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Entrevista Antena Livre / Jornal de Abrantes: “Não tenho qualquer suspeita de abuso sexual (...) se tivesse denunciava.” (c/áudio)

8/12/2022 às 13:01

Nasceu a 15 de dezembro de 1963, entrou no seminário aos 10 anos e foi ordenado a 26 de novembro de 1989. É o pároco das Paróquias de São Vicente e São João, concelho e Arciprestado de Abrantes, membro do Colégio dos Consultores e do Conselho Presbiteral, diretor do Seminário de Alcains, ecónomo Diocesano, ecónomo do Seminário Diocesano e Capelão do Hospital de Abrantes.

O padre António Castanheira tomou posse como pároco São Vicente e São João Batista em Abrantes no dia 15 de outubro 2021, paróquias nas quais exercia como administrador paroquial desde 15 de outubro de 2019.

Numa conversa em torno das paróquias fala da sua chegada no meio de um turbilhão entre o antecessor e a Diocese, fala dos abusos sexuais na Igreja, sobre a pobreza em Abrantes e, naturalmente, sobre as Jornadas Mundiais da Juventude.

Entrevista por Jerónimo Belo Jorge

 

Começamos pela época em que estamos. Como é que se vive hoje o Advento do Natal?

O Advento é este espaço que a liturgia da Igreja nos proporciona de nos refocarmos naquilo que é essencial na nossa vida. E para os que têm a Fé que Jesus é o Salvador recentrar nesse grande mistério que é a sua reencarnação, que é a sua fraternidade para connosco. Em cada ano temos esta oportunidade que nos é dada para nos focarmos no sentido da nossa vida, de forma humana e espiritual, agarrando os grandes valores humanos e do Divino.

Temos muitas imagens no festejo do Natal. Temos, no âmbito na Igreja, a coroa de Natal e o presépio ou a sociedade mais consumista está a substituir esses valores?

A sociedade tem sempre elementos inovadores que no seu percurso têm desvios. O presépio, com origens em S. Francisco de Assis, pela simplicidade de colocar junto do Jesus a realidade humana expressa em figuras mais típicas, do pastor, a lavadeira, dos reis que o visitam. Mas é a centralidade de Jesus Cristo. As pessoas foram desligando, nalguns casos, de exercitar esta dimensão do sobrenatural e do espiritual. Tem havido uma grande preocupação da Igreja para que isso não desapareça e o Papa Francisco fez essa evocação há dois anos. A coroa do Advento, pela proximidade do olhar...

... não é meramente um elemento decorativo?

Essa pode ser uma tentação desviante. Nas Igrejas colocam-se em sítios inapropriados. A coroa do Advento é uma ajuda, não é o centro. E mesmo o pinheiro de Natal que tem o sentido dos outros, da generosidade, das ofertas agora passou para as praças públicas e para grandes eventos. Mas é sempre os valores criados no seio da Igreja que depois tomam outros caminhos quase descaracterizando-se como elemento de Fé, do Divino.

A Igreja em Abrantes tem no seio do Centro Social Interparoquial um conjunto de valências: idosos, crianças, apoio domiciliário, toxicodependentes... Ser administrador dessas instituições é quase como “gerir uma empresa”?

A dimensão é muito empresarial pela sua largueza, pela dimensão das valências, pela quantidade dos seus trabalhadores, que são de facto muito. Requer uma exigência muito grande. É governado por uma direção de 5 elementos, cada um com a sua missão, não é uma instituição governada por mim. Tenho este cuidado que há de ser governado de comum acordo e torna-se mais leve porque é governada por uma direção. Mesmo os diretores técnicos, cada um sabe o que tem de fazer.

Quantas pessoas e que orçamento tem Centro?

As valências são 8, quase 9, porque vai abrir brevemente a unidade de cuidados continuados. Tem uma dimensão de 115 funcionários e tem uma folha salarial mensal é de cerca dos 75 a 80 mil euros. Depois acresce ainda os prestadores de serviços, nomeadamente médicos e técnicos.

Assusta-o a escalada de preços e o aumento de despesa?

Não me assusta, preocupa-me muito. Não sou uma pessoa que se assuste, mas estou muito preocupado com a escalada de preços. E vamos ter alteração do salário mínimo de 705 para 765 euros. É um aumento que não é muito para as pessoas, mas depois os rendimentos, quer da Segurança Social, quer dos utentes, que o Centro tem cria aqui um equilíbrio tão equilibrado que à mínima “constipação” na instituição põe em causa a sustentabilidade de toda a estrutura. Neste nosso caso toda a direção é gratuita.

Conheço outros colegas de outras instituições que vivem apavorados, se a instituição não tiver um bom pé-de-meia torna-se tudo muito mais complexo.

 

"... o pinheiro de Natal que tem o sentido da generosidade agora passou para as praças públicas e para grandes eventos"

 

Há pobreza em Abrantes? Ou melhor, há muita pobreza em Abrantes?

A minha perceção, de quem está aqui a viver há 3 anos, temos a pobreza que nos bate à porta, a que olhamos e a que olhamos e não nos bate à porta. Temos as pessoas que nos batem à porta, principalmente no lar, e que não têm condição de ter a dignidade nestas fases da sua vida. E não podemos receber todas as pessoas que nos batem à porta e mesmo a Segurança Social não tem resposta para todos esses casos. A outra pobreza é das pessoas que vivem nas suas casas e, neste caso, chegam através da Cáritas que procura ajudar como pode e com o que tem. Para espanto o meu não tem chegado uma avalanche de gente como se calhar se pensaria. A Cáritas é que é a expressão da Igreja na caridade.

Há outra pobreza que se vê e que não tem expressão nestes pontos, que são os vícios. Sejam o alcoolismo, drogas e outros vícios que são igualmente empobrecimentos. Dou-lhe um exemplo. Na casa da Paróquia de S. João vivem dois homens, solitários, cada um com espaço pouco digno, mas o que a Igreja pode oferecer, e que são apoiados pela Santa Casa da Misericórdia e pelo Centro Social de Alferrarede...

...e a chamada pobreza encapotada?

Tenho pontualmente algumas notas de pessoas que vivem assim, mais escondidas pela sua condição.

 

"O Centro Social tem uma dimensão de 115 funcionários e uma folha salarial mensal de cerca de 80 mil euros"

 

Jornadas Mundiais da Juventude. Constituem um evento ímpar na Igreja Católica. Como é que estão a ser vividas localmente estas ações de preparação?

Esta jornada será antecedida, nos dias anteriores, com atividades nas dioceses, no que chamamos pré-jornadas e em que jovens do mundo inteiro vêm para dioceses limítrofes antes das JMV em Lisboa. Houve uma expectativa inicial muito grande, depois todas as dúvidas sobre a organização. Depois arrancou, vieram os símbolos, que passaram por nós, foi empolgante e muitos jovens aderiram. As jornadas não são apenas para os jovens Católicos, são para todos os jovens. Na nossa Diocese temos muitas coisas organizadas e no Arciprestado (Abrantes, Constância, Sardoal e Mação) dispusemo-nos a receber naquele período dois mil jovens.

Receber e ocupar?

E viver com eles. O desafio do Papa é fazermos “caminho em comum”. E já sabemos que vamos ter uma Diocese francesa com 600 jovens, uma outra da Noruega com outros 200 jovens. O sacerdote que os acompanha já veio à nossa paróquia. A ideia mais rica disto tudo é as famílias de Abrantes poderem inscrever-se para receber estes jovens. É tudo muito simples, pedimos que recebam dois rapazes ou duas raparigas e que permitam que durmam debaixo de telha e que tenham um duche e um pequeno-almoço.

Quanto aos nossos jovens estamos a preparar as inscrições, são 235 euros. E como é um valor elevado estamos a fazer um conjunto de ações para angariar verbas para ajudar a diminuir este valor. Há uma coisa que quero ter muito cuidado. Quem não tiver mesmo possibilidades vamos tentar fazer com que possam ir às jornadas com pagamento de um valor residual, mas não de forma gratuita.

Os jovens vêm à Igreja ou estão mais “desprendidos” da Fé ou dos valores principais da Igreja Católica?

Os jovens estão a ligar-se cada vez mais a grandes valores, a valores da Fé. Mas numa sociedade com outros valores e com contravalores, muitas vezes torna difícil que assumam com clareza a sua autenticidade.

 

"Nas Jornadas Mundiais da Juventude vamos receber em Abrantes 600 jovens franceses e 200 noruegueses"

 

Como é que olha para todos estes casos reportados de abusos sexuais na Instituição Igreja?

A minha leitura, que só pode ser local, pontualmente sim, percebo que há pessoas muito incomodadas, outras não expressam esse incómodo. Mas é uma ferida enorme dentro da Igreja e essa ferida só se pode resolver, não se pode calar. O que sinto que nos atos de culto de participação na Igreja não encontrei incómodos de maior. Mas a mim, incomoda-me e estou surpreso pela dimensão já, que é muita. Eu fui para o seminário aos 10 anos, não tenho notícia no meu tempo de seminário de casos de abusos. E estive no seminário dos 10 aos 25 anos e passei por Gavião, Alcains, Portalegre, Almada, Olivais, voltei a Portalegre e Alcains como formador de seminário, e desde 2004 como Ecónomo do seminário. É para mim uma tranquilidade enorme, que como aluno ou como padre, não ter qualquer suspeita de abuso de caráter sexual no ambiente de seminário.

Na outra experiência, em ambiente de paróquias, não tenho a mais pequena suspeita. E ficarei muito surpreso se existir alguma situação. E se desconfiar de alguma situação vai imediatamente para a comissão de investigação. Mas é preciso ter muito cuidado com falsas denúncias, pois pode espatifar uma vida a uma pessoa. Os abusadores nunca pagarão pelo mal que fizeram e as pessoas que foram abusadas nunca terão a paz que deveriam ter por dignidade humana.

Mas tenho medo que seja feita a extrapolação dos números, como aconteceu em França, se se pensar que há muito mais casos do que os reportados.

 

"No apoio social para espanto o meu não tem chegado uma avalanche de gente como se calhar se pensaria"

 

Chegou a Abrantes num turbilhão que não tinha nada a ver consigo. Era uma questão de diocese. Foi difícil, pessoalmente, o início do serviço pastoral?

Foram tempos de cautela e de recato que as pessoas todas me merecem. Naturalmente estava preparado, sabia de algumas coisas e da dificuldade de relação, do ajuntamento de pessoas à volta da ideia. Mas tenho uma missão e vim com disposição interior da mesma, com a alegria interior que tenho e que muitas vezes não é notada. Mas vim com a esperança de cumprir a missão que a Igreja me pede pelo tempo que pedir.

Veio da Beira, região com tradição muito forte da Igreja. Que mudanças notou, na comunidade, nas pessoas, na vivência da Fé...

... é notada pelas circunstâncias do tempo. Cheguei com as circunstâncias que referiu, até março só houve a festividade do Natal e depois veio a pandemia, depois a guerra. Mesmo as celebrações mais típicas desta zona ainda as não vivi. Tive algumas expressões desse cariz, como a Senhora da Luz. Percebo que a Beira terá uma expressão diferente. Percebo que Abrantes, estas duas, comunidades são urbanas e não terão a expressão que tem as aldeias. O ambiente da cidade é muito mais diluído, mas também tem a expressão de autenticidade maior da vida das pessoas. Na aldeia é tudo mais medido pelos olhos da vizinhança. Por exemplo, nas aldeias nos espaços de culto os homens ficam de um lado, as mulheres de outro e as crianças no outro. Na cidade o ambiente é que são as famílias que ficam juntos. São leituras diferentes.

A Igreja de S. Vicente teve obras de recuperação, mas S. João tem problemas?

A Igreja de S. Vicente foi recuperada uma parte, o seu volume geral no exterior e cobertura. No interior apenas dois dos altares laterais. Foi feito o levantamento para se prosseguir, mas como dependente da Direção-Geral do Património Cultural, há aqui um conjunto de procedimentos. Não me preocupa tanto S. Vicente porque teve uma intervenção recente e está mais controlada a sua degradação. A Igreja de S. João sim, preocupa-me, pois tem uma dimensão cultural e histórica, E até do ponto de vista da Fé e do culto é mais acolhedora do que a de S. Vicente, e necessita de grande conservação. Até por forma a preservar os valores culturais que tem, pois, está classificada como monumento nacional, não apenas e só em relação ao espaço de culto. Juntamente com a Câmara tenho tido reuniões no sentido de se poder avançar com a sua requalificação. A Câmara tem feito levantamentos, mas não tem sido descurada.

Depois temos ainda a Capela de Sant’Ana que é um mimo, mas que precisa urgentemente de intervenção na cobertura. E no seu espaço interior precisa de muita conservação. E considero que é incapaz e inapta para a função que tem, de velar os mortos. É uma pobreza uma comunidade desta dimensão não ter um espaço, que não tem que ser Cristão, um sítio para velar os defuntos. O senhor presidente da Câmara ligou-me há dias e disse-me que temos de falar disso, desse espaço, com urgência.

Depois há a Capela de S. Lourenço, um espaço bonito até pela sua história. Tem uns azulejos bons, tem aquela estrutura e já mandei rever o telhado, mas precisa de ter uma intervenção geral.

Que mensagem deixa à comunidade Cristã?

Olhando para a vinda do Salvador, a paz que necessitamos, numa guerra que a todos nos aflige, Jesus Cristo é a nossa paz. Peço que o Senhor converta os corações dos homens e mulheres do nosso tempo para que vivamos sempre em paz. Paz nas nossas casas, onde nos aflige a violência doméstica, entre marido e esposa. Paz e diálogo para compreender diferente sem que a diferença nos trunfe, sem que a diferença nos separe. Paz para que cada um de nós viva os valores de Jesus Cristo e os valores humanos, porque uns sem os outros não existem para quem tem Fé. É o que desejo muito para o nosso coração, para as nossas vidas!

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