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RÚBRICA: ESQUIZOFRENIA MUSICAL #1...com Pedro Moleiro

15/04/2019 às 00:00

O texto que ornamentará a primeira edição desta profícua rúbrica será um potpourri de sensações, estilos, cheiros e cores. Algo significativamente idiota que irá fazer jus à Esquizofrenia Musical que paira na minha cabeça.

Ora, como diriam os antigos, no alto da sua sapiência ancestral: «Em Abril, águas mil!».

Numa tentativa mixuruca de adulterar esse famigerado provérbio, eu digo «Em Abril, músicas mil!». E porquê? - devem estar a pensar aqueles que se mantiveram estóicos após a leitura deste chorrilho de lugares comuns bastantes palonços.

Este mês de Abril ainda vai a meio e já há uma miríade de ocorrências neste mundo sonoro, as quais destaco o vigésimo quinto aniversário início da morte anunciada do Movimento Grunge e também, a primeira edição dos PLAY - Prémios da Música Portuguesa.

Mas, iremos por partes!

No passado dia cinco deste mês, assinalou-se o vigésimo quinto aniversário da morte de Kurt Cobain, vocalista, letrista, guitarrista… enfim, a alma por detrás dos Nirvana.

Tal como a eterna pergunta protagonizada pelo saudoso Baptista-Bastos «Onde estavas no 25 de Abril de 1974?», também passou a ser comum os amantes de Kurt questionarem onde estariam a 5 de Abril de 1994.

Ora, sabendo eu que, alegadamente, não tenho idade para apreciar os sons grudentos de Seattle, eu lanço a peremptória resposta, cheia de duplo significado: «Estava literalmente In Utero, mas creio ter vertido umas lágrimas dentro do saco amniótico de minha mãe!»

Kurt Cobain fora muito mais que um mero músico. Disruptivo, inovador, criativo, bipolar, transtornante, impactante, lírico, não-alinhado, profeta; são alguns dos adjectivos qualificativos para o seu legado, o qual roça a linha entre a poesia e a loucura, fazendo de Kurt, um porta-estandarte do Movimento Grunge dos inícios dos anos 90 do século XX e da Geração X (por cá, amargamente intitulada de «Rasca»), algo que sempre o perturbou até ao dia em que cometeu suicido na sua casa em Seattle, no estado de Washington (Estados Unidos da América).

Os três LP’s, os múltiplos EP’s, o concerto acústico para a MTV a 14 de Dezembro de 1993 e as maquetes que andam algures perdidas pelo «éter cibernético», são autênticas peças d’arte para os apreciadores de sons crus e de letras corrosivas que nos fazem levar para vastas interpretações.

Contudo, é com o álbum Nevermind lançado a 24 de Setembro de 1991, que os Nirvana entraram para o Olimpo da Música. Com uma capa que ilustra um bebé a ser pescado por um anzol com uma nota de 1 dólar, fazendo alusão ao consumismo que nos é incutido desde do berço, os Nirvana romperam dogmas. Mostraram que se pode fazer música com três acordes, guitarras desafinadas, letras sem «aparente» sentido e fugindo métrica do aborrecido «verso, refrão, verso» (alusão à música Verse, Chorus, Verse de maquete desconhecida).

A sua vida errante, derivada aos traumas que tivera na sua infância, dos múltiplos abusos e da relação tempestuosa com a sua mulher Courtney Love, foram as musas inspiradoras para a sua curta, mas intensa obra.

Com este turbilhão de emoções e o estado catatónico que Kurt tivera nos últimos tempos de vida, já se perspectivava que alguma fatalidade pudesse vir acontecer… E aconteceu!

Após a fuga de uma clínica onde estava a tentar desintoxicar-se do seu maligno vício em heroína, Kurt pedira uma espingarda a um amigo para, supostamente, sua protecção pessoal. Mas, desafortunadamente não foi! A 8 de Abril de 1994, Kurt Donald Cobain engrossou a extensa lista dos artistas que morrem aos 27 anos de idade. O seu corpo fora encontrado com um tiro na cabeça e com uma nota de suicido que ainda hoje não tenho coragem de a ler na íntegra para não ferir a sanidade mental que me resta.

À data, a sua figura era de tamanha relevância que William S. Burroughs, autor do êxito de vendas Alucinações de um Drogado: Refeição Nua, seu ídolo e que tivera criado laços de amizade com a banda, meses antes, no lançamento de In Utero, disse: «The thing I remember about him is the deathly grey complexion of his cheeks. It wasn’t an act of will for Kurt to kill himself. As far as I was concerned, he was dead already.».

Desde então que Cobain virou lenda, existindo milhentas teorias da conspiração sobre a sua morte e muitos documentários que descrevem a sua vida, em especial, os seus últimos dias.

O que é certo, é que o Movimento de Seattle entrou em ruptura! As camisas de flanela estão, há duas décadas, guardadas no armário de muita boa gente e o estilo está votado, praticamente, ao indigenato.

Antes de terminar esta já longa reflexão, queria homenagear mais dois artistas do mesmo género musical que finaram neste malfadado dia.

O primeiro é Shawn Smith, vocalista dos Satchel, que há 10 dias, segundo a Blitz, partiu aos 53 anos, vítima de complicações provocadas pela diabetes.

O segundo é Layne Staley! Dono de uma voz possante e cativante, Layne foi o primeiro (e na minha óptica, o verdeiro) vocalista da melhor banda grunge: os Alice In Chains.

Infelizmente, o facto de ter falecido no mesmo dia do Deus do estilo que tanto cantara, faz com que muito (mas mesmo muito), injustamente, seja relegado para segundo plano.

O paralelismo, nestes casos, é tremendo e Layne não fora excepção. Após a perda de sua namorada por overdose em 1996, Layne deixou de viver, tornando-se um ermita afogado entre mágoas e drogas. À excepção da participação no supergrupo Class of '99, Layne raramente era visto em público. Nunca mais dera um concerto. Estava, visivelmente, mais decadente! Até que, após largos dias sem dar sinais de vida, a 19 de Abril de 2002, fora encontrado morto no seu sofá. Uma morte inglória e… triste, de alguém que sempre teve ciente que se estava a autodestruir, mas que nunca tivera a força de vontade para superar o vício e dar a volta por cima.

Por tudo isto e muito mais, estes artistas são um exemplo para todos os músicos e melómanos. Daquilo que amamos, bem como daquilo que não queremos para a nossa vida! Daquilo que não presta!

Para constatarmos a grandeza destes artistas, não é normal, passado tanto tempo, um puto borbulhento de 16 anos, estudante numa escola algures no Médio Tejo, ouvir e debater as suas vidas e letras com os seus colegas de turma. E, por mais incrível que pareça, esse legado continua até hoje!

Numa noite de boémia no Bairro Alto, passei a noite toda a travar conhecimentos sobre estes artistas com um grupo de jovens com idades compreendidadas entre os 16 e os 20 anos. É a prova convicta que, ainda hoje, muitos putos borbulhentos olham para os Nirvana, Alice in Chains, Soundgarden, Pearl Jam ou os Stone Temple Pilots, como autênticas referências musicais… E isso deixa-me orgulhoso por um tempo que não vivi e porque ainda há esperança nas novas gerações, numa era onde prevalece a ostentação, os rabinhos bonitos e as letras sem sentido ou que incentivam a movimentos odiosos… Tudo aquilo que Kurt e sus muchachos criticavam.

 

Desanuviando o éter de más energias (xô, xô más energias!), irei abordar muito sucintamente (desta vez é a sério) os PLAY – Prémios da Música Portuguesa.

Fazendo analogia ao lema do saudoso programa televisivo Spray de Henrique Amaro, os PLAY (trocadilho forçado, eu sei) encaixa que nem uma luva nesta era em que o meio musical português nunca fora tão rico em quantidade, qualidade e diversidade, tornando-se urgente materializar um espaço de emissão que funcione como real reactor da cena musical emergente. Desde dos Prémios Blitz, nos longínquos anos 90, que andávamos órfãos de um certame que premiasse o que de bom se faz na cena musical, deste jardim à beira-mar plantado.

Realizados no passado dia 9, os PLAY, decorreram no Coliseu de Lisboa e tiveram transmissão em directo na RTP1 e Antena 1.

Com o intuito de se tornarem prémios anuais, estes foram repartidos em 12 categorias distintas: Melhor Grupo, Melhor Álbum Fado, Melhor Artista Solo, Vodafone Melhor Canção, Melhor Álbum, Artista Revelação, Melhor Videoclipe, Prémio Lusofonia, Melhor Canção Internacional, Melhor Artista Internacional, Prémio da Crítica e Prémio Carreira.

O grande vencedor da noite foi Dino d’Santiago, artista olhanense com raízes cabo-verdianas, que lançou, em 2018, o seu terceiro álbum «Mundu Nôbu». Arrecadando os Prémios de Melhor Artista Solo, Melhor Álbum e Prémio da Crítica, Dino soma e segue, acreditando numa «Nova Lisboa» (nome do seu principal single), onde a miscigenação e a multiculturalidade andam de braço dado com o tradicional alfacinha. A sua música transporta-nos para um imaginário africano, juntando o funaná, morna, batuku e afro-house, sendo que o próprio descreve o seu trabalho como «transnacional».

Os outros vencedores da noite foram os Dead Combo (Melhor Grupo); Pedro Abrunhosa & Comité Caviar com Lila Downs, no o tema «Amor em Tempo de Muros» (Melhor Vídeo); Matias Damásio com a canção «Nada Mudou» (Prémio Lusofonia), Conan Osiris (Prémio Revelação); Carminho com LP «Maria» (Melhor Álbum Fado); Kendrick Lamar (Melhor Artista Internacional); «All The Stars», Kendrick Lamar com SZA (Melhor Canção Internacional); e, por fim, o tema «Estradas no Céu» de Valas com Raquel Tavares amealhou o galardão Vodafone Melhor Canção – o único prémio onde contou o voto do ouvinte e onde este teria que escolher a canção favorita numa, a meu ver, parca selecção de quatro temas… Enfim, ao menos, penso que ganhou o melhor tema em escrutínio.

De ressalvar a bonita homenagem a Carlos do Carmo, que vencera o Prémio Carreira, tendo o fadista e poeta Ricardo Ribeiro cantado «No Teu Poema», um dos mais icónicos temas do seu longo trilho artístico e que conta com letra do, também lendário, José Luís Tinoco.

A apresentação ficou a cargo da majestosa Filomena Cautela, com a sua fiel escudeira Inês Lopes Gonçalves, tendo a locução de Tiago Ribeiro – um dos novos valores da radiofonia, o qual não costumo perder, de Segunda a Sexta, das 16h às 19h na Antena 3.

Antes de dar como terminado este vasto texto e para que os resistentes que conseguiram lê-lo até aqui (sóis os maiores) possam descansar, gostaria de deixar um agradecimento e duas perguntas de retórica.

Não poderia terminar esta longa ignominia, sem agradecer ao grande Paulo Delgado, em nome da Antena Livre, que graças à sua persistência e arrojo, fez com que um gajo chato, que escreve umas coisas no seu mural de Facebook, pudesse ganhar tininho (ou não) para escrever sobre duas grandes paixões: música e rádio. A ti, um enorme bem-haja!

Passados os agradecimentos, não pensem que não me esqueci das sapientes perguntas de retórica… aqui vão elas!

À excepção dos «Fazes Gostosos desta vida», não é no mínimo caricato que os grandes vencedores desta noite (Dino d’Santiago, Dead Combo, Carminho, ou até mesmo, o tema «Amor em Tempo de Muros» de Pedro Abrunhosa & Comité Caviar com Lila Downs) não serem presença assídua nas playlists das principais rádios musicais deste país? O que é que estes artistas têm a menos que muita da foleirada anglo-saxónica a que somos sistematicamente, bombardeados, entre anúncios a produtos de emagrecimento e regozijos autofágicos por serem a «Rádio N.º 1»?

Fica a dica ????!

PS: Esta semana, fiquem atentos à conversa do Rui Unas com a Sónia Tavares no seu Maluco Beleza. Os (The) Gift têm um novo álbum intitulado «Verão», que está um bom-bom, pois para além do seu vasto talento, conta ainda com a, já recorrente, ajuda desse mito vivo que é Brian Eno, no processo de gravação. Prometo que não se irão arrepender!

PEDRO MOLEIRO

Segundo a Sociedade Russa de Psicologia, a Esquizofrenia é uma doença mental endógena progressiva, caracterizada pela dissociação entre a realidade e o ilusório, caracterizando-se através de delírios, alucinações auditivas e perturbações formais do pensamento.

Mas o que é que uma rubrica sobre música pode ter a ver com essa madrasta patologia!? – deve ser o que estais a pensar!

Vão ver que vai fazer sentido após lerem as seguintes palavras.

A minha relação entre a música e a rádio é quase umbilical.

Longe vão os tempos em que, bastante petiz, ouvia religiosamente com a minha avó, a saudosa Rádio Tágide (96.7 FM Estéreo – A sua rádio, a sua rádio…). Aí, entre programas míticos como o «677 – Linha Livre» (Discos Pedidos) e os históricos anúncios como «Tipografia Água d’Ouro», «Hora Louis Lacroix», «Restaurante “O Barraqueiro”» e «Móveis André no Pego» - cujas bases sonoras iam desde do Eurodance em «Better Of Alone» de Alice DeeJay, à loucura em «Wuthering Heights» de Kate Bush, passando pelo pimba magôto (como diria o cronista João Miguel Tavares) de Quim Barreiros nos versos «Ai que cheirinho que vem da cozinha…» e acabando nos cantares populares do Rancho Folclórico da Casa do Povo do Pego.

Lembro-me, com muita ternura, a vez em que falei, em directo, com Lurdes Gonçalves para pedir o tema «Parabéns (Hoje é o teu dia)» do Batatoon. Na altura, algures em Novembro de 2001, estava a celebrar o meu sétimo aniversário. Era o Spotify da época…

Mas as minhas influências radiofónicas não se ficam pela Tágide.

Durante anos, o auto-rádio da minha mãe alternava entre o Jogo da Mala da Emissora Católica Portuguesa e o Programa da Manhã da Rádio Comercial – A Rádio Rock (pagava para tê-la de volta), onde Nuno Markl, Pedro Ribeiro e Maria de Vasconcelos animavam as manhãs, sempre com a melhor música.

Dizem que os anos iniciais moldam a vida de um ser humano pois, alterno entre as malhas mais rockeiras e os clássicos mais gloriosos da nossa música.
Aí já se nota alguns traços da patologia anteriormente descrita. Obrigado mãe! =D

De seguida, já a entrar na puberdade, passei por aquela febre de ouvir, sistematicamente, a Cidade FM. Apesar de hoje em dia não me rever naquele estilo, posso dizer que aquela fase não me fez mal nenhum. A estação era bem mais ecléctica do que é hoje, tendo como referências Pedro Marques, Elsa Teixeira, a Verinha Mágica (sim, a Vera Fernandes da Comercial), Miguel Simões, Wilson Honrado ou Joana Azevedo, aos quais agradeço os conhecimentos de Hip-Hop, R&B, Nu Metal e Música de Dança que batia na altura.

Por fim, pouco antes de rumar a lides universitárias, voltei ao meu universo rockeiro que deixara para trás muito petiz, muito por influências dos meus colegas e amigos de secundário. Longas tardes, entre as primeiras cervejas e algumas travessuras, tivemos a ouvir e debater Nirvana, Pearl Jam, SOAD, Foo Fighters, Linkin Park, Evanescense, Soundgarden, Guns N’ Roses, Blind Zero, Faith No More, Oasis, Blur, Alice in Chains, Iron Maiden, Moonspell, Tarantula, Pink Floyd, Godsmack, Limp Bizkit, Slikpnot, entre outras bandas. Éramos um bando de putos parvos e borbulhentos, desfasados do mainstream que vigorava na altura. E felizmente, ainda o sou!

Foi por essa altura que me tornei um fan boy da Antena 3, numa fase em que ainda era «a rádio da primeira vez» e onde conheci os meus gurus da música e comunicação, entre os quais, Fernando Alvim, Ana Galvão, Mónica Mendes, Diogo Beja, Álvaro Costa, Henrique Amaro, Nuno Calado, Luís Oliveira, Pedro Costa, Joana Marques, Raquel Bulha e, mais tarde, Tiago Ribeiro, Inês Lopes Gonçalves e Daniel Belo.

Com eles aprendi que se pode falar de assuntos sérios, de música ou de algumas trivialidades, sem usar aquele tom sério e carrancudo, mas também sem se cair na estupidez de tratar o seu auditório com expressões bacocas como «Como é que é, meu puto!». Sobretudo, tiraram-me do tédio muitas das vezes e enriqueceram-me culturalmente. Com eles aprendi que há muito mais mundo para lá do que é comumente audível e que, como diria o lobo António Sérgio, tem que haver o «direito à diferença».

Por fim, todas estas condicionantes patológicas aprimoraram-se quando fui estudar para uma «Nova Lisboa» multicultural, onde em 4 anos, passou de uma capital semi-deserta, para um dos principais centros turísticos da Europa, onde convivi com gente com muito mais mundo, de várias latitudes e com outras perspectivas de vida…

Com tudo isto, ainda não estão convencidos da minha patologia?

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