Eduardo Catroga recebeu a 7 de dezembro o Galardão Antena Livre Carreira. Em entrevista à rádio e ao Jornal de Abrantes aceitou percorrer as várias fazes da sua vida, desde a escola primária em S. Miguel do Rio Torto, à melhor nota do seu curso superior, passando pelos convites para o Governo e pela execução do plano de Governo com que Pedro Passos Coelho governou Portugal em duas legislaturas. Falou ainda das empresas e de se querer reformar, apenas diminuir a intensidade do trabalho.
Entrevista por Jerónimo Belo Jorge
Após fazer o ensino primário em S. Miguel do Rio Torto optou por ir “estrear” a Escola Industrial e Comercial de Abrantes (EICA), mas com algumas reservas ou “desconfiança” do seu pai?
O meu pai, que era um ‘self made man’ tinha, como todos os pais, objetivos para os seus filhos e, na altura, já tinha posses para me por a estudar em qualquer ponto do país. Quando, no verão de 1953 que íamos ter aqui a EICA foi um facto extraordinário para o concelho e para muitos jovens irem além da 4.ª classe. Recordo de S. Miguel ia um ou dois alunos para colégios particulares, ou liceus e nesse ano viemos uma dezena. Quando disse ao meu pai que queria vir para a EICA ele disse “vou ver para o que é que isso dá.” Veio ver, e uma semana depois, disse “pode-se chegar ao curso superior de finanças que é o curso do Salazar. Erradamente porque o Salazar era professor de Finanças, mas com formação de base de Direito. Portanto, o meu pai tinha como meta que os filhos tirassem um curso superior. Quando percebeu que isso era possível na EICA já não pôs qualquer obstáculo.
O Eduardo Catroga, o jovem, queria seguir esta área das finanças ou queria experimentar a novidade, sendo uma escola mais técnica?
A escola tinha dois cursos: comercial e industrial. O curso comercial era já para perceber o que era uma empresa, o que era a educação económica e financeira mínima, perceber o cálculo comercial ou a taxa de juro. Tínhamos noções fundamentais de direito. Tínhamos uma educação económica e financeira mínima, coisa que hoje falta na nossa sociedade. Depois havia o curso industrial, mais vocacionado para o desenvolvimento industrial do país, desenhadores, torneiros, eletricistas, mecânicos... Infelizmente, em 1978, os novos decisores do país em vez de adaptarem a escola técnica às novas necessidades resolveram extingui-la. Hoje, o ensino profissional está de novo a impor-se por força das necessidades e das realidades dos mercados, mas com uma visão estratégica nova. Eu tenho sempre orgulho nos meus currículos e escrevo sempre “Eduardo Almeida Catroga, nascido em S. Miguel do Rio Torto, concelho de Abrantes, no 14 de novembro de 1942, aluno fundador da EICA.” Portanto, é um marco.
E depois?
Depois, daqui, dos alunos fundadores da EICA fui dos primeiros a ir para Lisboa porque queria a via rápida para chegar ao então Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras. Havia a possibilidade de os alunos poderem poupar um ano, fazendo o último ano do curso comercial e simultaneamente a secção preparatória ao Instituto Comercial de Lisboa. Foi para a Escola Veiga Beirão que tinha essa acumulação em 1957. Já fiz os 15 anos em Lisboa. Depois passei para o Instituto Comercial e Lisboa e depois Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras. Mas esta escola (EICA) ficou sempre um marco fundamental, entre os 10 e os 14 anos. Esta, de Abrantes, é sempre uma comunidade especial.
Em 1966, no Curso Superior de Finanças, obteve a classificação mais elevada e levou o Prémio Alfredo da Silva: Aí já houve satisfação pessoal e da família?
Eu tive excelentes professores e procurei ser sempre um excelente aluno. Quando acabei a licenciatura recebi este prémio do fundador do Grupo CUF e mais uma dezena de outros prémios escolares. Foi mais um marco numa carreira que teve três vias fundamentais, a empresarial, a universitária, e depois fui solicitado, como cidadão independente, aqui que eu chamo missões cívicas ao país, como ministro das finanças e, por exemplo, para viabilizar o Orçamento do Estado de 2011.
Já vamos a essas áreas. Ainda na área académica quando vai fazer o curso na Harvard Business School. Foi uma oportunidade ou estratégia para o crescimento enquanto “homem de finanças”?
Tinha a vertente das finanças privadas ou públicas, a vertente da macroeconomia, a vertente das matemáticas aplicadas à economia e gestão. Era um curso com uma formação muito abrangentes. Quando tive essa oportunidade eram os estudos mais avançados em matéria de gestão e estratégia a nível mundial. Serviu no âmbito do meu desenvolvimento profissional, mas também na carreira académica porque fui sempre professor catedrático convidado, em part-time, na área da economia da empresa e na gestão da estratégia empresarial.
“Aquilo (nomeação para ministro das Finanças) caiu como uma bomba na família e na comunicação social”
Mas é nas empresas que se notabiliza?
Eu tive a felicidade de ter uma carreira em três áreas. Mas a dada altura tive de optar. Ou era um académico puro, como o meu irmão, que seguiu essa via ou era híbrido em que a carreira empresarial se sobrepôs. Repare como tinha o Prémio Alfredo da Silva, fundador do Grupo CUF, fui contratado em part-time, ainda estava no Serviço Militar, para as fábricas do Barreiro. Depois fui para a holding do grupo, para a área do planeamento estratégico e análise de projetos de investimento. Depois chamaram-me para administrador financeiro da CUF, que era a empresa industrial e mãe do grupo. Fui nacionalizado em 1975, estive na empresa que sucedeu à parte industrial da CUF, a Quimigal, como vice-presidente. E foi nessa altura (1979) que decidi ir para os Estados Unidos, porque o ambiente em Portugal estava demasiado politizado.
Quando regressei dos Estados Unidos aceitei ser chefe-executivo, o chamado administrador-delegado, da SAPEC, uma empresa belga com atividades em Portugal, Espanha e América Latina. Chamaram-me para ser o administrador-delegado responsável por toda a empresa. E assim foi entre 1981 e 1993, quando o meu amigo, Professor Aníbal Cavado Silva, após muitas insistências conseguiu-me convencer a aceitar ser ministro das Finanças deste país.
Foi mesmo preciso insistir muito para aceitar o desafio da política? E numa pasta das mais importantes de um Governo?
Repare, a minha geração começou a assumir o poder a seguir ao 25 de Abril de 1974 por isso, comecei a ser solicitado para ir para governos, desde o primeiro Governo Constitucional liderado por Mário Soares. Não aceitei. Depois fui solicitado para integrar um governo de independentes de Nobre da Costa. Não aceitei. E o meu amigo, Professor Cavaco Silva insistiu comigo, mas só à terceira vez é que me levou. A minha carreira era sempre um álibi para as recusas. A minha carreira era na área das empresas, não era na área da política. Em 1993, Cavaco Silva que já me tinha convidado duas vezes, dei-lhe uma esperança e disse-lhe “para a próxima vez que precisares de mim eu ponderarei se a função for motivante.” E assim foi. Já me tinha convidado para substituir o ministro Oliveira Martins, nas Obras Públicas, Transportes e comunicações, já me tinha convidado para o comércio e, veja lá, tinha sido indicado até para a Agricultura e também não dei guarida a poder ser vice-governandor do Banco de Portugal. Em 1993 fez uma alteração ao Governo, nas Finanças, convidou-me e aceitei.
Qual foi o desafio maior nesse convite? As finanças de Portugal ou a exposição pública, inerente?
A exposição era intensa, mas não era tão intensa como é hoje. Estávamos em 1993. Quando o Professor Cavado Silva me convidou, confesso, que até estava à espera de outra pasta, porque eu vinha da economia real e não das Finanças. Aceitei porque a função era desafiante. E ele diz-me: “Não digas nada a ninguém porque a primeira pessoa a saber tem de ser o Presidente da República.” Eu não disse nada a ninguém, nem à minha mulher, filhas ou pais. Aquilo caiu como uma bomba na família e na comunicação social porque eu era o chefe do executivo de uma empresa, não era um protagonista na cena política. No fundo, foi uma experiência. Na altura a economia portuguesa teve um grande declínio entre 1975 e 1985, depois com a entrada na União Europeia a economia começa a recuperar aceleradamente e depois abrandou. Olhe como o Rúben Amorim aceitou ir para Manchester “pior já não vai ser, agora é só recuperar.” Deixei um bom legado que Guterres herdou, em termos de processo de crescimento económico e uma situação saudável das Finanças Públicas portuguesas.
“Aceitei e assumi o compromisso de lhe fazer um programa de governo para duas legislaturas...”
Voltou às empresas, mas em 2011 tem um novo desafio, chamado por Pedro Passos Coelho para negociar com a Troika, chamada por José Sócrates, e depois como autor do programa de Governo da Ad liderado por Passos Coelho que deu duas maiorias. O que é que lhe pediu Pedro Passos Coelho quando o “chamou”?
Sou um cidadão independente e não era membro do PSD, pelo que fiquei surpreso por estar a pedir para negociar a viabilização do Orçamento de Estado de 2011 num contexto muito difícil. O segundo mandato de Sócrates foi um mandato de muita indisciplina financeira. A Grécia já tinha evidenciado uma dívida descomunal, a própria Irlanda mostrava problemas ao nível bancário e o PSD já tinha viabilizado dois programas de austeridade a Sócrates (PEC 1 e PEC2) e o Orçamento para 2011 era o PEC 3. Pedro Passos Coelho veio ter comigo, mal o conhecia, mas considerei ser uma segunda missão cívica ao país.
Numa situação muito complicada?
Portugal estava sob ataque dos mercados. Era uma tentativa para evitar a vinda da Troika. Mesmo com a viabilização do orçamento, Sócrates chamou a ajuda em maio de 2011, já eu tinha uma outra missão. Passos Coelho veio ter comigo e diz-me: “Professor, vai haver eleições, só não sei quando. O país está em crise e quero estar preparado com um programa de governo para duas legislaturas.” Para mim até era uma missão muito mais interessante do que fazer uma negociação, que durou uma a duas semanas. Estávamos em março de 2011. Aceitei e assumi o compromisso de lhe fazer um programa de governo para duas legislaturas até julho de 2011. Eis que a crise acelera e o primeiro-ministro Sócrates não tem outra alternativa senão chamar a Troika, em junho. O país, em junho, não tinha recursos para pagar salários aos funcionários públicos ou pensões. No fundo, aceitei a segunda missão, porque os anos das empresas e do governo tinha ideias muito assentes de quais eram os vetores estratégicos numa ótica estrutural a dez anos para fazer progredir o país. Teria muito prazer em fazer propostas nesse sentido. Quando estava a fazer a proposta, Passos Coelho pediu-me para acompanhar as negociações do Governo com a Troika…
... Um desafio em cima de outro?
Não. Este foi muito simples porque não houve negociação. O Governo de José Sócrates não negociou com a Troika. O Governo estava de “calças na mão”. A Troika disse quais eram os remédios e o Governo aceitou. Os partidos da oposição também não tinham outra alternativa. A oposição nem informada foi sobre a negociação. Tínhamos a ligação com o ministro da Presidência, Pedro Silva Pereira, e escrevi-lhe cinco cartas só para memória futura, sobre qual era o ‘roadmap’ de uma boa negociação.
Depois da missão cívica o regresso às empresas?
Repare a ida para o Governo acelerou apenas uma nova fase do meu projeto de vida profissional. Quando tinha os meus 50 anos defini que aos 60 anos não iria ser chefe do executivo de nenhuma empresa, iria estar em três ou quatro empresas em simultâneo, vou continuar a ganhar bem, mas vou deixar de ter a responsabilidade do balanço e da conta de resultados e de responsabilidade de milhares de trabalhadores. Quando saí do Governo, tinha 53, passei a ser administrador não executivo de várias empresas, incluindo como “chairman” da SAPEC. Passei a utilizar o meu tempo em várias empresas e depois apareceu a EDP, como administrador não executivo. Tinha três ou quatro part-times, tinha uma vida diversificada. Projetos químicos, óleos e azeites, na banca de investimento... Quando em 2012 o Estado vende a última parcela da EDP e os acionistas pedem-me para ser o ‘chairman’, membro do conselho geral de supervisão. Acabei por estar ligado à EDP 15 anos. Foram passando os anos e cumpri outro objetivo definido aos 60 anos que foi o de nunca me reformar. Posso ir reduzindo atividade. E, pouco a pouco, fui reduzindo atividade e hoje estou ligado apenas a dois projetos.
“Cumpri outro objetivo que foi o de nunca me reformar. Posso ir reduzindo atividade. Estou ligado apenas a dois projetos”
Nunca voltou as costas a S. Miguel, ou a Abrantes. Mesmo nos anos mais intensos de trabalho, as vindas “à terra” foram uma constante?
Nunca perdi o relacionamento. A minha mãe faleceu em 2009 e o meu pai em 2002. Fiquei com a quinta dos meus pais, recuperei-a e mantive relacionamentos com a “rapaziada” da minha escola primária, a “rapaziada” da EICA, faço parte de uma tertúlia de caçadores em S. Miguel, da inspeção militar. A idade vai avançado, mas ainda temos uma quinzena de fundadores da EICA, da sua fundação em 1953. A cada 15 dias venho aqui, almoço em S. Miguel, no Pego, na Sopadel, tenho encontros com amigos. Faz parte do meu capital afetivo.
Ao dia de hoje (gravação da entrevista em meados de novembro) como é que o Eduardo Catroga olha para o país e para o mundo?
Há um ano a escola Solano de Abreu, convidou-me a vir dar uma aula aos alunos de economia, 15 e 16 anos, e eu comecei pode fazer uma comparação do Portugal de hoje com o Portugal dos trisavós dos alunos. Os meus avós tiveram a I Grande Guerra e a Pneumónica. A minha geração teve a guerra em África. Eu nasci em plena II Guerra Mundial. Portanto, há sempre desafios, no mundo, na Europa e em Portugal. Temos um conjunto de desafios, mas comparados com os dos nossos pais ou avós são bem mais fáceis de gerir. Portugal é membro da zona Euro, é um país que está entre os 30 e 40 países com maiores níveis de bem-estar económico e social. A Europa tem desafios e só não são mais fáceis de ultrapassar porque não é uma União Política, como os Estados Unidos. É uma união económica e financeira, mas com problemas porque não é uma união política, ou seja, um modelo de organização “sui generis” no mundo. A Europa é um conjunto de democracias que exige líderes capazes de partilhar soberanias e eleitorados capazes de compreender quais são os valores permanentes europeus. Este será sempre um modelo com muitos desafios.
Por isso a Europa precisa de mais Europa, defesa, segurança, políticas macroeconómicas, assim como que os governos nacionais sejam reformistas no sentido de fazer crescer a economia. Mas a Europa é o único território que tem um estado-social avançado, mas ainda não interiorizou que para sustentar o estado-social precisa de criar mais riqueza, de mais empresas. Precisa de políticas públicas inteligentes, mas precisamos de empresários. Portugal foi decapitado, em 1975, com as nacionalizações. Criou traumas. Há uma nova geração de empreendedores. Há uma nova geração de quadros. Precisamos, como país, de ter mais ambição para melhorar os níveis de bem-estar económico. As pessoas precisam de perceber que precisamos de mais produção de bens e serviços, de mais valor acrescentado. Precisamos, por isso, de mais educação política, mais educação cívica, técnica e economico-financeira.