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Julinho da Concertina lança álbum em torno de um funaná "que está a desaparecer"

29/12/2017 às 00:00

A editora Celeste Mariposa lança em janeiro o álbum "Diabo Tocador", de Julinho da Concertina, de 64 anos, mestre da gaita a viver na Amadora e símbolo de um funaná "que está a desaparecer".

O álbum, cujo concerto de lançamento está marcado para 20 de janeiro, na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, surgiu depois de a editora - focada na música dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) - decidir gravar música de Cabo Verde, após ter lançado o angolano Chalo Correia, disse à agência Lusa o responsável da Celeste Mariposa, Wilson Vilares.

"Queríamos o melhor e apaixonámo-nos pela arte e pelo mestre", frisou.

Julinho da Concertina, que acompanhou Cesária Évora na primeira fase da sua carreira, nasceu na ilha de Santiago, em Cabo Verde, e, aos dez anos, já simulava uma gaita (conhecida em Portugal como concertina) com umas barbas de milho e um papel, conta Wilson Vilares.

Aos quinze anos tem a sua primeira concertina, na troca "por uma vaca". Segue-se uma carreira como músico, colaborando com Cesária Évora, Paulino Vieira e Pedrinho. Em Lisboa, trabalha numa mina, numa fábrica de conservas e edita um álbum do qual não recebeu "dinheiro nenhum" e, já na reforma, dedica-se à agricultura na sua horta, na Amadora, sem nunca parar de tocar gaita e de ensinar aos mais novos a arte daquele instrumento tão característico do funaná.

Hoje, Julinho da Concertina é dos últimos "mestres" cabo-verdianos vivos em Portugal que ainda toca o funaná tradicional, assente na gaita e no ferro (pedaço de metal tocado com uma faca), ao invés dos ‘loops' da concertina, de uma maior presença de teclas e de uma aparência "mais limpa e ocidentalizada" que marca hoje este estilo, explica Wilson Vilares.

O álbum de Julinho da Concertina chama-se "Diabo Tocador" e o nome está relacionado com o próprio contexto cultural, político e social em que o funaná surgiu, em Cabo Verde.

De acordo com o responsável da Celeste Mariposa, nos anos 1960 e 70, à boleia do grogue (bebida alcoólica), havia "muitas mortes" associadas ao funaná - "música de boémios" -, em que um tocador de ferro tratava de desavenças na aldeia, durante o baile, com a faca com que tocava.

"Passados cinco minutos de estar a tocar, a faca estava muito quente e afiada. Aproveitava o momento para a espetar em alguém com quem tinha problemas, que nem se apercebia porque a faca estava muito quente. Só passado um bocado é que caía e entretanto a faca já tinha sido limpa novamente no ferro", refere.

O funaná passou a ser apelidado de "música do diabo" e, sublinha Wilson Vilares, teve a atenção do próprio regime ditatorial português, que decidiu proibir este género de música em Cabo Verde.

À conta disso, Julinho levava puxões de orelhas do padre da sua aldeia e tinha de se esconder e "ir para o monte para tocar gaita".

Para Wilson Vilares, o álbum que agora é editado "é um álbum de raiz”.

“Como o Julinho, não há muitos tocadores de gaita, a maioria estão mortos", salientou.

Apesar de uma gravação acústica e o "mais crua possível" - com todos os instrumentos gravados ao mesmo tempo -, na produção do álbum foram deixadas influências de ‘drum and bass' e ‘breakbeat' para "dar uma cara nova ao estilo musical", referiu.

O trabalho assume-se quase como um trabalho de etnografia - de registo de um estilo específico de funaná que vai desaparecendo.

"Quando o Julinho morrer, não vai haver mais ninguém que toca gaita daquela maneira. Os discos que tenho dos grandes tocadores nota-se que não vivem tanto em 'loops'. O Julinho sola com a gaita, mete a gaita a chorar, à antiga", frisa Wilson Vilares.

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