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Entrevista: Planear, antecipar e ataque inicial musculado baixam incêndios no Médio Tejo

9/11/2024 às 11:03

O Médio Tejo registou este verão o segundo melhor ano, dos últimos cinco, em ignições e área ardida. Mesmo assim metade dos incêndios são fogo posto. Ourém lidera este quadro e Abrantes surge na segunda posição. Para um número baixo de ocorrências contribuiu a ocupação preventiva do território, a intervenção inicial musculada e ainda um maior comportamento cívico dos cidadãos. David Lobato, comandante sub-regional da Proteção Civil do Médio Tejo elogia ainda os autarcas da região porque, nesta matéria, estão a olhar para o território como um todo e não dividido em 11 parcelas.

Entrevista por Jerónimo Belo Jorge

 

O DECIR 2024 iniciou-se a 15 de maio e terminou a 15 de outubro. Em modo geral, qual o balanço deste ano da época de incêndios no Médio Tejo?

O que podemos dizer é que foi um ano, não foi excelente porque isso era não termos ignições ou incêndios, mas acho que foi muito bom. Temos o segundo melhor ano, dos últimos cinco, em ignições e área ardida. Isto não é obra do acaso, revela o trabalho que todas as entidades têm feito. Desde os corpos de bombeiros, a GNR, os serviços municipais, o ICNF (Instituto para a Conservação da Natureza e Florestas), e todos os que vão para esta problemática têm feito um trabalho excelente. Falta-nos chegar aos zero hectares e zero ignições, mas isso será quase impossível…

 

no entanto, houve um concelho com esses números: Vila Nova da Barquinha?

Vila Nova da Barquinha este ano ganhou a medalha. Não teve área ardida ou ignições. E é isso que queremos todo o ano e, principalmente, nesta época de 15 de maio a 15 de outubro.

 

Vamos olhar para o Médio Tejo (11 municípios). Quando olhamos para os números gerais 221 ocorrências e 124,37 hectares de área ardida, houve, ao que sei, uma palavra de ordem: antecipação?

As ocorrências aconteceram na mesma. Mas o planeamento e antecipação, todo o trabalho de todas as entidades coordenadas pelo comando sub-regional também deu frutos. O ataque musculado, tentarmos colocar o máximo de meios numa primeira fase, porque como já disse muitas vezes os incêndios quando começam, apagam-se todos com um balde de água. O importante é termos a capacidade de colocar meios quando o incêndio está na fase de início. O concelho de Abrantes é um excelente exemplo disso, que é a dispersão de equipas de combate que tem numa fase inicial para apagar os incêndios quando estão pequeninos. Agora, gosto de bater aqui na mesa (madeira) haverá um dia que não vamos conseguir porque temos quatro, cinco ou dez. Isso aconteceu este ano lá em cima, no centro e norte. Estamos a falar de 50 ocorrências noturnas. Não há dispositivo nenhum que esteja preparado para estes números. Podemos ter os melhores meios, os melhores homens, os melhores meios aéreos, mas depois dá-se a dispersão e não temos o músculo nessa fase inicial. Quando não o conseguimos fazer temos problemas.

 

No Médio Tejo 96,8% dos incêndios foram resolvidos em 90 minutos, ou seja, como incêndios pequenos, ou seja, da ignição à resolução. É um número muito bom?

Sim, dos melhores anos. Gostaríamos de ter 99,9% ou 100%. Este ano tivemos aqui dez ou 12 incêndios que não conseguimos resolver numa fase inicial. Tivemos um em Torres Novas com muita dificuldade no combate. Numa orografia de serra, teve de ser um combate apeado e durou-nos 12 a 13 horas até entrarmos em resolução. Até o poderíamos ter feito mais cedo, mas tivemos sempre a problemática de não termos o incêndio circunscrito. E não estar circunscrito, pode estar em resolução e cinco minutos depois volta a estar ativo. E não quisemos isso. Ou outros, de Ourém, foram aqueles que nos deram aqui “água pela barba”. Tivemos de mudar o paradigma e alterar o planeamento, a GNR também esteve mais presente no território e isso, penso, deu os seus frutos. Outras sub-regiões tiveram números como os nossos, mas não podemos esquecer que aqui temos o pinhal interior e sempre um histórico de grandes incêndios. Depois de 2017 e 2019 só tivemos 2022 em Ourém com grandes incêndios.

 

Este ano tivemos aqui dez ou 12 incêndios que não conseguimos resolver numa fase inicial

 

Este final de “época” de 15 a 21 de setembro a situação foi dramática no norte e centro do país. As previsões meteorológicas indicavam essa perigosidade também para o Médio Tejo. Mesmo com o pré-posicionamento de meios em alerta laranja e vermelho, como é que o comando e o comandante olham para estes dias, sabendo que têm Torres Novas, Tomar, Abrantes, Ferreira do Zêzere, Sardoal e Mação com as suas enormes manchas de floresta?

A partir do alerta laranja já olhamos com muita, muita preocupação. Sabemos que temos essa área que é complicadíssima. A antecipação e o planeamento, a ligação com todas as entidades, Afocelca e municípios, os sapadores florestais e o ICNF a GNR no território para preencher o território. É antecipar e planear.

 

Mesmo assim, com este risco, ainda houve grupos de reforço para, principalmente, os grandes incêndios do norte do país?

Sim, em conjunto com a Lezíria do Tejo criamos brigadas com grupos que começaram em Castelo Branco, depois foram para Viseu, Castro Daire e Arouca, acabaram no Porto. Tivemos uma equipa no posto de comando, em que 90% dos comandantes eram do Médio Tejo. Estivemos a comandar e coordenar o complexo de incêndios de Aveiro (Oliveira de Azeméis, Águeda, Sever do Vouga e Albergaria) em que o Comandante Operacional era Mário Silvestre, segundo comandante da ANEPC.

No Médio Tejo, 124 Ha de área ardida e 221 ocorrências. É um dos números mais baixos?

O segundo melhor ano, dos últimos cinco. O trabalho, mas também o despertar das pessoas. Tivemos 86 incêndios de origem negligente. O ano passado tivemos 111. Reduzimos. Baixamos o número de incêndios negligentes porque as pessoas estão mais atentas e mais cuidadosas a fazer as suas queimadas.

 

O cidadão está hoje mais sensibilizado para estas questões, para os riscos?

Sim. Tivemos um incremento naquilo que foi a perceção do risco das pessoas. A questão do aviso. Chegamos a receber sete, oito, dez chamadas para a mesma ocorrência. As pessoas identificam veículos e isso vai ajudar a deteção precoce de fogos. A nossa rede de câmaras de videovigilância dá uma ajuda excelente no apoio à decisão. Antigamente só quando a primeira viatura chegava à ocorrência é que sinalizava necessidade de reforço. Hoje já não. Por vezes quando chega o primeiro carro ao fogo estão a chegar mais dez e não são necessários e voltam para trás. Trabalhamos sempre por excesso e não por defeito.

 

Os presidentes (de Câmara) não estiveram a olhar para o seu umbigo, olharam para isto com as necessidade de uso comum

 

Esta pergunta não é política, mas sim operacional. A criação dos comandos sub-regionais veio beneficiar o socorro?

Mantém-se praticamente como quando era o distrito. Com a proximidade, na gestão, ganhamos muito. Já o disse, eu era cético em relação a esta divisão. Mas se todos puxarmos para o mesmo lado, não tenho dúvidas que é um ganho enorme, naquilo que é a ligação com os corpos de bombeiros, com os presidentes de Câmara, com as entidades. Mas, na área operacional, se tiver um incêndio em Constância, Chamusca vem à mesma e não pertence ao Médio Tejo. A triangulação continua a ser feita na mesma. É assim que funcionamos e que vamos continuar a funcionar.

 

Esta ligação e proximidade pode melhorar ainda mais porque a Comunidade Intermunicipal tem uma ITI destinada à Proteção Civil com uma dotação de, penso, mais de 4 Milhões de Euros?

Os presidentes dos nossos 11 municípios (CIMT) têm uma visão para a Proteção Civil. Perdoem-me se vou ferir alguma suscetibilidade, mas não conheço muitas sub-regiões com esta perceção do risco que existe. Há um trabalho muito adiantado para termos novos veículos, uma unidade de formação local, equipamentos de proteção individual. Ou seja, os presidentes não estiveram a olhar para o seu umbigo, olharam para isto com as necessidades de uso comum, interoperabilidade. Quer isto dizer que não precisamos que o Município de Constância tenha os mesmos equipamentos do de Abrantes, ou que Tomar tenha os mesmos de Torres Novas. Não estamos separados por tantos quilómetros que implique duplicação de meios. Penso que esta é uma visão futurista do Médio Tejo.

 

Ainda é cedo para projeções ou objetivos, mas creio que o principal, em 2025, é baixar ainda mais o número de ocorrências?

Eu já disse, tivemos as mesmas características meteorológicas que Aveiro ou Porto. Tivemos menos ignições, mas tivemos a capacidade de as debelar muito cedo. O comando sub-regional e os seus corpos de bombeiros, temos de vê-los sempre, em linguagem futebolística, como o guarda-redes. Se a defesa ou o meio-campo jogam mal (não fizemos a prevenção e as pessoas não estão despertas para o risco) é lógico que se tivermos mais do que três ou quatro em simultâneo, o “guarda-redes não consegue resolver tudo.” Mas sim, o objetivo é termos menos ocorrências e área ardida.

 

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