 2024 poderá informar a investigação e intervenções futuras”, conclui.
Comunicação de Ciência (CIS-Iscte)