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Entrevista: Do Barro Vermelho aos grandes palcos do futebol nacional

13/08/2023 às 10:30
Créditos Fotos: Liga Portugal

A cumprir a sua 16ª época como Delegado da Liga Portugal, Nuno Pedro, abrantino de alma e coração, continua a integrar a elite do quadro de Delegados, depois de em 2018 ter sido considerado o melhor na sua função. Paralelamente, é tesoureiro da Associação de Futebol de Lisboa, tendo ainda sob a sua responsabilidade a coordenação do departamento de comunicação da instituição, de onde se destaca a edição da revista AFL Magazine. Jamais esquecendo as suas raízes, continua a colaborar com a sua terra natal na organização e promoção de eventos desportivos. Porque, como tem orgulho em afirmar, “tudo começou no antigo campo de futebol do Barro Vermelho…”

Entrevista por Jerónimo Belo Jorge Jorge

São 16 anos como delegado da Liga Profissional, ou seja, o trabalho direto com as equipas da primeira e segunda Liga. Qual é efetivamente a função do delegado de jogo?

De uma forma generalista, os Delegados da Liga não são mais do que os representantes da Liga Portugal nos jogos para os quais são nomeados. Em ação autónoma mas complementar com a equipa de arbitragem, atuamos como elemento que garante que os regulamentos são cumpridos, contribuindo para a condução ou supervisão das várias atividades relevantes para a organização do jogo e desenvolvemos interações com todos os agentes desportivos envolvidos visando a melhoria do desenrolar da própria competição. Especificamente, as nossas principais ações passam por facilitar as relações entre os agentes que interagem na organização do jogo: diretor de campo, diretor de segurança, técnico do VAR, comandante das forças de segurança, equipas, equipa de arbitragem, Brigada Antidopagem, comunicação social, entre outros agentes, garantir as condições legais e regulamentarmente exigidas para a realização do jogo, reportar à Direção da Liga Portugal toda a informação prevista e relevante, juntamente com a demais documentação do jogo e preencher o relatório de jogo com todas as incidências que possam existir no mesmo.

Mas em cada partida há mais do que um delegado, sendo que um fica ao nível do relvado e outro na tribuna?

Existem duas situações díspares. No caso dos jogos da Liga Portugal Betclic, ou seja, o principal escalão do futebol português, são nomeados dois delegados, sendo que relativamente ao seu posicionamento durante o jogo, o Delegado da Liga ocupa o lugar que lhe está destinado na tribuna Presidencial do estádio, ao passo que o Delegado de Campo fica localizado na saída do túnel de acesso ao relvado. Já no que concerne aos jogos da Liga Portugal Sabseg, habitualmente é apenas nomeado um Delegado. Contudo e de forma a uma melhor integração e familiarização com todos os processos inerentes à organização do jogo, este é acompanhado por um Delegado Estagiário, primeiramente numa fase de observação, para depois passar à fase prática, envolvendo-se a partir daqui com maior amplitude no cumprimento das funções que estão acometidas aos Delegados da Liga.

Alguns dos jogos, do ponto de vista do que se vê na televisão (fora do relvado), são mesmo truculentos ou são empolados, muitas vezes, pelos planos fechados das televisões?

Os jogos são o que são. Por vezes existem situações que devem ser evitadas, não só em Portugal como em todos os lugares do mundo. Sabemos que não é fácil, mas justiça seja feita, a Liga Portugal tem procurado, através de várias ações, promover o espetáculo e levar ainda mais famílias ao futebol. Veja-se o que está a ser feito para esta época. Sob o “like motive” “O Futebol és tu”, a Liga Portugal tudo irá fazer para, através de campanhas e a envolvência de todos, que as bancadas dos estádios tenham ainda mais famílias, que estas se sintam seguras e possam desfrutar com toda a comodidade do jogo de futebol. É isso que temos de promover, de valorizar. O resto será sempre o resto e tenderá a desaparecer. Mas para isso é necessário o compromisso de todos quantos estamos envolvidos no futebol profissional em Portugal.

Entraste ainda antes do boom das redes sociais. Elas são um dos rastilhos que servem para incendiar os jogos de futebol?

Essa é uma questão de enorme pertinência, seja em que área for e claro que o futebol não foge à regra. As redes sociais têm hoje um poder incomensurável. Para o bem e para o mal. É claro que o futebol também colhe o resultado daquilo que daí deriva. Entendo que devemos ver o lado do copo que está meio cheio e nunca meio vazio. Porque todos temos consciência da influência que as redes sociais têm no nosso quotidiano. E como em tudo, também têm coisas muito boas. São a essas que devemos dar destaque. E o futebol profissional tem aproveitado muito bem esse instrumento para o fazer. Seja a Liga Portugal como também as sociedades desportivas que a integram.

E no que diz respeito à competição, modo geral, o campeonato está mais competitivo ou não?

Sem dúvida, basta atentar para o que se passou na última época. A luta pelo título foi até à última jornada, as posições que dão lugar aos apuramentos para as competições europeias idem, como a fuga às despromoções. E se nos centrarmos na Liga Portugal Sabseg, então aí, as alterações na tabela classificativa registam-se a cada jornada disputada. Costumo afirmar em tom de brincadeira, mas que não deixa de ter a sua razão de ser, que neste campeonato, com duas vitórias está-se nos lugares cimeiros, e ao invés, averbando-se duas derrotas, corre-se o risco de ir parar aos últimos lugares. Penso que é uma ideia que ilustra bem o que se passa. Ainda com outra nota, o facto das equipas desta prova que têm disputado o play-off com as formações da agora denominada Liga Portugal Betclic, terem levado a melhor, assegurando a subida ao principal escalão do futebol português.

A cada jogo vocês têm alguma ligação aos clubes (que organizam os jogos) ou apenas fazem o vosso trabalho?

Desde que chegamos ao estádio, e por vezes até antes, a ligação com os clubes e os vários agentes que connosco partilham a responsabilidade de organizar o jogo é permanente. Diretor de Campo, de Segurança, de Imprensa, entre outros, são elementos preponderantes e com os quais nos complementamos para realizar um trabalho que se pretende que seja a contento de todas as partes. Aliás, se não houvesse relação, o resultado nunca poderia ser positivo. São parceiros fundamentais e dos quais resulta a concretização de tarefas com maior ou menor intervenção por parte do Delegado da Liga. Se essa interatividade for plena e pautada pelo respeito mútuo, o resultado só poderá ser de sucesso.

Há casos em que as claques (organizadas ou não) pressionam os delegados ou passam despercebidos?

Em momento algum isso acontece. Aliás, muito mal estaríamos se um Delegado da Liga se deixasse pressionar, fosse por uma claque ou por qualquer outro agente desportivo. A preparação que temos permite-nos encarar todos os momentos sem sentir qualquer tipo de pressão. Temos é que saber dar a resposta que se impõe em função da situação com a qual possamos ser confrontados.

Os delegados têm formação e são avaliados. Já foste o melhor delegado da liga. É um dos troféus que guardas em local de destaque em tua casa?

Antes de responder à pergunta, permite-me referir o seguinte: desde que foi implementado o plano de formação e avaliação dos Delegados da Liga, aquando da chegada do Dr. Pedro Proença à presidência da Liga Portugal, o nosso paradigma mudou radicalmente. O grau de exigência com o qual passámos a ser confrontados, de forma a que o nosso desempenho fosse de encontro aos padrões de excelência pretendidos, obrigou-nos a reforçar as nossas competências, numa aprendizagem constante. E não se julgue que me reporto apenas a questões regulamentares. Conceitos como a proatividade, assertividade, gestão de conflitos, entre outros, passaram a estar entre os temas em que tivemos de melhorar os nossos conhecimentos. Se a Liga Portugal tem estado a trilhar um caminho de contínua valorização e afirmação do futebol profissional no contexto europeu, os Delegados da Liga não podiam ficar para trás. E penso que nesse particular, a condição de Delegado da Liga é hoje reconhecida por todos os “players” de uma forma muito mais evidente. Felizmente já tive a oportunidade de vivenciar um jogo da Liga Europa e outro da La Liga, este último fruto da parceria que está estabelecida entre a Liga Portugal e a sua homóloga de Espanha e é com todo o orgulho que posso afirmar que os Delegados da Liga não ficam a dever nada, em particular, aos da UEFA, já que em termos do que se passa em Espanha, as competências de cada um são um pouco diferentes. Ao fim ao cabo, complementam-se. Foram aprendizagens que serviram igualmente para nos valorizar sobremaneira. Mas relativamente à pergunta em causa, claro que o troféu de melhor Delegado da Liga conquistado em 2017/2018 está em lugar de destaque. Felizmente, a minha habitação permite-me ter um espaço exclusivamente dedicado às minhas memórias, de várias décadas ligado ao futebol, fosse com praticante, dirigente ou Delegado da Liga. Está tudo guardado religiosamente. Os meus amigos dizem que é o meu “museu”.

O que é que se sente, quando se sabe que, naquele ano, se é o melhor?

Logicamente é um momento de felicidade. É o corolário de uma época de muito trabalho que não se cinge apenas ao jogo do fim-de-semana. É muito mais do que isso. Contudo, dizer que se é o melhor, penso que é um pouco de presunção. Para mim, fui apenas o primeiro classificado após terem sido contabilizados todos os parâmetros avaliativos. Felizmente, desde que existe classificação, tenho sempre ficado nos lugares cimeiros da tabela, o que reflete muito daquilo que é a minha dedicação e o trabalho que tenho desenvolvido todas as épocas. E mais importante que o lugar que se alcança, na minha opinião, é o respeito que sinto que os vários agentes desportivos de todas as sociedades desportivas têm por mim. A forma de estar, a postura que venho mantendo, de profissionalismo, integridade e imparcialidade são valores dos quais jamais abdicarei. No dia que sentisse que não os praticava era o primeiro a abandonar a função. Foi um dia que nunca esquecerei. Por dois motivos: o regozijo por ter conquistado o troféu e de enorme tristeza pelo falecimento do meu amigo e colega na Associação de Futebol de Santarém, Luís Boavida. Infeliz coincidência.

Qual a melhor e a pior situação vivida enquanto delegado?

Ao longo das muitas épocas que levo enquanto Delegado da Liga muitos foram os episódios que vivenciei, alguns deles com grande mediatismo público. Não se trata de serem as melhores ou as piores situações vividas. Foram apenas momentos em que estive de estar preparado para dar a resposta que se impunha na defesa da boa organização das competições e da sua integridade. Foram todas elas, positivas ou nem por isso, que me ajudaram a crescer enquanto Delegado da Liga. E no fim, o mais importante é, ao sairmos do estádio, estarmos plenamente convictos e de consciência tranquila quanto ao trabalho que realizámos, dignificando sempre a nossa função, mas acima de tudo a Liga Portugal.

Para além da Liga continuas ligado ao futebol amador, como dirigente da Associação de Futebol de Lisboa. Em que área concretamente?

Costumo dizer que se não fosse o acidente que tive em 2016, talvez hoje ainda fosse dirigente da Associação de Futebol de Santarém. Quis o destino que fosse convidado uns meses após o infortúnio referido para integrar a Direção da Associação de Futebol de Lisboa. Desde o primeiro mandato, enquanto vogal, assumi o pelouro da comunicação tendo, entre muitas outras competências na área, assumido a responsabilidade da AFL voltar a ter uma publicação periódica, a AFL Magazine, e que ainda hoje se mantém. Um trabalho que me preenche e acima de tudo orgulha tendo em conta que é feito por uma equipa reduzida mas de forma muito empenhada. Faz-me recuar aos tempos do Jornal “Primeira Linha”. Neste segundo mandato, sou igualmente responsável pela área da tesouraria, numa tarefa que também encerra alguma dificuldade mas que, fruto dos excelentes profissionais de que a AFL dispõe, tudo se ultrapassa.

O futebol amador continua a ter vigor ou vai perdendo para outras modalidades?

Não direi que o futebol amador está a perder vigor. Aliás, os números dizem o contrário. O número de atletas inscritos na Federação Portuguesa de Futebol continua a crescer todos os anos, nomeadamente ao nível do futebol feminino. Uma realidade impensável há uns anos. As “joanas marchão” deste país muito têm contribuído para isso.

Mas a nível financeiro vemos cada vez mais clubes a fechar, a mudar para SAD ou até mesmo de nome?

Essa é uma matéria sobre a qual não cabe pronunciarmo-nos. Temos visto parcerias de sucesso, outras nem tanto, mas isso são os responsáveis dos clubes, das sociedades desportivas que têm de avaliar e agir da forma que entendem por mais correta.

Desempenhaste funções diretivas na Associação de Futebol de Santarém, como em vários clubes abrantinos. Continuas com ligações ao distrito e ao concelho de Abrantes ao nível desportivo?

De uma forma ou outra, sou um leitor assíduo de tudo quanto diz respeito ao futebol local e distrital. Porque é uma realidade que conheço bem e da qual não quero perder o contacto. Porque também faz parte de mim. Sempre que me têm solicitado, autarquias ou clubes, tenho colaborado e participado na organização de eventos. Sou abrantino, nunca virei as costas à cidade, à região. Mesmo estando algo distante. E as pessoas sabem disso, que podem contar sempre comigo e principalmente de forma desprendida.

Vais acompanhando o futebol distrital. De fora parece-te que o “distrito” é competitivo?

A competitividade do futebol distrital é sempre proporcional à capacidade de investimento que cada clube apresenta. Infelizmente, o Distrito de Santarém está hoje arredado das competições profissionais, um cenário que gostaria de ver invertido. Porém, não podemos escamotear que muitos dos clubes que estão hoje na primeira divisão distrital tiveram o seu tempo nas divisões nacionais e onde granjearam enorme prestígio. Aliás, o atual campeão distrital, União de Tomar, clube que tive o privilégio de representar no início da década de 90, voltou às competições nacionais, o que não podemos deixar de saudar. Mas claro que gostaria de ver um clube de Abrantes alcandorar-se a esses patamares. Já podia ter acontecido. Não aconteceu. Foi pena.

Como abrantino que continuas a ser, alguma nostalgia dos tempos passados?

Claro que sim. Desde os tempos em que pela mão do meu pai, praticamente desde que nasci, comecei a pisar o Campo de Futebol de Barro Vermelho. Foi aí que tudo começou. A cada estádio que me desloco, a cada delegacia que efetuo, tenho sempre em mente o trajeto que percorri. E creiam que nada me foi dado de mão beijada. Antes pelo contrário. Se cheguei onde cheguei foi graças ao apoio da minha família e amigos, os verdadeiros. Não sou de grandes expressões ou manifestações. Mas sei como cá cheguei.

 

 

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