Um destino como objetivo. Uma conversa que muda o rumo e permite subir a serra à descoberta de um baloiço, algures, lá no topo do “Bando”. Perdemo-nos na serra, encontramos o baloiço e mais do que isso. Encontrámos miradouros e paisagens fenomenais. Aqui ao lado, em Mação.
Reportagem: Jerónimo Belo Jorge
Fotos: Carolina Ferreira
A ideia era muito simples. Fazer uma reportagem sobre os recantos da região. Aqueles que poderiam ser um destino ou uma fuga nestes meses mais quentes de verão. Locais aqui pelo Médio Tejo, pelo centro do país.
Desde logo um dos locais escolhidos foi o Parque de Merendas do Chão do Brejo. Concelho de Mação. Porque alia a Serra à natureza e deixa ainda no ar o cheirinho a atividades, eventualmente, mais radicais. O cheirinho a atividade física ou gastronómica. Mas o cheirinho a adrenalina, confesso, é mais forte.
Foi aí que na companhia da Carolina Ferreira, de máquina fotográfica em riste, encetámos um caminho simples. Simples, mas que viria a ser uma aventura.
Logo em Mação tivemos de decidir qual dos dois caminhos iríamos seguir. Porque há essa opção. Pelo lado da aldeia de Casas da Ribeira ou pela do Pereiro. A distância é semelhante, mas o caminho diferente. Optei por seguir pela via Casas da Ribeira. Viagem foi calma e tranquila. Não nos cruzámos com nenhum carro. Ao chegar a um entroncamento que dá acesso à Aldeia de Santos, resolvemos entrar na povoação. Apenas vimos um homem, de idade, que caminhava para a saída da aldeia e, dentro da povoação, um casal de descarregava lenha de um pequeno trator agrícola. De resto as pessoas, idosas seguramente, estariam recolhidas ou andariam pelas hortas.
Ainda espreitamos a serra para onde queríamos ir e, do outro lado, isolada no cimo de um morro uma capela bem pintada. O branco das paredes e o laranja do telhado destoavam do castanho das pedras e terra cada vez mais despida de vegetação.
Voltamos à estrada que nos haveria de levar à nossa meta, numa zona ainda com vegetação bem verde. Uma das poucas encostas que continua viva. Foi, por isso, o período de olhar, com calma, à volta e tentar imaginar o inimaginável verão de 2017. Imaginar a imensidão das matas e daquelas encostas a arder, literalmente. Imaginar as dificuldades de combate. Imaginar o pânico daquelas pequenas aldeias. Imaginar os gritos das pessoas, a sua aflição e, acima de tudo, a sua impotência face à mão do inferno. Ali ao lado são duas mãos cheias de pequenas povoações “encrostadas” na serra. Estradas estreitas e, nalguns casos, sinuosas por entre as encostas daquela zona cheia de vales e montes. Mas há momentos que nos fazem sorrir, dentro daquilo que nos pode entristecer. A Carolina grita-me “cuidado”. À nossa frente uma perdiz atravessa-se na estrada, com meia dúzia de filhotes atrás. Ela bem tentou apontar a máquina às aves, mas estas, com a presença do carro, escapuliram-se pela berma, voltando a embrenhar-se numa zona de arvoredo e algum palhiço. Ali passaram a confundir-se com o habitat. Tentámos, alguns instantes, perceber se as conseguíamos ver, mas não. Tornaram-se “invisíveis”.
Voltamos à viagem que tínhamos traçado. Sempre a observar uma zona que, noutros tempos, terá tido muitos daqueles terrenos cultivados com hortas e com as árvores a indiciarem isso mesmo. Igualmente o ganha pão de muitas famílias, com toda a certeza.
Chegamos a outro casario estendido ao longo daquela estrada. Ao entrarmos na aldeia do Castelo podemos ver, lá no alto, as torres de produção de energia eólica. Procuramos as placas de sinalização que nos possam “mandar” para o Parque de Merendas do Chão do Brejo. Aquela que salta mais à vista é uma placa em madeira e manuscrita com tinta branca. Depois vemos então as outras placas que nos encaminham para o nosso destino. No chão está a placa [que não vimos na primeira passagem] que nos remete para um miradouro e baloiço. Sim, algures lá em cima, na serra, haverá um baloiço. Mas já lá vamos.
Comecemos pela subida para a serra. Os três quilómetros que nos irão levar ao tão aguardado Parque de Merendas.
Subimos e subimos. São troços, uns com alcatrão e outros em terra batida. É uma estrada, estreita, onde se circula bem, mas com muitas curvas, como é natural quando se entra em zonas de maior altitude.
Teremos feito mais de metade da subida. Ou ouvidos fazem notar que vamos ganhando altitude. Encontramos a placa de madeira, escrita à mão, com a indicção “Parque de Merendas Chão do Brejo”. À esquerda curvamos e podemos ver à nossa frente uma zona verde com umas construções. Não se percebe logo o que é. Que tipo de estrutura, nem o que lá encontramos.
Deixamos o carro no largo, encostado a uma árvore, para o proteger do sol quente, e avançamos para os patamares. Ali onde corria a fonte, com água que escorre das entranhas da serra, por entre as pedras. Água natural e fresca. Bem fresca. Foi ali mesmo que, já lá vão alguns anos, tudo começou. Que começou com o sonho de um presidente de junta, já falecido. Adílio Barbeiro teve no Chão do Brejo uma “menina dos seus olhos”. Foi criando ali uma infraestrutura que permitisse fazer um churrasco. Colocou um telheiro com umas mesas para os convivas se poderem sentar e comer. Foi assim o início. Muito simples que as juntas de freguesia têm parcos recursos.
Depois, ao longo dos anos, essas mesmas estruturas foram crescendo. A Junta de Mação passou a União das Freguesias de Mação, Aboboreira e Penhascoso, mas continuou a ter no Chão do Brejo uma zona especial. Continuou a fazer crescer aquela zona de lazer na encosta da serra.
Agora tem mais sombras. Mais árvores. Para além dos pinheiros naturais da encosta da serra. Tem mais mesas e bancos para quem quiser merendar. Tem uma espécie de tanques com água e muitos espaços ajardinados e, por isso, mais coloridos. Tem uma latada, com as videiras morangueiras. Três funcionário da União das Freguesias que limpavam o espaço, depois de um convívio que ali tinha juntado, dias antes, duas centenas. “São uvas morangueiras. São do Castelo”, atirou à pergunta se já fazem vinho. O espaço tem também dois loureiros. “Olhe, podem apanhar umas folhas para os molhos dos grelhados”, e aponta para zona dos assadores. E depois continua: “Tivemos aqui uma festa e peras. Agora temos de limpar”.
Enquanto observamos o espaço, agradável sem dúvida, a pergunta a um dos homens, de pele escura bem queimada pelo sol:
“Então, e diga-me lá onde é o baloiço que há para aqui?”
O homem, coça o bigode, e olha para a zona mais alta da serra. Estica o dedo e aponta lá para cima:
“É algures para ali. Vê além aquelas pedras. É para ali”.
Percebe-se que não foi lá. Que é em zonas de acesso mais difícil. Mas encetamos o desafio de tentarmos encontrar o tal baloiço que nos falaram.
Primeira barreira. À saída do Parque de Merendas temos um cruzamento. Qual devia seguir?
A esquerda está fora das opções, uma vez que, percebemos claramente que nos vai levar à zona das torres eólicas.
Escolho ir em frente, naquela via que apresenta uma placa com indicação de estradão florestal. Mas assim que avançamos, percebemos também que aquela estrada de terra vai para outra direção que não o topo. Que não para onde queríamos ir.
Fazemos inversão de marcha e voltamos atrás, ao cruzamento para seguirmos pela via da direita. A mais íngreme. A que se apresenta menos fácil para um automóvel ligeiro. Se fosse um jipe, um todo-o-terreno, não haveria dúvida alguma. Mas com um carro comercial houve que medir bem a possibilidade de circularmos. Lá seguimos com muita calma, entre pedras, covas, troços mais irregulares e pinheiros queimados pelo fogo de 2017, que ainda estão tombados na berma.
Subimos devagar. E é num desses momentos que olhamos a paisagem [ao nosso lado direito] e temos a primeira surpresa. A paisagem. Fantástica. Lá de cima [sem sairmos do carro] olhamos para um “infinito” em que podemos identificar, longe, a Central Termoelétrica do Pego, que se torna a maior referência de localização.
A Carolina Ferreira olhou-me, em jeito de desafio disse:
“Vamos subir mais, certo?”
Mesmo sem saber se íamos bem, continuamos a subir. Devagar. Ali há zonas de pinheiros muito novos que estão totalmente ardidos. E imaginei, novamente, que no meio desta serra, com estradas íngremes e encostas de difícil acesso, o verão de 2017 terá sido mesmo um inferno inimaginável.
Ainda a subirmos, mais um entroncamento. Ali podemos ver duas placas que na primavera de 2017 teriam uma qualquer indicação escrita. Mas depois do fogo são uma marca castanha que perdura na paisagem. Nova opção pela direita. Pareceu mais adequado tentar subir para a zona mais alta. É nestas zonas que costumam estar os miradouros.
Por ali devemos ir bem pois encontramos várias marcas de sinalização dos trilhos. E vemos uma ou outra placa a indicar “trilho do Brejo”. A dada altura chegamos a duvidar se vamos na direção correta. É que a deslocação mais vagarosa parecia demorar tempo demais.
Insistimos. Tínhamos de tentar chegar ao baloiço. Já que estávamos a subir, teríamos de tentar ir até onde pudéssemos. Haveria de ser por ali, algures no meio da Serra do Bando.
Segunda boa notícia pouco depois. À nossa esquerda surge uma estrutura construída. Construção mais recente, pois percebemos que é de cimento e com pedras a decorar as paredes. E ao chegarmos mais perto percebemos que é o miradouro. No alto da serra, quase no topo, numa escarpa. Tem um gradeamento em ferro para permitir olhar para o fundo da encosta em segurança.
A Carolina Ferreira avança para fazer os registos através da lente e eu tento fazer a localização das aldeias que ficam ali nas proximidades. Olho em frente. Frei João, Sanguinheira, Carvoeiro, Balancho, Maxieira, Capela. Aldeias “perdidas” na serra e pontuam com os núcleos de casas aqui e ali.
Dizem os mais velhos, e os que conhecem aquelas bandas do “Bando”, que em dias mais límpidos conseguem avistar a serra da Estrela. Dizem. Nós tentámos, mas como estava um final de manhã quente embora ainda com neblina, não conseguimos ter o prazer de ter esse vislumbre.
O miradouro tem uma rocha ao lado, em jeito de escarpa. É outro miradouro, mas sem segurança e, por isso, desaconselhável.
No cimo daquele monte praticamente não há árvores. Ambiente com muitas pedras, arbustos e as flores da serra. Mato, rosmaninho, tojo e outras espécies vegetais. As borboletas apanhavam as pequenas correntes de ar e davam ao local uma espécie de magia natural. As abelhas, e os zangões, voavam de flor em flor num zumbido bem sincronizado, enquanto os pássaros se ouvem mais longe. Mas ouvem-se. E isso coloca-nos numa ausência total de ruído humano. São minutos para apreciar a paisagem. As linhas curvas de nível definidas em torno dos montes. À volta das aldeias. Olhamos o horizonte para leste. Algures à esquerda ficará a Castelo Branco e à direita Portalegre.
Depois seguimos mais uns metros para a outra parte do topo da Serra do Bando. Ali, a 100 metros ou pouco, vemos então o outro miradouro, mais especial. Sem a estrutura construída do anterior, mas um quadro perfeito para uma fotografia com um cenário natural fantástico. “Sou de Mação” está escrito na madeira da moldura gigante. E, antes, um baloiço. O tal baloiço que nos “manda” sentar a ver o que há para ver. E é qualquer coisa.
Santos, ali em baixo. Parece lá em baixo mesmo. Lá mais à frente a aldeia do Pereiro ou a vila de Mação. Conseguimos identificar a Central Termoelétrica do Pego e, mais longe, a cidade de Abrantes. Estamos a mais de 600 metros de altitude e com uma paisagem muito similar à do lado oposto.
É ali que nos “deixamos perder” nas paisagens, na observação da natureza. No pensamento de como deve ter sido um inferno o verão de 2017. Temos essa perceção e imaginamos como seria aquela paisagem mais verde. Mas sentarmo-nos uns minutos no baloiço e, por uns minutos que seja, deixarmo-nos ir no balanço, transporta-nos para um filme da Disney, ou para um mundo de fantasia.
Temos um espaço destes. E curiosamente, ou não, mesmo ao lado. É por aqui que ficamos uns bons pares de minutos entre o trabalho de fotografia da Carolina Ferreira e as fotografias para guardar nas nossas memórias pessoais. Estamos bem ali. Apesar de ter ardido em 2017, respira-se natureza. E as únicas construções humanas à nossa volta são apenas o miradouro em pedra e do outro lado baloiço e moldura em madeira. Numa zona um pouco mais alta ainda, estão umas torres de comunicações. O resto é a paisagem magnífica da serra.
Quando começámos a descida da serra, com os mesmos cuidados pelo estradão irregular, vidros abertos entra-nos o cheiro característico das cabecinhas de S. João. E como estávamos em alturas dos santos populares aquele cheiro intenso da planta ativa o banco de memórias da cultura das nossas aldeias. Mas isso são outras estórias, outros escritos.
Descemos até ao cruzamento do Parque de Merendas e experimentamos e ir pelo caminho à nossa esquerda. Vamos em direção ao parque eólico que está instalado naquela zona. Subimos por um novo estradão, que andava em trabalhos de limpeza das bermas, e encontramos uma charca de dimensão razoável. Trata-se de uma, das muitas charcas, que existem dispersas pelo concelho de Mação e que são pontos de abastecimento de helicópteros ou autotanques dos bombeiros. Contornamos a “lagoa” e estamos mo meio dos “moinhos” gigantes que rodam as pás para produzir eletricidade.
Aqui imagino as viagens de D. Quixote de La Mancha, do seu cavalo Rocinante, e do seu escudeiro Sancho Pança. E imagino as lutas do D. Quixote com os gigantes [os moinhos] nas incursões que fez por territórios da Mancha, Aragão e Catalunha.
Apetecia ficar por ali. Entre o Parque de Merendas de Chão do Brejo e o miradouro ou o baloiço da Serra do Bando. Mas como não era possível, deixamos o nosso olhar, em palavras e fotografias.
O título desta reportagem está errado. É enganador porque não nos perdemos na serra. Não perdemos a orientação geográfica.
Perdemo-nos sim, mas nas paisagens e na beleza que por ali encontramos.
Então, desse modo sim: Perdidos na serra!
Nota 1: Coordenadas GPS para facilitar que se “percam” na serra:
-Castelo: 39°36'21.8"N 8°00'09.5"W
-Parque de Merendas Chão do Brejo: 39°37'10.7"N 7°59'18.1"W
-Miradouro e baloiço da Serra do Bando: 39°36'42.6"N 7°58'12.5"W
Nota 2: Percurso a partir da vila de Mação
De Mação sai em direção a Carvoeiro e segue depois por Casas da Ribeira, passando ao lado de Santos e do Caratão, até chegar ao Castelo. Aí, à direita tem o entroncamento para subir pela serra até ao Parque de Merendas. São 12,6 quilómetros e estima-se que uma viagem sem percalços dure menos de 20 minutos.
A segunda opção é sair, igualmente, de Mação, em direção a S. Miguel e Vale de S. Domingos, voltando no Pereiro para chegar ao Castelo. Nesta aldeia o percurso é o mesmo até ao Parque do Brejo, a meio da serra. São cerca de 11 quilómetros e qualquer coisa como 15 minutos de viagem.
Se preferir começar a viagem logo do Castelo até ao Parque de Merendas são três quilómetros e do Parque de Merendas de Chão do Brejo ao miradouro e baloiço da Serra do Bando são 2,2 quilómetros. Este troço poderá ser feito em modo caminhada pelo estradão e seguindo o Trilho do Brejo.
Se preferir ir de automóvel fique atento pois o estradão é na serra, piso irregular e não adaptado a carros baixos.
Poderá sempre estacionar no Parque de Merendas do Chão do Brejo e seguir em modo passeio, a pé, seguindo as placas do Trilho do Brejo.
Desfrute uma paisagem magnifica e faças as suas fotos para as redes sociais, para mostrar aos amigos, ou apenas “para mais tarde recordar”.