O Parlamento Europeu (PE) aprovou na quinta-feira uma recomendação de inclusão do aborto na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (UE), mas dificilmente tal acontecerá por falta de unanimidade entre os Estados-membros.
A aprovação da recomendação com 336 votos favoráveis, 163 contra e 39 abstenções, é por si só histórica, mas insuficiente para incluir todos os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres na Carta dos Direitos Fundamentais da UE. Para isso, é preciso haver unanimidade entre os 27 países do bloco comunitário, que está longe de existir.
Eis alguns pontos essenciais sobre a posição de diferentes países-membros sobre a questão:
França na vanguarda
O Governo de Emmanuel Macron foi o primeiro entre os 27 Estados-membros a considerar a interrupção voluntária da gravidez um direito constitucional, em 04 de março de 2024.
O aborto foi descriminalizado em 1975, mas o Presidente Macron quis inscrever este direito na Constituição depois de em 2022 o Supremo Tribunal dos Estados Unidos, com uma maioria conservadora, ter revertido uma interpretação jurídica de 1973 ("Roe vs. Wade") que assegurava a qualquer mulher o direito à liberdade individual, incluindo a realização de um aborto.
"Não vou descansar" até este ser um direito concedido a todas as mulheres, disse Macron no dia 08 de março deste ano.
Há países da UE que ainda restringem o acesso ao aborto
Malta é de longe o exemplo de maior restrição entre os Estados-membros. Até 2023, era ilegal a realização de um aborto em qualquer circunstância, mas nesse ano foi aberta uma exceção para gravidezes que coloquem em risco a vida da mulher. A presidente do PE, Roberta Metsola, eleita por Malta, tem opiniões conservadoras em relação ao acesso ao aborto.
Na Polónia, desde 2020, a interrupção voluntária da gravidez só pode ser realizada se a saúde da pessoa grávida estiver em risco, mas na sexta-feira os legisladores polacos votaram a favor de continuar a trabalhar para levantar a proibição do aborto, uma questão altamente controversa no país tradicionalmente católico, que tem uma das leis mais restritivas da Europa.
O mesmo sucede na Hungria, onde o aborto só é permitido em caso de violação, risco de saúde para a pessoa grávida ou complicações que têm de ser validadas por médicos.
Nos restantes países da União Europeia o aborto foi descriminalizado e o período oscila entre o limite de dez a 12 semanas (na maioria dos países) e os três meses.
E em Portugal?
Em Portugal a interrupção voluntária da gravidez foi despenalizada em 2007 e o enquadramento legal prevê que possa ser feito até às dez semanas e seis dias (apesar de haver esforços de associações para fazer com que o país acompanhe as recomendações internacionais e aumente para as 12 semanas).
Hoje o primeiro-ministro e presidente do PSD, Luís Montenegro, disse ser contra a consagração do aborto como direito fundamental, como recomendou o PE, por causar um “desequilíbrio jurídico” ao prevalecer apenas o direito à autodeterminação da mulher.
“A consagração como direito fundamental do direito à interrupção voluntária da gravidez traz um desequilíbrio no ordenamento jurídico, porque significa que dos dois direitos que estavam em conflito [direito à autodeterminação da mulher e o direito à proteção da vida do nascituro], no fim, vai prevalecer integralmente apenas um, o que significa o desaparecimento do outro", referiu o primeiro-ministro.
A posição do atual chefe de Governo é oposta à do seu antecessor, o socialista António Costa que em junho de 2022 disse estar "dececionado" com a decisão do Supremo Tribunal dos Estados Unidos: "Sempre defendi que não se podem criminalizar questões da consciência política, religiosa e ética. São direitos das mulheres, que todos os Estados devem respeitar.
Acesso desigual
De acordo com a organização não-governamental Centro para os Direitos Reprodutivos, 11 países na Europa discriminam mulheres homossexuais e solteiras no acesso ao aborto e 16 países não providenciam qualquer acesso a cuidados de saúde para interromper a gravidez para mulheres sem documentação.
No entanto, 95% das mulheres no 'Velho Continente' têm acesso ao aborto se assim o desejarem, mas de acordo com a organização "persistem obstáculos" à sua realização.
Lusa