E se um feixe de luz pudesse manter sua forma enquanto viaja, como uma onda que desliza sem esforço pela água? Uma equipa internacional, que inclui Marco Piccardo, professor no Instituto Superior Técnico, publicou um artigo na revista Nature que não só confirma essa imagem, mas também anuncia grandes avanços na tecnologia da área da fotónica. Desenvolveu um impulso ótico que se comporta como uma onda solitária em lasers em escala de chip, uma redução de escala que promete revolucionar aplicações que podem ir desde a espectroscopia até a deteção ambiental.
A equipa, que inclui também investigadores das universidades TU Wien, Harvard e de um consórcio de institutos de investigação italianos, dedicou-se ao desenvolvimento de uma tecnologia laser sóliton (termo para designar ondas solitárias de estabilidade sem variações) em escala de chip, comprimindo o que antes exigia grandes configurações numa forma compacta. Esta miniaturização pode ser crucial, especialmente em campos onde o espaço e a eficiência são primordiais, como nas áreas de monitorização ambiental, diagnósticos médicos e de segurança.
Marco Piccardo, também investigador no Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores para os Microsistemas e Nanotecnologias (INESC MN) e co-supervisor deste trabalho explica: “Quando começámos a explorar esses lasers de anel semicondutor [em chip] em 2020, observámos uma física interessante, como uma forma de turbulência ótica, mas a ideia de criar pulsos solitários nessas cavidades parecia improvável. Esta descoberta não apenas miniaturiza os sólitons para uma escala portátil mas também permite sua extração eficiente da cavidade, graças a uma porta ativa que projetámos, acoplada ao anel”. A arquitetura desse acoplador externo é descrita detalhadamente num artigo complementar a ser publicado na Nature Communications.
Os lasers sóliton, conhecidos por gerar impulsos ultracurtos de luz, existem em sistemas de mesa, como fibras, mas são tipicamente volumosos. A descoberta desta equipa de investigação miniaturizou os lasers sóliton em anéis microscópicos com novas aplicações numa forma compacta. Estes lasers operarem na faixa espectral do infravermelho médio, crucial para aplicações na área da saúde e do ambiente, uma vez que nesta região do espectro electromagnético existem impressões digitais moleculares de muitas substâncias.
Esta estrutura de luz única foi teorizada pela primeira vez pelos físicos japoneses Nozaki e Bekki no contexto da celebrada equação de Ginzburg Landau, um pilar da física. Tais fenómenos têm sido elusivos, observados principalmente em fluidos e sistemas químicos, até agora.
O registo da primeira onda solitária aconteceu em 1834, quando o engenheiro naval escocês John Russell foi o primeiro a testemunha-la num canal de água. Observou uma onda provocada por um barco que manteve sua forma e velocidade por milhas sem se dissipar, seguindo-a inclusivamente a cavalo. Esta “onda de translação”, como Russell a nomeou, era um monte solitário de água, persistindo contra todas as probabilidades.
Instituto Superior Técnico