A falta de água para rega das culturas do aluvião do Tejo, na zona de Abrantes e Constância, começa a ser um problema grave para os agricultores. O tempo quente, com temperaturas na ordem dos 30 graus, e o caudal mínimo do Tejo leva a uma grande dor de cabeça para os empresários que têm dificuldades acrescidas na rega das suas culturas, sendo a maior parte culturas de regadio.
A Herdade Casa da Pedreira, em Rio de Moinhos, é uma das que já tem problemas com os caudais mínimos do rio Tejo. De acordo com os responsáveis, a Herdade tem sete estações de bombagem de água do Tejo, as sete estão a seco. Ou seja, a água do rio corre muito longe do local onde chegam as mangueiras que deveriam levar a água aos 200 hectares de milho, girassol, oliveiras e amendoeiras.
José Maria Falcão, o empresário agrícola, explicou, em declarações à Antena Livre que tem, desde sexta-feira à tarde as sete estações de bombagem paradas. No fim de semana “não consegui regar” afirmou o agricultor, manifestando a esperança que o rio, nesta segunda-feira, levasse mais água. Mas isso não aconteceu e o rio “vai seco, novamente. Isto é um problema recorrente. Todos os anos, tudo o que está a montante da Barragem de Castelo de Bode [n.d.r: a montante da foz do Zêzere, em Constância] sofre estas agruras” disse José Maria Falcão. E acrescentou que há ainda um problema que é cíclico: “a semana passada levava água a mais e esta semana vai seco”.
Neste momento, o empresário diz que paga taxas de recursos hídricos, para poder fazer as regas e não tem água. E a solução à vista, caso o rio não tenha caudal que chegue às estações de bombagem será contratar uma empresa de máquinas rotativas ou escavadoras no sentido de as colocar dentro do rio a abrir canais para fazer com que a água chegue aos chupadores da Herdade. “Já estou a contactar dois prestadores de serviços, com máquinas industriais de grande capacidade para retirar areia, para tentar puxar a água até junto às bombas”, disse o empresário.
José Maria Falcão sabe que esta solução é inglória porque “no dia em que os espanhóis abrirem as comportas, todo este trabalho é levado pela corrente”.
“Eu quero pagar a água, mas quero ter direito a ela”, vincou o empresário que realçou o facto de estar já a fazer contas à rentabilidade da cultura de milho. Como se sabe precisa de muita água e três ou quatro dias sem rega vai ter implicações no crescimento das plantas.
E depois apontou o dedo às convenções entre Portugal e Espanha ao referir que há caudais mínimos semanais. Assim sendo, explicou, Espanha pode deixar passar num dia a água de uma semana, sendo que num dia o rio terá água a mais e nos outros seis água a menos. É um ponto que deve ser revisto, explicou o empresário agrícola.
José Maria Falcão, empresário agrícola
“Os agricultores andam sempre com o credo nas mãos” - Luís Damas
Luís Damas, presidente da Associação de Agricultores de Abrantes, Constância, Mação e Sardoal, esteve presente no local, junto a uma das estações de bombagem da Herdade e reafirmou que “esta é uma situação recorrente quando chegamos a esta altura do ano” e lembrou as negociações da Convenção de Albufeira entre os governos português e espanhol. “São caudais mínimos e são semanais. Basta um dia sem vento para não haver energia eólica. Como os espanhóis têm a Barragem de Alcântara entregue a uma empresa de exploração elétrica, cuja primeira função é a produção de energia, a Barragem larga água quando não há produção de energia eólica na península e inunda-nos. Quando o mercado não lhe é favorável, fecha as comportas e toda esta área até Constância fica dependente da má vontade ou da boa vontade dos espanhóis”, afirmou Luís Damas.
O responsável disse estarem “fartos de alertar para que este caudal mínimo deveria ser diário ou então, ter um caudal que desse viabilidade económica a todas as atividades que estão no curso do rio até Constância ou até Santarém”. Até porque, como afirmou, “um agricultor não pode andar a investir em sementeiras e em culturas permanentes e depois falta-lhe o recurso e como bem referiu José Maria Falcão, pagam a taxa e não têm acesso a esse bem para o qual pagam para ter. E isto é um problema que se vem a agravar todos os anos e a partir de hoje vamos ter mais calor. Se esta e outras explorações pelo Tejo abaixo não tiverem acesso a água, vamos ter problemas de percas de culturas, com prejuízos de milhares de euros”.
Luís Damas voltou a apelar ao Estado e ao ministro do Ambiente “para que tenham, de uma vez por todas, esta situação regularizada com Espanha porque é Espanha que manda no rio Tejo. E não é uma questão ambiental ou ecológica, é puramente economicista. E isso deveria ser compensado de outra maneira”.
“Hoje estamos a olhar para o Tejo e parece uma ribeira ou um regato que está aqui a passar desde sexta-feira”, desabafou o presidente da Associação de Agricultores.
Os contactos têm estado a ser feitos com a APA – Agência Portuguesa do Ambiente, “que é quem regula isto” mas, confessa, “não é fácil”.
O milho é uma cultura exigente em água, o girassol nem tanto, “mas há ainda o olival e as amendoeiras”, ferindo-se à realidade da Quinta da Casa da Pedreira em Rio de Moinhos.
No entanto, lembrou Luís Damas, na região há outras grandes explorações agrícolas que são afetadas, dando como exemplos a Quinta do Taínho, o Casal da Coelheira, o Casal da Coutada... “todas as explorações ao longo do rio Tejo vão ter este problema”. E falamos de cerca de “mil hectares que precisam de água do Tejo”.
Para Luís Damas, este problema deveria ter uma solução de fundo, “que era ter um nível diário de água garantido que satisfizesse todas as partes”. Mas não pode, na opinião do responsável, passar de conversa. “Tem que ser posto no papel até porque os espanhóis estão a cumprir. Mas cumprem à semana, em vez de ser ao dia”. O presidente da Associação de Agricultores desafia os governantes a reverem o acordo da Convenção de Albufeira que permita ter um caudal diário pois “só assim é que se consegue resolver isto”.
As barragens portuguesas no Tejo, Fratel e Belver, “são de fio, toda a água que entra sai e estamos sujeitos à boa ou má vontade de Alcântara, pois Cedillo é igual às nossas”. Luís Damas lembra ainda que, “este ano, se verificarmos a média, a capacidade de Alcântara até está mais alta. Eles têm muita água mas estão a fazer a gestão deles de venda de energia no mercado”.
Para já, a solução imediata é os agricultores “fazerem aqui uma espécie de barragens para afundar o canal. Se eles largarem água por precisarem de energia, rapidamente inundam isto e o trabalho vai mesmo todo água abaixo. Os agricultores andam sempre com o credo nas mãos”.
Luís Damas lembrou ainda que os terrenos de aluvião ao longo do Tejo, especialmente no concelho de Abrantes, com o Taínho e todo o campo de Rio de Moinhos a Constância, bem como de Tramagal a Constância Sul, “é a primeira lezíria que existe no Ribatejo”.
Reportagem da jornalista Patricia Seixas com Luís Damas, à beira do rio Tejo
Jerónimo Belo Jorge e Patricia Seixas