O município de Vila de Rei, distrito de Castelo Branco, só conheceu um impulso reformista e progressista a partir de 1990, disse à agência Lusa o vice-presidente da autarquia, destacando a construção de acessos viários.
Paulo César Luís faz parte da geração de políticos que nasceu depois do 25 de Abril de 1974. Não se identifica com o hino da terra, que canta um povo pobre e esquecido no interior de Portugal, mas reconhece que era esse o sentimento de quem habitava o centro geodésico do país.
Hoje o concelho é atravessado pela variante da Estrada Nacional 2, que encurtou “o tempo” para chegar a Abrantes e à Sertã, e que liga à A23, já concluída nos anos 2000. Ir a Lisboa, recordou, era “uma jornada”.
"Foi com esta estrada [variante Nacional 2], já no final dos anos 90, que sentimos que efetivamente pertencíamos a este país e que não eramos um ponto esquecido no mapa", contou o autarca.
Mesmo as trocas comerciais com os municípios vizinhos eram dificultadas pela velha e serpenteada estrada, tanto para norte, como para sul. O acesso mais direto a Ferreira do Zêzere era a travessia de barca.
“Só ganhamos um impulso extra com a construção da ponte (em 1993/94), que nos facilitou e muito a relação comercial com o concelho de Ferreira do Zêzere e novamente estamos a entrar nos anos 90. Aquilo a que nós assistimos é que desde o 25 de Abril até 1990, só a partir dos anos 90 é que sentimos um impulso reformista e progressista no concelho de Vila de Rei, até aí não”, afirmou.
Numa edição de dois volumes da Câmara Municipal de Vila de Rei (Contrastes e Transformações), assinala-se a mudança de regime em 1974 e o “isolamento” e “atraso” em que estava mergulhado o concelho, como “tantos outros”, bem como a construção de infraestruturas nos anos que se seguiram.
“Havia a estranha convicção de que as estradas, principalmente a estrada nacional, era coisa má, pois representavam uma porta de saída”, lê-se no segundo volume. Eram necessárias quase seis horas de caminho para percorrer os 170 quilómetros que separam Vila de Rei de Lisboa.
Foi também nos anos 90 que o município começou a ser servido por uma rede de água potável, a partir da albufeira de Castelo de Bode, que pôs termo às captações precárias e sem controlo de qualidade, provenientes de furos e minas.
“A minha aldeia estava com valas por todo o lado”, recordou o autarca, confessando que o episódio que mais o marcou da chegada do progresso à aldeia onde nasceu, Milreu, foi quando um dos irmãos caiu dentro de uma vala do saneamento: “Foi uma festa [risos]. Para o meu irmão não foi uma festa, mas para nós foi, porque ele ficou numa vala que era muito superior a ele. Também dá para ver as condições de segurança das obras naquela altura, era de qualquer maneira”.
O concelho vivia muito da extração de madeira e o comércio era “arcaico”, admitiu Paulo César Luís. Levavam-se as cabeças de gado vivas até Abrantes, para a feira, “numa jornada extraordinária”, que se repetia no regresso, “sempre a pé”.
“É indescritível isto, mas era assim que se vivia na altura”, afirmou. A prática manteve-se mesmo depois do 25 de Abril.“O tempo que demorávamos a chegar a Abrantes era quase o que demoramos hoje a chegar a Lisboa”, sublinhou.
Além de estradas, foi necessário abrir outros caminhos nos últimos 50 anos. “Tivemos de crescer mentalmente para começarmos a crescer economicamente”, defendeu o autarca, referindo-se aos passos que foi preciso dar na educação. A grande maioria da população era analfabeta ou tinha poucos anos de escolaridade, não chegando a concluir a quarta classe.
A Universidade Sénior de Vila de Rei reúne hoje pessoas com diferentes tipos de formação, tenham ou não conseguido prosseguir os estudos. O leque de atividades vai do teatro ao 'walking football', modalidade em que é proibido correr, apenas se pode andar. Os participantes têm quase todos mais de 65 anos e andam “bastante entusiasmados”.
José Costa, 61 anos, participa nos treinos quando é desafiado. Mudou-se de Azeitão (Setúbal) para Vila de Rei, onde a mulher tem família, e começou por frequentar as aulas de teatro. Na juventude, fez teatro e integrou bandas que tocavam nas aldeias. Com a saída da professora de teatro da Universidade Sénior, foi convidado para assumir a função.
Agora quer criar em Vila de Rei um grupo de teatro:“Tenho um projeto aqui e já falei na câmara, está aprovado, para formar um grupo de teatro independente, amador, e abrir à comunidade. A minha ideia é misturar o pessoal da Universidade Sénior com as pessoas de fora. Já tenho dois miúdos. Leram uma peça que escrevi e gostaram imenso. Estamos agora na fase de tratar dos seguros, aquelas burocracias todas. A minha intenção é misturar as pessoas”, avançou.
Outro projeto que pretende concretizar, mas ainda a reunir financiamento, é levar as pessoas de Vila de Rei a lugares onde nunca foram. “Há pessoas aqui que nunca viram o mar”, revelou.
Lusa