O músico, compositor e cantor angolano Bonga afirmou hoje, em Luanda, que o seu regresso a Angola, após muitos anos exilado, só foi possível por causa "não de uma mudança de regime, mas de personalidade".
Em declarações à agência Lusa em Luanda, onde se encontra há quatro dias para dois espetáculos na Casa da Música, na capital angolana, Barceló de Carvalho "Bonga" indicou ter regressado a Angola "com um pé à frente e outro atrás", garantindo que teve razão quando decidiu manter-se fora do país durante os anos do regime do Presidente José Eduardo dos Santos.
"Cheguei a Angola com um pé à frente e outro atrás. Na 'retanguera', que é como quem diz: 'cuidado que não dá, ainda não dá'. Não deu e eu tive razão para fazer um recuo para melhor avançar", sublinhou o cantor à Lusa, à margem do lançamento do livro "Bonga - Marcas na Oralidade Angolana", de Filomeno Pascoal, editado pela www.AUTORES.Club.
"Estamos a ver as provas de tudo isso, com as mudanças que se estão a verificar. É normal que já esteja a sentir, inclusive, esta mudança, não é? Esta vivência e estes contactos. As portas e as janelas estão a abrir-se para se respirar melhor. Mas não diria mudança de regime, diria de personalidade, e personalidade mais em conformidade com a satisfação daquilo que Angola necessita", sublinhou.
Quase "apagado" da história oficial contemporânea de Angola, Bonga optou por se afastar do país depois de as críticas feitas ao regime angolano de Eduardo dos Santos terem sido interpretadas como interferências na realidade política do país.
Por seu lado, o autor do livro, Filomeno Pascoal, 34 anos, antigo jornalista e atualmente professor universitário, desdramatizou o regresso de Bonga a Angola e defendeu que o cantor e compositor "existe, sempre existiu, e a qualquer momento, com uma ou outra pessoa, voltaria à sua terra natal da mesma forma como saiu: bem".
Para Filomeno Pascoal, em Angola mudou o contexto político, mas os angolanos sempre se lembraram dos nomes que fazem parte da história, como, por exemplo, Waldemar Bastos (músico e compositor) ou Viriato da Cruz (nacionalista, político e poeta), recentemente "reabilitados" pelo Ministério da Cultura, que lhes atribuiu o Prémio Nacional da Cultura e Artes.
"Bonga, como tantos outros, como Waldemar Bastos ou Viriato da Cruz, sempre existiram. Com maior ou menor dificuldade, falávamos dele. Se é uma reabilitação, surge em bom momento. Mas é um novo momento, as pessoas mudam, o contexto muda, e cada um de nós tem a sua forma de gerir a situação", acrescentou.
Sobre Bonga, o autor do livro elege a palavra "irreverência", considerando-o "aquele cantor que fala dos aspetos sociopolíticos angolanos com intensidade".
"Mesmo distante, vive a realidade angolana, fala de política, de mulher, de cultura, e Bonga traz em nós aquilo que, de facto, são os aspetos culturais de Angola", disse Filomeno Pascoal.
Bonga, por seu lado, reconheceu que, no livro, está "retratada e imortalizada" uma grande parte da sua história e da sua vida, considerando "um bom amigo" o autor.
José Adelino Barceló de Carvalho, de seu nome de registo, 76 anos, adotou na adolescência o nome de Bonga Kuenda, que apontou como o seu "verdadeiro eu".
A sua estreia musical, em 1972, foi com o álbum "Angola'72", ao qual se sucederam vários outros e, como disse à Lusa, continua "a ser muito solicitado", nomeadamente em França, país que o distinguiu com a Ordem das Artes e Letras, grau de cavaleiro, em 2014.