A Entidade Reguladora da Saúde (ERS) recebeu, no ano passado, 994 queixas relacionadas com problemas no acompanhamento de doentes aos serviços de urgência, um direito consagrado na lei há uma década.
O recente desaparecimento de uma senhora com Alzheimer, após ter sido impedida de entrar acompanhada nas urgências do Hospital Francisco Xavier, alertou para as falhas na aplicação de uma legislação que existe desde 2014.
O direito a entrar acompanhado em qualquer serviço de saúde dá especial atenção às crianças internadas, pessoas com deficiência, em situação de dependência ou doentes em estado final de vida.
No entanto, continuam a existir casos de cuidadores impedidos de acompanhar os doentes, contou à Lusa Catarina Alvarez, da Associação Portuguesa de Familiares e Amigos dos Doentes de Alzheimer.
Nos dois últimos anos, a ERS recebeu quase duas mil reclamações relacionadas com falhas no acompanhamento durante a prestação de cuidados: Em 2022 foram 1.018 queixas e, no ano passado, outras 944.
São raros os casos em que o incumprimento da lei leva ao desaparecimento das pessoas, mas são muitas as histórias de quem é impedido de acompanhar familiares ou amigos, sublinhou Catarina Alvarez, acrescentado que ainda recentemente soube de mais uma situação.
A Lusa falou com uma família que vivenciou essa experiência recentemente. Inês (nome fictício) contou que a mãe deu entrada nas urgências de uma unidade hospitalar em Coimbra, onde a sua cuidadora foi impedida de entrar, apesar de terem alertado o hospital de que a senhora tinha Alzheimer.
“Durante mais de 48 horas não soube onde estava a minha mãe”, contou à Lusa Inês, acrescentando que optaram por não fazer queixa, porque a família teme ter de regressar à mesma unidade hospitalar.
Tal como este caso, também não aparecem nas estatísticas oficiais muitos dos desabafos feitos junto da Associação Portuguesa de Familiares e Amigos dos Doentes de Alzheimer.
“Estas situações acontecem com alguma frequência. A maior parte das vezes o desfecho é positivo, a pessoa é encontrada pelo familiar ou por alguém, mas o risco de desaparecimento é bastante elevado e a pessoa pode não ser encontrada”, alertou Catarina Alvarez.
Por isso, a Alzheimer Portugal subscreveu a petição lançada este mês pela família de Avelina Ferreira, de 73 anos, que desapareceu a 12 de dezembro do ano passado. O abaixo-assinado pede mecanismos que previnam o desaparecimento de pessoas com demência.
A senhora deu entrada nas urgências do São Francisco Xavier sozinha porque o marido foi impedido de a acompanhar. Depois de sete horas na sala de espera, a família apercebeu-se que ela tinha desaparecido.
“Também nós fazemos um apelo aos cidadãos para subscreverem a petição, porque esta é uma forma de tornar visível este problema para melhorar a prevenção e resposta”, disse a porta-voz da associação.
Ao longo dos anos, a ERS emitiu já várias instruções aos serviços de saúde para que fossem corrigidas as falhas detetadas no direito ao acompanhamento dos utentes e em dois casos a ERS avançou com processos de contraordenação, revelou à Lusa o gabinete de imprensa da ERS.
Nenhum dos casos envolveu docentes com demência. Uma das queixas remonta a 2017 e ocorreu no serviço de Oncologia Médica do Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil; outro aconteceu em 2018 no Centro Hospitalar Universitário do Algarve. Ambas as unidades de saúde foram multadas com uma coima de 2.500 euros.
Em 2017, a filha de uma paciente com cancro internada em estado muito grave, “com indicação dada pelos clínicos de que teria cerca de 24 horas de sobrevida, pediu para passar a noite junto da sua mãe”. O pedido foi negado.
Em 2018, a falha deveu-se ao dever de garantir o direito do acompanhante ser informado em tempo razoável sobre a situação do doente. A mãe da denunciante foi informada da morte da mãe apenas três dias depois do ocorrido, na sequência de uma tentativa de visita.
Silvia Maia e Helena Neves, Lusa