A Agência para Gestão Integrada de Fogos Rurais considera que é necessário recuperar “o ritmo de concretização” do programa “Aldeia Segura”, que visa garantir uma maior proteção em caso de incêndio, lamentando que se encontre “substancialmente abaixo da ambição” inicial. Mas será que é mesmos assim?
Reportagem de Jerónimo Belo Jorge
No relatório de 2023 do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais (SGIFR), a AGIF precisa que, no ano passado, o programa “Aldeia Segura, Pessoas Seguras” observou um acréscimo de 12 aglomerados envolvidos (+0,5%), passando-se de 2.230 em 2022 para 2.242 em 2023, o que significa que fica “90% abaixo do objetivo anual” definido pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), que era de mais 111 aglomerados.
“Estes números mantêm-se substancialmente abaixo da ambição inscrita no Plano Nacional de Ação (7.000 aldeias em 2030). Comparando com a evolução observada de 2021 para 2022 (+160) e com a tendência que se observa desde 2018, 2023 foi o ano com menor aumento desde o início do programa”, precisa a AGIF.
Com estes dados do relatório da AGIF do ano passado fomos ver o território do Ribatejo Interior e do Médio Tejo e naquilo que são os números dos Municípios e da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil existem algumas disparidades. Por exemplo, para a ANEPC o Município de Abrantes só tem as aldeias do Carril e Sobral de Basto, em Carvalhal, como “Aldeias Seguras” quando, na verdade tem nove no programa, três quase concluídas e mais três em estudo. O caso de Sardoal é ainda mais exemplar. A ANEPC Médio Tejo indica o projeto “Aldeia Segura” em Santa Clara, Casal dos Pombos, Lameiras, Lomba e Montalegre, mas dados do Município de Sardoal indicam que o território tem “só” 32 povoações com o projeto implementado.
O que é que está na génese desta disparidade, nalguns casos “gritante”, dos números? É que para a ANEPC uma aldeia apenas é considerada “Aldeia Segura” quando tens os Kits, as placas de sinalização, a palestra explicativa com presença do oficial de segurança e o simulacro ou exercício. E é neste último ponto que está a causa da existência de números diferentes. É que a ANEPC só contabiliza o projeto fechado quando se cumprem todos os requisitos. Nos números existentes nos municípios estão contabilizadas todas as que têm todos os passos cumpridos, com exceção do simulacro. Mas todas têm oficial de segurança, refúgios, abrigos ou pontos de encontro, têm igualmente as placas de sinalização e as palestras feitas junto dos habitantes.
Aldeia Segura, Pessoas Seguras
Criados em 2018, os programas “Aldeia Segura” e “Pessoas Seguras” pretendem criar estratégias de proteção dos aglomerados populacionais em caso de incêndios rurais e incentivar a participação das populações.
Este programa é implementado no terreno pela ANEPC, câmaras e juntas de freguesia.
Apesar de 2.242 povoações terem aderido em seis anos ao programa “Aldeia Segura”, apenas menos de metade (916) tem planos de evacuação para fogos, segundo dados do documento.
A AGIF indica também que no âmbito deste programa existem 2.095 oficiais de segurança, que tem como missão na aldeia transmitir avisos à população, organizar a evacuação do aglomerado em caso de necessidade e fazer ações de sensibilização junto da população.
O Serviço Municipal de Proteção Civil de Abrantes indica as seguintes aldeias com o programa: Sentieiras; Medroa; Carregal e Maxieira; Carril e Sobral Basto; Matagosa e Matagosinha; Maxial e Maxial do Além; Vale Açor; Casal do Rei, Arneirinho e Perofarinha; e Alagoa, Giesteira e Conheira. Água das Casas e Bioucas têm ambas o projeto concluído, faltando apenas entregar o Kit ao oficial de segurança. Em S. Domingos (Carvalhal) já só falta definir o oficial de segurança do projeto. Em estudo estão mais três projetos de segurança para Vale de Tábuas (Carvalhal) Entre-Serras e Lercas (Mouriscas).
Manuel Jorge Valamatos, presidente da Câmara de Abrantes, vincou a importância destes programas que permitem “criar mecanismos de controlo para responder à proteção das pessoas. Todos os passos dados nas aldeias com o programa em funcionamento pretendem ajudar a comunidade.”
Mação tem o programa implementado em Chão de Lopes, Pereiro, Aldeia Eiras e Castelo. De notar que Mação tem feito um outro trabalho, de lastro, com a criação de nove Áreas Integradas de Gestão da Paisagem.
Vasco Estrela, presidente da Câmara de Mação, destacou todo o trabalho que tem vindo a ser feito pela Aflomação, naquilo que é a “revolução” que já começou a mexer com o território do concelho.
O Município de Sardoal, desde 2019, tem implementado o programa em trinta e oito (38) aldeias (todas as que são “possíveis”), com 64 oficiais de segurança local designados e com as reuniões anuais preparatórias realizadas. Há cinco com simulacros realizados (as que estão referenciadas pela ANEPC), estando previstos para este ano previstos mais três simulacros.
Miguel Borges, presidente da Câmara de Sardoal, revelou ter todas as aldeias cobertas com o programa Aldeia Segura, pessoas seguras e adiantou que o seu Município vai mais longe do que os padrões exigidos no programa. “Nalguns casos temos dois oficiais de segurança e até casos com três oficiais de segurança.” E sobre os trabalhos no terreno, mesmo que falte o tal simulacro que a ANEPC diz ser necessário para ter os programas fechados o autarca destaca antes o trabalho feito pela Proteção Civil Municipal que, por exemplo, no primeiro sábado de julho, volta a reunir todos os oficiais de segurança do concelho num encontro de formação, informação e atualização de procedimentos. “Todos sabem o que fazer se a aldeia for ameaçada pelo fogo”, destacou.
Para Miguel Borges este programa é fundamental, já que estes oficiais de segurança são pessoas da terra, conhecidas e que conhecem bem todos os pormenores. Se há pessoas em dificuldade de locomoção ou se as pessoas estão na aldeia ou fora, ou se têm família ou estão sozinhas. “É diferente ter alguém conhecido a dar indicações ou ter um elemento dos bombeiros, ou GNR que ninguém conhece. Acresce dizer que os oficiais de segurança nunca vão estar em contacto com o fogo, fazem um trabalho de antecipação de ajuda aos operacionais.”
Constância tem três projetos “Aldeia Segura, Pessoa Segura” nas suas três freguesias, embora apenas Montalvo esteja concluído de acordo com os critérios da ANEPC. Sérgio Oliveira, presidente da Câmara de Constância, destacou a importância do projeto, porquanto os oficiais de segurança têm um conhecimento global das aldeias. Até mesmo, vincou, com a fixação de famílias em casas, por vezes, mais isoladas “são eles que os conhecem e fazem os contactos para a eventualidade de incêndios ou outras catástrofes.”
Vila Nova da Barquinha não tem qualquer localidade com este programa implementado, uma vez que o seu território assenta na floresta.
Condomínios de Aldeia ou o regresso à gestão da paisagem
O programa “Condomínios de Aldeia” tem como objetivo dar apoio e resiliência às aldeias localizadas em territórios vulneráveis de floresta. O Programa apoia um conjunto de ações destinadas a assegurar a alteração do uso e ocupação do solo e a gestão de combustíveis em redor dos aglomerados populacionais.
Os condomínios de aldeia incentivam os proprietários a assumir a manutenção dos terrenos garantindo a sua limpeza e promovendo uma ocupação do solo geradora de rendimentos. Têm uma forte componente participativa e de envolvimento da comunidade local, em prol do desenvolvimento económico sustentável destes aglomerados populacionais. Ou seja, só há programa a funcionar se os proprietários dos terrenos nas zonas identificadas fizerem a adesão. A ideia é muito simples, é criar mosaicos distintos de ocupação do solo que permitam descontinuar a floresta e permitam travar ou reduzir a intensidade de um incêndio que possa ameaçar o local em causa.
Olhado para o território de Abrantes, há 13 Condomínios de Aldeia aprovados no norte do concelho e outros 12 em processo de candidatura, cujos prazos terminaram a 30 de junho.
A Associação de Agricultores de Abrantes, Constância, Sardoal e Mação tem a responsabilidade dos Condomínios de Aldeia em Matagosa, Matagosinha, Água das Casas e Maxial.
Já a empresa Gestiverde, entidade Gestora da ZIF Aldeia do Mato, tem a responsabilidade de nove Condomínios de Aldeia em Aldeia do Mato, Cabeça Gorda, Carreira do Mato, Rio de Moinhos, Pucariça, Aldeinha, Arco, Martinchel e Giesteira.
Neste ano de 2024, a TAGUS (Associação para o Desenvolvimento Integrado do Ribatejo Interior) avançou com a candidatura de 12 territórios que podem vir a ter este trabalho de mosaicos no território. E as candidaturas apresentadas a 30 de junho são para os Condomínios de Aldeia de Sentieiras, Paul, Abrançalha de Cima, Abrançalha de Baixo, Mouriscas, Entre Serras, Amoreira, Alminha Velha, Casal do Rei, Casal da Serra, Bairro Cimeiro e Bairro Fundeiro.
Manuel Jorge Valamatos, presidente da Câmara de Abrantes, destacou a importância destes programas que permitem intervir no território, com a criação de mosaicos à volta das aldeias, para descontinuar a floresta. “Começamos no norte do concelho com a Associação de Agricultores e com a Gestiverde e agora avançamos com a Tagus para outras zonas do concelho. É mais uma forma de tentar mitigar as ameaças dos incêndios.”
O Sardoal tem feito também uma aposta fortíssima nestes projetos, como forma de defender as suas aldeias de um flagelo que regularmente visita estes territórios. Em 2022 o Município candidatou três condomínios com um investimento de 150 mil euros. Estes três condomínios são: 1A em Santa Clara, Casal Pedro da Maia e Chã Grande, com 12,6541 hectares (51% do total); 1B em Amieira e Mogão Cimeiro com 14,6854 hectares (51% do total); e 1C em Montalegre, Lomba e Casal dos Pombos com 9,9743 hectares (42% do total) têm execução prevista até novembro de 2024.
Na candidatura de 2023 (num valor aproximado de 300 mil euros) o Município candidatou sete novos territórios para condomínios de aldeia: Freguesia de Alcaravela (Pisão Cimeiro; Saramaga); Freguesia de Santiago de Montalegre (Lobata; Mogão Fundeiro); Freguesia de Sardoal (Valongo; Entrevinhas; Palhota). Neste momento está a ser feito o processo de angariação de aderentes. Há ainda uma outra candidatura de 2023 (174 mil euros) através da Associação de Agricultores dos Concelhos de Abrantes, Constância, Sardoal e Mação que se candidatou a mais quatro projetos: Freguesia de Alcaravela (Tojeira e Casal Velho); Freguesia de Santiago de Montalegre (Codes e Portela da Selada).
Já este ano o Município de Sardoal apresentou uma outra candidatura que poderá aplicarse a 17 novos lugares em todas as freguesias (exceto Valhascos, devido às regras da Direção-Geral do Território). É uma candidatura de meio milhão de euros.
Também em relação aos Condomínios de Aldeia o presidente da Câmara de Sardoal destacou a importância da criação destes mosaicos como forma de proteção das povoações, para além de poder trazer algum rendimento. Ao fim e ao cabo é voltar a colocar os terrenos à volta das povoações a ter a ocupação que tinham nos anos 50 ou 60 do século passado e, com isso, poderem funcionar como tampão ou travão para um fogo que possa chegar descontrolado dos territórios florestais.
Mação, por exemplo, tem uma aposta mais forte nas AIGP (Áreas Integradas da Gestão da Paisagem) com nove áreas aprovadas e à espera de poderem entrar no terreno, o que já começou em Ortiga e Envendos. Mesmo assim o Município de Mação tem em curso uma candidatura para a criação de Condomínios de Aldeia em diversas localidades situadas fora das zonas intervencionadas pelos projetos das AIGP. Para Vasco Estrela é um programa que vem reforçar as mudanças da paisagem, perto de povoações, que não estão incluídas nas áreas das nove AIGP programadas para o concelho.
Mação tem em curso uma candidatura para vários Condomínios de Aldeia, fora das zonas intervencionadas pelos projetos das AIGP. Para Vasco Estrela é um programa que vem reforçar as mudanças da paisagem, perto de povoaçoes, que não estão incluídas nas nove AIGP programadas para o território.
Constância não tem nenhum projeto Condomínios de Aldeia uma vez que apenas a freguesia de Constância é elegível e sendo a freguesia urbana tem pouca área agrícola para criar os mosaicos à volta da povoação.
Vila Nova da Barquinha tem em curso a intenção de poder criar um condomínio de Aldeia em Praia do Ribatejo. É a única freguesia onde é possível criar este plano de modificação da paisagem, à volta do povoado.
O caso de Vila de Rei
O concelho de Vila de Rei, que integra a Comunidade Intermunicipal e o Comando Subregional da Proteção Civil da Beira Baixa, tem as três freguesias (Fundada, São João do Peso, Vila de Rei) como territórios prioritários. O concelho tem em curso a criação de duas Áreas Integradas de Gestão da Paisagem (AIGP).
Neste momento tem Vilar de Ruivo com projeto “Aldeia Segura, Pessoas Seguras” implementado. No que diz respeito aos condomínios de aldeia, estão implementados em Brejo Fundeiro de Monte Novo e em fase de conclusão Cercadas. Em processo de contratação Aveleira e Macieira. E em curso está também uma candidatura da Junta de Freguesia de Vila de Rei, com o apoio do Município, para criar condomínios de aldeia em Vale da Urra (do Meio e Cimeiro) e Várzeas.
Queimas e Queimadas
No relatório de 2023, a AGIF dá também conta da diminuição do número de riscos das queimas e queimadas, indicando que, embora tenha havido avanços na regulamentação do uso do fogo técnico, alguns objetivos previstos para 2023 “foram alcançados com atraso”.
Como exemplo, refere que a adesão dos municípios à plataforma de apoio às queimas e queimadas ainda não é total. Segundo a AGIF, até 30 de setembro de 2023, tinham aderido a esta plataforma 272 municípios, faltando “apenas seis municípios”.
A plataforma das queimas e queimadas desenvolvida no Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) desde 2019, registou no ano passado um aumento significativo dos pedidos e comunicações processados, ascendendo a 1.165.352 pedidos e comunicações, resultando num aumento de 13% face a 2022, concluindo a AGIF que este acréscimo foi “fortemente contributiva para a diminuição do número de ignições ligadas ao uso do fogo”.
A Segurança das Aldeias no Médio Tejo florestal
O comandante nacional de emergência e proteção civil admitiu que o programa “Aldeia Segura”, que visa garantir maior proteção em caso de incêndio, não tem crescido à velocidade desejada, mas considerou que o mais importante é melhorar o que existe.
“Elas [Aldeia segura] têm vindo a aumentar. De facto, não tem sido à velocidade que desejávamos, mas mais do que aumentar o número o que tem vindo a ser feito é cimentar os números que temos, ou seja, nós temos desenvolvido um programa muito importante junto dos municípios que adotaram e também apoiam este programa na manutenção, quer seja com exercícios e simulacros, com a revisão dos planos e com um trabalho muito importante junto da população”, disse André Fernandes, em entrevista à agência Lusa.
Criado em 2018, o programa “Aldeia Segura, Pessoas Seguras” pretende criar estratégias de proteção dos aglomerados populacionais em caso de incêndios rurais e incentivar a participação das populações.
Este programa é implementado no terreno pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), câmaras e juntas de freguesia.
Dados da ANEPC indicam que 2.242 povoações aderiram em seis anos ao programa “Aldeia Segura”, mas menos de metade (918) tem planos de evacuação para fogos.
Aldeia Segura, Pessoas Seguras
Os números oficiais do Médio Tejo
Abrantes 2
Alcanena 9
Constância 1
Ferreira Zêzere 16
Ourém 14
Sardoal 5
Tomar 23
Torres Novas 3
Mação 4
No Médio Tejo há uma diferença entre os números apresentados pelas várias entidades, sendo nos concelhos da área de influência do JA paradigmáticos nestas diferenças. Abrantes e Sardoal são concelhos catalogados pela ANEPC como tendo, respetivamente, dois e cinco projetos Aldeia Segura, quando na realidade a contabilização aponta 11 em Abrantes e 32 em Sardoal.
David Lobato, comandante sub-regional da Proteção Civil no Médio Tejo desdramatizou esta diferença justificando apenas que os projetos estão, efetivamente, criados e aplicados, mas do ponto de vista da ANEPC só ficam 100% fechados quando são testados. Quer isto dizer que só ficam contabilizados quando têm simulacros ou exercícios executados. O Comandante explicou que, do ponto de vista operacional, todas estas aldeias integram a plataforma e os oficiais de segurança estão registados. Ou seja, no caso de existir um incêndio que se aproxime de uma destas aldeias o projeto é executado. David Lobato vincou que a funcionar bem é preciso perceber que os oficiais de segurança nunca chegam a contactar diretamente com fogo, porque têm um trabalho muito anterior.
O comandante sublinhou a importância de colocar a funcionar os projetos Aldeia Segura, pois em caso de necessidade são estes projetos que vão garantir a segurança de todas das pessoas das aldeias (idosos, acamados, pessoas de mobilidade reduzida) para que os bombeiros e outros operacionais possam combater o fogo e não andar a retirar pessoas que possam estar em perigo.
David Lobato explicou que o Médio Tejo tem quase 300 projetos Aldeia Segura no terreno e não apenas cerca de 80 que são as que, efetivamente, cumprem todos os requisitos exigidos.
Os números oficiais do país (AGIF)
2 272 Aglomerados envolvidos
2 122 Aglomerados com Oficial de Segurança
960 Planos de Evacuação
513 Simulacros
1 462 Locais de Abrigo
1 473 Locais de Refúgio