“Entretenimento?”, um disco com mais perguntas do que respostas, onde Carlão reencontra amigos e mistura os estilos dos vários projetos de uma carreira com mais de 25 anos, é editado hoje.
No novo trabalho, o segundo a solo, Carlão quis ter “algo que aglutinasse” os doze temas que o compõem, “apesar de não ser um disco conceptual”, disse em entrevista à Lusa.
“Essa ideia do que é que é entretenimento, e o que não é, estava muito presente enquanto fazia o disco, como de resto quase desde que comecei a viver da música, é uma questão que me assola muito: o que é entretenimento e o que não é? O que é arte e o que não é? Eu estou neste jogo do entretenimento também – qual é o meu papel nisso todo?”, questionou.
E foi isso que fez com que o título do disco ganhasse um ponto de interrogação.
Neste “jogo do entretenimento”, no qual entrou há 25 anos, Carlão sempre abordou temas ditos mais sérios.
“É entretenimento quando falo num tema de uma coisa como é a depressão [na letra de ‘Brilha’]?”, questiona, respondendo em seguida: “porque hoje em dia parece que tudo é”.
“O Trump é entretenimento? [questão que coloca no tema ‘Entretenimento’]. É completamente, mas é um entretenimento que decide o destino de milhões de pessoas. Chegámos a um ponto em que quase tudo é – a vida das pessoas é, 24 [horas por dia] por sete [dias por semana]. A questão é essa”, referiu.
No meio de todas estas questões, Carlão considera que a música que faz “pode ser ou não ser”, até porque há mais uma pergunta por fazer: “O entretenimento é uma coisa menor?”.
“Acabo por fazer mais perguntas do que dar respostas”, admitiu. E assim tem sido sempre. “Faço as coisas, mas estou constantemente a questioná-las e acho que isso é importante no processo criativo”, disse.
Em 1993 fundou, com o irmão João Nobre, os Da Weasel, que terminaram em 2010 e no qual era Pacman. Depois fez parte dos 5:30 e de Os Dias de Raiva, bandas com uma sonoridade mais pesada, e criou o projeto Algodão, de ‘spoken word’, do qual editou dois discos. Em 2015 chegou “Quarenta”, o primeiro trabalho assinado como Carlão, o nome que sempre lhe chamaram.
Vinte cinco anos depois, o Pacman “está todo” em Carlão, “o Carlão é que não estava todo nos Da Weasel”.
Em nome próprio, Carlos Nobre vai “mais a fundo” nas histórias que cria, nas experiências que viveu e incorpora um pouco de cada uma das bandas e projetos em que esteve envolvido.
“Bebe um copo”, tema do novo disco que gravou com António Zambujo, “teria sido impossível fazer se não tivesse feito o Algodão há uns anos”.
“As peças todas de todos estes anos a fazer músicas, com muitas pessoas diferentes, vão encaixando no disco”, referiu.
Além disso, Carlão tem uma forma de rimar que, “à partida pode ser vista como um ‘handicap’”, mas permite que consiga “adaptar os textos, a forma de os dizer, a quase qualquer base”.
“Pode ser só uma voz e guitarra, pode ser só um piano, pode ser um instrumental muito ‘busy’, pode ser rock, pode ser hip-hop, pode ser quase tudo. Eu gosto dessa liberdade e tento dar-lhe uso”, afirmou.
Mas até pode ser um tema “muito difícil de rotular”, como “Cerejas, só isso”, que gravou para este disco com Manel Cruz.
“Nem sei bem o que é, é uma cena meio pop, mas um pop muito especial. É uma canção do Manel, com aqueles elementos todos muito diferentes e a própria estrutura da música não é a convencional. E eu gosto disso”, disse.
Entre os convidados do disco, além de Manel Cruz, com quem já tinha gravado nos Da Weasel, e de António Zambujo, com quem “havia vontade de fazer algo há muito tempo”, está também Slow J, sobre quem já se disse ser parecido com o Carlão. Até fisicamente, se recuarmos vinte anos.
“Muita gente diz isso [que somos parecidos]. Mas o ‘eu antigo’ [uma referência à letra de “Repetido”, tema que junta os dois no disco] é diferente, porque ele toca, compõe, canta, é uma pessoa muito completa. É uma comparação que não é muito justa para ele, mas eu percebo”, contou, lembrando que Slow J “sempre gostou muito de Da Weasel, é uma referência importante para ele”.
As semelhanças estão no facto de virem ambos “de uma escola de rock, de tocar com bandas” e na “paixão pelo hip-hop”.
Pontos comuns que Carlão partilha também com o irmão, com quem voltou a trabalhar neste disco como nos tempos dos Da Weasel.
“Depois de Da Weasel ele tinha feito dois temas para um disco de Algodão, mas este [“#Demasia”] é diferente porque tanto a música que ele fez para aqui como a minha voz e letra somos mais nós”, recordou.
Em “Entretenimento?”, uma edição de autor e cuja capa ficou a cargo do artista Miguel Januário, participam também Bruno Ribeiro, Nelson Correia e Edi Ventura (nas vozes). Entre os produtores do disco estão Branko, Pedro, Boss AC, Dotorado Pro e Moullinex.
O concerto de apresentação do disco está marcado para 29 de setembro, no Teatro Municipal Joaquim Benite, em Almada, cidade que trocou há uns anos por Lisboa, mas onde tem há dois anos “a base”, onde ensaia, compõe e grava.
“Apesar de viver em Lisboa, acabo por estar lá mais. É casa e esse regresso fez muito bem e contaminou também um bocado a minha música. O 'Viver para sempre' [outro tema do disco] é o estar com a malta da rua”, disse.
Antes disso, Carlão atua no festival Iminente, no Panorâmico de Monsanto, em Lisboa, no dia 23 de setembro.