António Variações vai ser a personagem central de um colóquio na Universidade de Coimbra, onde se vai dissecar as letras, música e legado do artista, que permite também uma leitura da transição da ditadura para o Portugal europeu.
Falar da obra de António Variações não se resume a abordar a música do artista que lançou dois álbuns e, por isso mesmo, o colóquio que se realiza na quinta e sexta-feira em Coimbra, intitulado "Variações sobre António", vai procurar dissecar o universo de um artista que obriga à confluência de diferentes disciplinas no mesmo evento, explanou à agência Lusa o responsável pela organização, Osvaldo Silvestre, docente da Faculdade de Letras e confesso fã do músico.
Na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC), vai caber um pouco de tudo - da semiótica à sexualidade, passando pela imagem ou pela transição do país entre o Estado Novo e adesão à Europa -, num programa que vai ainda contar com performances e um concerto com músicos de Coimbra em que participa o irmão de António Variações, Luiz Ribeiro.
Nas comunicações a serem apresentadas no colóquio, há uma "cartografia musical" de Variações, uma análise semiótica da obra, uma abordagem sobre o legado de "um precursor de um pop-erudito" e da modernização da tradição. São também abordados os vídeos musicais, as variações identitárias da cultura portuguesa contemporânea, uma comparação entre Variações e Bowie, a construção da personagem e a identidade da ‘persona queer' do artista.
"Ocorreu-me fazer o colóquio para ver como a universidade respondia a este desafio" de discutir Variações, sublinhou Osvaldo Silvestre.
No entanto, sendo a figura em questão António Variações, "um colóquio não seria suficiente" e a organização optou por criar um programa paralelo, com abertura de concurso para propostas de performances em torno do artista.
"Um aspeto estimulante da personagem é que o Variações permite ler o Portugal dos anos 1980 e a transição do Estado Novo para o Portugal da Europa. Apesar de morrer antes de Portugal entrar na Europa, num certo sentido, Variações já estava na Europa", realçou o docente da FLUC, considerando que, para além dessa transição, há também uma criação artística que mistura "um apelo muito popular" com o pop-rock, que eclodia nessa época em Portugal.
Variações "permite ler muitas coisas sobre a sociedade e a cultura portuguesas", constatou, considerando que o artista, apesar de deixar muita gente "de boca aberta" quando o via na televisão, acabava por ter um "grande apelo para pessoas muito diferentes".
"Havia essa estranheza da diferença, mas chegava a pessoas" de diferentes contextos, sublinhou Osvaldo Silvestre, apontando para o exemplo dos seus próprios pais, que também gostavam de Variações.
O colóquio também pretende fazer algo "pouco comum" em Portugal: trazer os artistas para a academia.
"A obra de Variações pode ser objeto de trabalho académico. Lá fora isso é muito comum", frisou, referindo que em 2018 vai ser editado um livro que vai reunir as melhores comunicações do colóquio.
Para além das comunicações, no dia 07 de dezembro, haverá oito performances, a decorrer ao fim da tarde e à noite, na Sala do Carvão e na Casa das Artes.
O segundo e último dia termina com o concerto "Sempre Além: Um Espetáculo em Torno de Variações", no Teatro Académico de Gil Vicente, em que participam vários artistas de Coimbra como Pedro Chau (The Parkinsons e Ghost Hunt), Victor Torpedo (The Parkinsons e Tédio Boys) ou Carlos Mendes (Tédio Boys e Bunnyranch), assim como Luiz Ribeiro.
O colóquio e as performances têm entrada gratuita. O bilhete para o concerto custa dez euros.
António Variações nasceu em 1944 numa pequena aldeia do concelho de Amares, no distrito de Braga, tendo passado por Lisboa, Angola (onde cumpriu serviço militar), Amesterdão e Londres.
Um ano depois da estreia em 1982 com o ‘single’ "Povo que lavas no rio/Estou além", lançou o seu primeiro LP, "Anjo da Guarda", e, em 1984, lançaria o seu segundo e último álbum "Dar & Receber".
Variações viria a falecer em junho desse ano.