A palavra sal foi-nos deixada pelos latinos (“sal, “salis”), que tanto a empregavam para designar o produto extraído por evaporação da água do mar, como para aludir, em sentido figurado, à vivacidade, à finura cáustica, ao espírito picante, ao bom gosto, à inteligência, mas também à esterilidade e ao infortúnio. E foi assim, com estes diversos sentidos, que o sal entrou na nossa linguagem quotidiana, da menos à mais erudita.
Tal não aconteceu com o termo equivalente, “halós”, trazido pelos gregos, cuja passagem na Península, muito anterior à ocupação romana, não teve nem a duração nem a importância desta outra importante civilização. Apenas no jargão científico e tecnológico dispomos de vocábulos construídos com base no grego. Diz-se que um solo é halomórfico quando salgado, que um organismo é halofílico quando suporta bem a presença de sal e chama-se halogenetos ou halóides ao conjunto dos minerais salinos, entre os quais a halite, o mineral (cloreto de sódio) essencial do sal-gema.
Em química, sal é um composto resultante da interacção de um ácido com uma base, ou da acção de um ácido sobre um metal. Cloretos, sulfatos, brometos, iodetos, fosfatos, etc. são sais. Porém, todos eles necessitam de um qualificativo que os distinga dos restantes. É o caso do sal de Vichy (bicarbonato de sódio), do sal de Glauber (sulfato de sódio), do sal de Bertholet (clorato de potássio), do sal de Epson ou sal amargo (cloreto de magnésio), e de muitos outros. Só o cloreto de sódio dispensa esse cuidado. Basta-lhe a palavra sal dita ou escrita isoladamente. É este o constituinte essencial quer do sal marinho (explorado em salinas ou marinhas de sal, à beira-mar), que usamos na cozinha, quer da halite, o mineral do sal-gema extraído das entranhas da Terra, em minas.
A seguir à água, o cloreto de sódio é o composto mais abundante à superfície da Terra, na maior parte dissolvido na água dos oceanos, onde entrou, primeiro, na sequência da diferenciação planetária que deu origem à crosta, à atmosfera e à hidrosfera e, depois, em resultado da meteorização das rochas e transporte para o mar dos respectivos produtos de alteração. O cloreto de sódio contido nos oceanos actuais envolveria o planeta com uma camada de sal com cerca de 50 m de espessura.
Certamente porque a vida surgiu no mar, a água e também o sal são partes integrantes e vitais dos organismos. E nós não fugimos a esta regra. Temos sal em todos os líquidos orgânicos: nas lágrimas, na saliva, na urina e no sangue. O sal é-nos, assim, a nós e aos animais, absolutamente indispensável, nas quantidades higienicamente recomendáveis.
A importância do sal no nosso quotidiano é notória, evidenciando-se através de um conjunto de vocábulos, dos mais vulgares aos mais eruditos: Salada, no feminino é um prato de vegetais em cujo tempero entra o sal, mas no masculino, salado, significa salgado, do mesmo modo que salão é terreno salgadiço, salgadio ou salino. Salário, foi ração de sal usada com forma de pagamento aos soldados romanos e tem hoje o significado de remuneração. Saleiro tanto é o recipiente onde se guarda o sal, com o qual salpresamos ou salpicamos os alimentos no prato, como é o homem que vende sal ou o que o produz, isto é, o salineiro ou marnoto. Mas saleira é o barco de fundo chato, do Vouga, que transporta o produto do seu trabalho. Salero, no dizer de espanhóis e também de portugueses, é graça, vivacidade, e salmurdo é sinónimo de sonso ou matreiro. Salga é o acto de salgar, que o que os nossos pais e avós faziam aos toucinhos e outras carnes, após a matança do porco, na salgadeira, e às sardinhas que acomodavam em barricas para abastecer as populações do interior. Salgadinhos, comemo-los como aperitivos ou fazem o almoço frugal de muitos e salganhada ou salmonada é a falta de arrumo, é a confusão. Salgados são as terras baixas, alagadiças, invadidas por águas cuja salinidade ou salugem as torna salgadiças, sendo nestas baixas que, preferencialmente, se instala a salicultura. Salicáceas são as plantas de uma família botânica e salinómetro é o aparelho que mede o teor de sal. Salícula ou salífero é o terreno que produz sal. Salmoura é água mais ou menos saturada de sal, como a que conserva o atum e salmoeira, a vasilha. Salobra ou salmaça é a água mais ou menos contaminada com sal. E, para terminar, salsa, como adjectivo, é o mesmo que salgada; como substantivo é sinónimo de molho e é a erva que usamos como tempero de muitas confecções culinárias.
Galopim de Carvalho