Margarida Cartaxo, tem 32 anos, trabalha em Inglaterra na indústria do cinema. Cumpre o seu grande sonho: trabalhar na industria do cinema. 2024 trouxe, no entanto, a esta abrantina um destino que não passaria de um sonho dos tempos de estudante, trabalhar com Martin Scorsese. E se esse sonho se tornou realidade, a nomeação do filme “Made in England: The Films of Powell and Pressburger” para os prémios BIFA ainda colocam este sonho num patamar mais elevado. Margarida Cartaxo é a editora deste documentário nomeado na categoria melhor edição (montagem) dos BIFA – British Independent Film Awards.
Entrevista por Jerónimo Belo Jorge
Quando é que começou esta jornada?
Começou com a minha ida para Inglaterra porque, infelizmente, em Portugal não consigo fazer aquilo que amo. E começou comigo a trabalhar numa casa de pós-produção, durante cerca de dois anos, para aprimorar as minhas competências técnicas e a perceber como funcionava a indústria do cinema. Considerava-me feliz. Nunca pensei que um dia poderia trabalhar com a Thelma Schoonmaker ou o Martin Scorsese. Isso estava nos sonhos de quando estávamos a estudar. Quando na casa de pós-produção surgiu uma oportunidade da associação que apoia os documentários e as novas oportunidades. E esta associação em parceria com a Netflix lançaram um programa para apoiar editores-assistentes. Sendo um programa muito competitivo, só havia oito vagas, e tive a felicidade de entrar. Deixei de trabalhar numa empresa de pós-produção. Imagine-se 20 salas, com 20 editores a trabalhar cada um na sua sala sem envolvimento criativo. Esta mudança permitiu-nos entrar numa espécie de estágio, com mentores, eventos de networking. Sou portuguesa. De Abrantes. Não sabia bem como é que me podia inserir na indústria (cinematográfica) de Londres. Este programa apresentou-me as pessoas certas. Num dos primeiros projetos da Netflix calhou-me o editor Joby Gee e mudou a minha vida. É meu mentor, meu amigo. Esta oportunidade começou com o Joby Gee.
E o que é que aconteceu?
Trabalhei com Joby Gee durante cerca de dois anos e em dois projetos diferentes. E, já no fim do segundo projeto juntos, surgiu a oportunidade para o Joby, editor superconhecido, trabalhar num projeto do Martin Scorsese. Tinha a agenda cheia e não estava disponível e disse-me “ligaram-se da produção para trabalhar com o Scorsese.” Eu fiquei um pouco “histérica” e comecei a dizer “tens de aceitar, é uma oportunidade única.” Ele sorriu para mim, a caminho do almoço, como quem diz “não é possível.”
Nesse dia sentiste que tinhas o sonho à mão, ou era apenas uma conversa de hora de almoço?
Da hora de almoço, completamente. Isto era uma oportunidade para o Joby. Nunca disse que me ia recomendar, ou tinha recomendado à produção. Eu estava a trabalhar com uma das minhas pessoas favoritas e ele estava a partilhar algo que achou surreal porque, nós estamos da indústria de Londres, fazemos bons filmes, mas não estamos ao nível de Hollywood.
Nunca pensei que ele teria andado no “backstage” a dizer “eu não disponível para conheço uma pessoa bastante capaz.” Dias depois, recebo um telefonema do produtor do documentário do Martin, Matthew Wells, para uma entrevista. Depois voltei a ter uma entrevista de quase duas horas com o realizador David Hinton. E entrei no projeto. Mas no dia do almoço não fazia ideia de que isto iria acontecer.
...sem saber que iam sair as nomeações dos BIFA, vi o meu nome lá e perguntei: “isto é verdadeiro?
Este projeto “Made In England” é um documentário, narrado pelo Martin sobre a vida de Michael Powell, Emeric Pressburger. Tem vídeos inéditos e antigos. Há aqui um desafio grande?
Este projeto é um documentário. Trata-se de um filme muito pessoal, tanto para o Martin Scorsese como para a Thelma Schoonmaker. O Martin na juventude era asmático e em vez de andar na rua a brincar ficava em casa a ver televisão e via os filmes antigos ingleses, que tinham uma textura que ele adorava. Mais tarde veio a descobrir que eram feitos por uma dupla, Michael Powell, Emeric Pressburger, que se chamavam “os arqueiros”. Anos mais tarde o Scorsese conseguiu conhecer o Powell, que foi mesmo uma espécie de mentor. Nesse processo houve uma ligação pessoal. A Thelma Schoonmaker, que sempre foi a editora (montagem) de Scorsese conheceu o Powell e acabou por casar com ele. Isto torna esta “história” muito pessoal que estuda a filmografia dos “arqueiros”, mas com o amor e a viagem pessoal do Martin. Estamos a avaliar os filmes com muita paixão e emoção. Depois temos a filmagem, não é bem entrevista, feita ao Scorsese, porque ele é o narrador.
Já percebemos o choque de trabalhares com um ídolo teu. E como é que foi a receção da nomeação do filme para melhor montagem, ou seja, pelo teu trabalho?
Foi surreal. É a palavra. Estava a ir para um evento de networking na BBC, logo de manhã, e estou num grupo de Watsapp dos British Film Editors e, do nada sem saber que iam sair as nomeações dos BIFA, vi o meu nome lá. E quando vi o meu nome, perguntei-lhes: “isto é verdadeiro? É que se é o meu nome que está aqui é porque fui nomeada.” Mandaram-me a ligação, como estava a entrar na BBC, pedi ajuda ao meu marido: “Fui, potencialmente, nomeada para qualquer coisa. Podes ir ver?” Só duas ou três horas depois, quando abri a caixa de correio é que vi os emails da equipa a dar-me os parabéns. E tendo o email de todas as pessoas, pronto era verdade.
Ou seja, não paraste no primeiro momento em que viste o teu nome nas nomeações?
Já passou mais de uma semana das nomeações (entrevista feita em meados de novembro) e ainda estou... eu ainda não consegui fazer a ligação que isto, de facto, é real. Nunca pensei. Isto também tem a ver com o meu percurso. Quando estudava em Abrantes e queria ir para cinema o meu pai estava relutante. A minha mãe sempre me apoiou. O meu pai tinha receio de como é que conseguiria viver a minha vida do cinema. Obviamente que me apoia e é, quase, o meu maior fã. Mesmo assim segui cinema. E percebi que não conseguia arranjar trabalho. Depois fui para o estrangeiro e tens todo o tipo de obstáculos. Chegas a Londres, e apesar de já ter o filme “A malta da farda azul” sobre a CUF em Alferrarede, isso para eles não conta nada. Entrei na empresa de montagens e pensei “Margarida dá-te por feliz, porque a maioria dos teus colegas de curso estão a trabalhar em áreas que não têm nada a ver com cinema... pensei que era o meu auge. Depois veio o programa da Netflix, pensei novamente que era o meu auge.” E depois o Scorsese. Eu ainda não consegui aceitar este meu percurso. Sei o trabalho árduo que envolveu muito de mim, mas ainda é difícil aceitar esta nomeação.
A 8 de dezembro, cerimónia dos prémios BIFA. E agora, quais são os teus objetivos?
Basicamente é continuar a trabalhar em montagem. É muito difícil saltar de assistente para editor. Aliás, este trabalho foi o meu primeiro crédito apenas como editora. Mas é continuar a trabalhar para criar o meu sítio, dar relevo ao meu nome e conseguir dar o pulo. É fazer uma carreira como editora e se conseguir fazer isso vou-me considerar uma pessoa feliz.