A Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (DECO) congratulou-se hoje com o facto de a proposta de lei do Governo incluir a devolução de bilhetes no caso do adiamento de festivais, mas alerta para outras questões.
A proposta de lei do Governo, que deu hoje entrada no parlamento, relativa ao reagendamento ou cancelamento de espetáculos não realizados entre os dias 28 de fevereiro de 2020 e 30 de setembro de 2020, prevê que quem comprou bilhete para eventos dentro daquele período poderá pedir o reembolso a partir de 01 de janeiro de 2022.
Anteriormente, estava apenas prevista a possibilidade de reembolso no caso de cancelamentos e nunca no caso de adiamentos dos espetáculos.
A DECO “congratula-se” com esta alteração: “A maior preocupação que a DECO tinha, de não haver reembolso para os consumidores, fica acautelada”, afirmou o jurista Paulo Fonseca, daquela associação, em declarações à Lusa, salientando que a “impossibilidade de reembolso era inaceitável e violadora dos direitos”.
Os consumidores devem fazer a troca do bilhete por um vale “de igual valor ao preço pago”, válido até 31 de dezembro de 2021, e esse vale pode ser utilizado na “aquisição de bilhetes de ingresso para o mesmo espetáculo a realizar em nova data ou para outros eventos realizados pelo mesmo promotor”.
“Caso o vale não seja utilizado até ao dia 31 de dezembro de 2021, o portador tem direito ao reembolso do valor do mesmo, a solicitar no prazo de 14 dias úteis”, lê-se no documento.
Embora se congratule com a alteração, para a DECO, “a solução apresentada não é, efetivamente, a melhor solução que se esperaria”.
“Numa regra normal, um consumidor quando tem a situação de cancelamento de um festival adquire automaticamente o direito ao reembolso”, recordou Paulo Fonseca.
Neste caso, reiterou, “atribui-se uma moratória, até bastante larga, mas tem pelo menos o lado positivo que o consumidor não vai perder o direito ao reembolso”.
“Ou seja, não tem que se sujeitar a utilizar este vale num outro festival semelhante, que possa não ter interesse sequer em assistir. Nesse sentido, para nós é importante que o consumidor, caso o queira, possa efetivamente utilizar o vale, mas se não pretender utilizá-lo não perde o direito ao reembolso”, disse.
Mas a proposta do Governo levanta questões que a DECO “não pode deixar esquecer”.
“Fazendo um paralelo com o diploma das viagens, este esqueceu situações de desemprego”, afirmou.
Paulo Fonseca recordou que a legislação aprovada recentemente relativa ao cancelamento de viagens devido à pandemia da covid-19 “excecionou as situações em que os consumidores estão numa situação de desemprego e, como tal, com uma diminuição drástica dos seus rendimentos”. Nesses casos, os consumidores “não têm que ser sujeitos a receber o vale e podem solicitar o reembolso do valor do bilhete”.
“Era importante que esta solução também estivesse presente neste diploma. Esperamos que esta situação seja acautelada no período de discussão na Assembleia da República”, afirmou.
Além disso, o jurista considera que “é importante reforçar o dever de informação, da forma como será feito este reembolso”.
“Recordo que, no diploma das viagens, a diferença é que o consumidor poderia solicitar o reembolso e as agências de viagens é que tinham o dever se reembolsar o consumidor no prazo de 14 dias. Colocando a tónica no solicitar, parece que é o consumidor que tem um prazo para pedir o reembolso e que se passar esse prazo deixa de ter direito ao reembolso e que os promotores não têm um prazo para proceder ao reembolso. Esta situação também nos preocupa”, disse.
Segundo a proposta de lei que deu hoje entrada no parlamento, os festivais de música e espetáculos “de natureza análoga”, marcados até 30 de setembro, só serão permitidos com lugares marcados e regras de distanciamento.
De acordo com o documento, que será discutido no próximo dia 14, “até 30 de setembro, os espetáculos podem acontecer em recinto coberto ou ao ar livre, com lugar marcado e no respeito pela lotação especificamente definida pela Direção-Geral da Saúde em função das regras de distanciamento físico que sejam adequadas face à evolução da pandemia da doença COVID-19”.
A proposta é aplicável ao reagendamento ou cancelamento de espetáculos não realizados entre os dias 28 de fevereiro de 2020 e 30 de setembro de 2020.
É ainda feito o alerta de que a proibição da realização de “festivais e espetáculos de natureza análoga” pode ser prolongada para depois de 30 de setembro, “com fundamento em recomendação da Direção-Geral da Saúde”.
Na proposta de lei é defendida ainda, no âmbito do processo legislativo, a audição da Associação de Promotores Espetáculos (APEFE), da Associação Portuguesa dos Festivais da Música (APORFEST) e do Conselho Nacional de Consumo.
Ainda antes da decisão do Governo, já o Rock in Rio Lisboa, agendado para junho, o Boom Festival, que deveria acontecer em Idanha-a-Nova entre 28 de julho e 04 de agosto, e o Festival de Músicas do Mundo, marcado para o final de julho em Sines, entre outros, tinham anunciado o cancelamento das edições deste ano, comprometendo-se a regressar em 2021.
Dos considerados grandes festivais de verão em Portugal, apenas o Primavera Sound (Porto) tinha decidido que iria realizar-se ainda este ano, passando de junho para o início de setembro. No entanto, com a decisão hoje anunciada, tal não será possível.
O calendário da proibição do Governo abrange, entre muitos outros, o CoolJazz (01 a 31 de julho, em Cascais), o Alive (agendado para entre 08 e 11 de julho, em Oeiras), o Super Bock Super Rock (16 e 18 de julho, em Sesimbra), o Marés Vivas (entre 17 e 19 de julho, em Vila Nova de Gaia), o Sudoeste (entre 04 e 08 de agosto, em Odemira), o Bons Sons (de 13 a 16 de agosto, em Tomar), o Paredes de Coura (entre 19 e 22 de agosto, naquela localidade minhota), o Vilar de Mouros (entre 27 e 29 de agosto, na vila que lhe dá nome) e o Festival F (03 a 05 de setembro, em Faro).
Lusa