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Chile: Missão Cumprida. Nuno Morgado conta na primeira pessoa a experiência na missão FOCON (c/áudio e fotos)

1/03/2023 às 22:10

Durante 17 dias 144 portugueses estiveram destacados numa missão no Chile a apoiar no combate aos incêndios florestais que estão a devastar hectares e hectares de matas. De acordo com as autoridades chilenas, no sábado (25 fevereiro), tinham ardido 450.000 hectares de florestas.

Esta equipa portuguesa foi composta por operacionais da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), da Força Especial de Proteção Civil da ANEPC, da GNR, do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), das corporações de bombeiros da região de Lisboa e Vale do Tejo e do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM). O chefe da missão da Força Operacional Conjunta Nacional (FOCON) foi o adjunto do comando da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), Mário Silvestre (ex-CODIS de Santarém) e na força de bombeiros estiveram incluídos os bombeiros Rui Alexandre (Municipais de Sardoal), Fernando Maça (Municipais de Alcanena), Rui Ferreira (Municipais de Tomar), Luís Manalvo (Voluntários de Caxarias) e Custódio Oliveira (Voluntários de Ourém). A comandar a força dos bombeiros esteve Nuno Morgado, comandante dos Bombeiros Municipais de Sardoal.

O avião que transportou a FOCON aterrou em Lisboa esta terça-feira, 28 de fevereiro, depois das 18 horas. Foram recebidos pelas autoridades da ANEPC e pelo ministro da Administração Interna, com o espírito de “missão cumprida.”

Menos de 24 horas após ter chegado a Portugal o comandante Nuno Morgado concedeu uma entrevista à Antena Livre. Em Dia Mundial da Proteção Civil, Nuno Morgado, pouco descansou mesmo depois dos quase 11 mil quilómetros percorridos num voo de mais de 11 horas, pois teve logo uma série de reuniões de trabalho no seu concelho e no seu corpo de bombeiros.

“Faço um balanço muito positivo daquilo que foi a participação das forças portuguesas nesta missão humanitária ao Chile. Em concreto, no que diz respeito à força de bombeiros, que comandei é muito positivo. Primeiro porque os bombeiros puderam participar num teatro de operações num país muito similar às características que temos em Portugal e na nossa região”, começou por dizer Nuno Morgado.

A missão [partiu no dia 11 e chegou a 28 de fevereiro] foi deslocada para uma das regiões mais afetadas pelos incêndios, na província de Biobío, tendo a força ficado alojada numa escola na capital desta região, a cidade de Concépcion, a cerca de 500 quilómetros da capital, Santiago. Foram cerca de seis horas de viagem de autocarro, até uma cidade que fica a sul da capital e próxima da costa do oceano Pacífico.

A Base de Operações [BU de acordo com as normas internacionais] ficou numa escola. “Sabíamos que não íamos ficar num hotel, mas ficamos muito bem instalados. Ali montámos a base e dali saíamos todos os dias para as missões que nos eram atribuídas pela CONAF, a entidade no Chile de gere os incêndios rurais”, explicou Nuno Morgado.

 

A adaptação acabou por ser fácil. E em relação à língua ajuda muito utilizarmos “o portunhol”, ou seja, “a falar com calma.” O povo chileno foi muito acolhedor, diz, relatando que desde a chegada a Santiago, até chegarem à base foram muito bem colhidos.

No que diz respeito ao clima confessa que ia com algumas preocupações, pois é um país com 4.300 quilómetros de comprimento e tem, por isso, climas muito diferentes. Se é verdade que a zona de Santiago é mais quente, seca e árida, a zona da província de Biobío é mediterrânica e próxima da costa. Quer dizer que é muito próxima do clima português.

Já em relação à alimentação a força portuguesa ia com uma missão autónoma, mas as autoridades chilenas providenciaram, pelo menos, uma refeição quente. A autonomia era feita com as rações de combate, mas na base a alimentação era fornecida pelas autoridades locais.

“Se é verdade que algumas diferiam, mas outras eram muito similares. E depois, à boa maneira portuguesa, alguns iam comprar alimentos às cadeias de supermercados da cidade e confecionavam na base”, comenta com um riso. “Há sempre alguém que não gosta disto ou daquilo.”

 

Mas quando se parte numa missão, apesar de os operacionais terem toda a informação da mesma disponível há sempre expectativas que se criam, sobre aquilo que vão encontrar. “O levantamento tinha sido feito pela ANEPC, mas nós próprios também o fizemos. E sabíamos que era densamente florestada, que tinha espécies resinosas [o pinheiro radiata] e outras espécies na base do eucalipto. Verificamos que existe algum ordenamento florestal, mas a gestão florestal difere da nossa. E essas características criou-nos algumas contrariedades, mas nada que não tivéssemos à espera”, destacou o operacional. E explicou que a vegetação cresce muito mais rapidamente que em Portugal [um pinheiro em Portugal demora cerca de 40 anos a crescer, ali demora cerca de 20]. E depois são zonas, afirmou, com muitos matos e arbustos, com uma carga combustível muito elevada. Ou seja, houve a necessidade de adaptação rápida aquelas condições.

Por outro lado, nos teatros de operações que estiveram, há um registo de vales encaixados “como temos em Abrantes e Vila de Rei, nas encostas para a Albufeira do Castelo de Bode, mas sem água”.

“Estas condições levam a que tivemos que fazer uma grande adaptação ao trabalho que eles lá fazem. Cá [Portugal] temos recurso às linhas de água das viaturas e no Chile não. Tínhamos de fazer o trabalho de combate indireto através de ferramentas manuais”, notou Nuno Morgado, ou seja, o trabalho de sapador.

E acrescentou que num dos dias fizeram uma viagem de quase duas horas de autocarro e foram “descarregados” num planalto densamente florestado e a partir daí, fazer esse trabalho de contenção das linhas de fogo, de forma indireta. Ou seja, fazer o trabalho que os chilenos fazem quando vêm ajudar no combate aos incêndios em Portugal.

Um dos teatros de operações foi em Nacimiento, a 157 quilómetros da base. Quase duas horas de viagem de autocarro.

 

Outros teatros de operações foram mais perto, em Hualqui, a 26 quilómetros de Concépcion, e em Chiguayante, a 18 quilómetros da base. É, aliás, nesta localidade que fica um dos momentos mais marcantes desta força de bombeiros.

Foram colocados próximos da povoação e numa zona em que estavam em perigo vários cães. Nuno Morgado conta que fizerem o que fazem: “defender pessoas e animais.” Abriram as portas para os cães saírem, mas numa zona já queimada viram um animal ferido, com a cabeça e as patas queimadas. Foram busca-lo e entregaram-no aos donos. “Fizemos o nosso trabalho.”

Só que os donos não esqueceram o gesto dos operacionais portugueses e, uns dias depois, foram a Concépcion, à base lusa, fazer um agradecimento especial. “É um momento que nos marca. Um agradecimento sentido”, recorda Nuno Morgado. “Até fizeram um cartaz escrito em português. E levaram o animal. É daqueles momentos que nos toca a todos, mesmo sabendo que é a nossa função”, remata o comandante. “Quando vimos o cartaz tivemos de imortalizar logo esse momento. Nem tinha a noção do quão importante foi aquele ato”, acrescenta.

 

Nuno Morgado faz um agradecimento à ANEPC pelo convite, pois é um reconhecimento do seu trabalho para uma missão internacional a representar Portugal e os bombeiros portugueses. Do ponto de vista pessoal vinca: “trabalhamos uma vida inteira para este tipo de situações.” E na mesma linha acrescenta “se é verdade que me preocupei em cumprir com todas as obrigações, aqui no Sardoal ou noutras missões da região e do país, ser reconhecido para esta missão representa um enorme orgulho.”

Rui Alexandre (Municipais de Sardoal), Fernando Maça (Municipais de Alcanena), Rui Ferreira (Municipais de Tomar), Nuno Morgado (comandante Municipais de Sardoal), Luís Manalvo (Voluntários de Caxarias) e Custódio Oliveira (Voluntários de Ourém)

Mas há um momento “complicado” que cada um gere “à sua maneira. É um momento pessoal.” E trata-se, obviamente, da família. É certo que a família de um bombeiro ou de uma bombeira é sempre o esteio da estabilidade emocional nos momentos que porventura pedem ser mais difíceis, mais perigosos. É o aconchego de qualquer operacional. Mas a pergunta tinha de ser feita, como se diz à família “vou 15 dias em missão para o Chile” e como reagem as pessoas mais próximas.

Nuno Morgado não tem problemas em responder. Falando na sua situação pessoal, aponta o momento do último almoço em família [a 11 de fevereiro]. Com três filhos, crianças, em casa “foi comovente.” A mais velha tem 12 e a mais velha tem 6 anos, e ainda há a do meio, e elas dão-me força. “Foi o período em que estive ausente de casa mais tempo, e mais distante. Digamos fui para o outro lado do mundo. Há uma necessidade de fazer a gestão destes momentos.”

Mas o operacional diz que as tecnologias encurtam as distâncias. Se não fosse assim era muito mais difícil. “E era algo a ver, quando as 8 ou 9 horas da noite, quando chegávamos à base [eram 23 hora sou meia-noite em Portugal] os operacionais a correr à procura de rede para falar com os familiares. E depois iam então descansar para o trabalho do dia seguinte.”

Nuno Morgado, comandante Bombeiros Municipais de Sardoal

Há outra pergunta. Todos nos percebemos que a vida de bombeiro acarreta uma “dose” de perigo, mesmo com todos os cuidados e com toda a formação. A FOCON não registou qualquer incidente, acidente ou lesão grave. Apenas cansaço e, alguns casos, uns quilos a menos. Mas numa missão em “território desconhecido” houve momentos de perigo, houve sustos.

Nuno Morgado não foge à pergunta e confirma que houve alguns em várias vertentes. “Nós eramos deslocados para as frentes de fogo em miniautocarros. Todas as ações eram feitas em serras com declives muito acentuados e tínhamos de ter muito cuidado. Mas tivemos sustos nas deslocações de autocarro. O tipo de condução é muito diferente. E também as frentes de chamas. Combater as frentes de chamas, muito intensas, com ferramentas manuais e sem a salvaguarda das linhas de mangueira [como em Portugal] acrescenta outros riscos.” Refere que algumas vezes ecoavam nas cabeças a pergunta: “mas será que estamos aqui seguros?” Mas indica que nunca houve problema e “estivemos sempre em segurança.”

Em modo conclusão garante: “Esta missão vai-nos marcar para o resto da vida.”

A última foto da FOCONCHILE 

Missão portuguesa esteve 17 dias no Chile

O contingente português de 144 elementos que esteve no Chile a apoiar no combate aos incêndios florestais que atingem aquele país sul-americano chegaram hoje a Lisboa, após terem estado empenhados em “cinco teatros de operações diferentes”.

Em declarações a jornalistas no Terminal Militar de Figo Maduro, o chefe da missão da Força Operacional Conjunta Nacional (FOCON) da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), Mário Silvestre, adiantou que todos os palcos de intervenção eram “muito complexos” e de “grande dimensão”.

“Um dos incêndios tinha à volta de 130.000 hectares. Era um complexo de incêndios que se juntaram. Era um cenário muito complexo. Um flanco de mais de 100 quilómetros”, recordou.

O comandante da missão afirmou que os operacionais estiveram “empenhados até ao último dia”, mesmo depois de as autoridades chilenas terem pedido à FOCON - composta por bombeiros, militares da GNR e pessoal médico - para prolongar a sua missão na província chilena de Concepción por mais três dias.

“Demos um contributo muito positivo. Foi uma entreajuda fantástica, com as forças chilenas, no combate aos incêndios”, realçou.

Mário Silvestre quis deixar ainda uma palavra de incentivo aos outros 143 elementos que o acompanharam no combate aos fogos no Chile, dizendo que “tiveram uma postura fantástica”.

Chile com um verão dramático nos incêndios

Para além de Portugal, Espanha e França também ofereceram ajuda, tendo Madrid disponibilizado duas equipas de combate a incêndios florestais terrestres, num total de 28 pessoas, e uma Equipa de Avaliação e Aconselhamento de Combate a Incêndios Florestais de dez peritos.

França destacou uma equipa de 80 bombeiros.

De acordo com um balanço divulgado no sábado, dia 25 de fevereiro, pelo Serviço de Prevenção e Resposta a Desastres (Senapred) do Chile, os hectares destruídos pelos incêndios nas últimas três semanas ultrapassam os 450.000.

São os fogos mais mortais registados no país sul-americano nos últimos dez anos, com 25 mortes contabilizadas até ao momento.

O Ministério Público chileno está a investigar a origem e pelo menos 44 suspeitos por fogo posto já foram detidos.

No sábado, 25 de fevereiro, em todo país, foram registados 224 incêndios florestais. Quase 6.000 operacionais continuavam a combater os fogos ativos.

As regiões de Biobío, Ñuble e La Araucanía são as mais afetadas.

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