Desempenha atualmente as funções de vice-presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, mas liderou o Executivo da Câmara Municipal de Mação nos últimos 11 anos. Sobre o passado e deitando um olhar ao futuro, falámos com Vasco Estrela
Por Patrícia Seixas
Começamos pela atualidade… como, quando e por parte de quem recebeu o convite para vice-presidente da CCDR Centro?
Ester processo final, iniciou-se em princípios de novembro. Recebi, de facto, um contacto de um membro do Governo a sugerir-me esta possibilidade. Depois de ponderar e tendo em consideração algumas abordagens que também tinha recebido num passado relativamente recente, entendi que dera chegada a hora de aceitar este desafio. As circunstâncias que me levaram a aceitar foram várias e diria que há um ano e pouco, era muito pouco previsível que esta situação se viesse a concretizar ou a acontecer. Principalmente para um lugar destes e muito menos por parte do Governo porque, na altura, em novembro de 2023, não era o partido do qual sou militante que estava em funções. Duvido que o Partido Socialista tivesse a lembrança de me convidar. Houve, portanto, algumas alterações de circunstâncias, a primeira das quais, obviamente, esta. A segunda e não menos importante, o facto de já terem surgido outras conversas e a possibilidade de eu deixar a Câmara ter estado em cima da mesa…
Houve, portanto, essas abordagens…
A partir do momento em que eu sou um presidente de Câmara em final do mandato sem a possibilidade de me poder recandidatar, que tenho o historial que tenho, em que algumas pessoas podem reconhecer algum valor no trabalho que desenvolvi, estando o partido de que sou militante no Governo e nomeando pessoas para cargos de confiança política – porque é disto que se trata e não há que esconder esta verdade – é normal que possam ter surgido algumas conversas, mas as coisas nunca se desenvolveram. Até porque estávamos em períodos complicados, por alturas do Verão, com as características do nosso concelho de situações que poderiam acontecer, como aconteceram no passado, havia uma série de projetos que estavam na fase final para serem lançados, havia a circunstância de querer deixar muitas coisas encaminhadas… portanto, em novembro, quando esta abordagem final me foi feita, penso que estavam reunidas grande parte das condições para eu tomar a decisão que tomei.
Foi uma decisão difícil de tomar?
Foi. Obviamente que foi uma decisão difícil. Primeiro, porque eu tinha dito que era minha intenção cumprir o mandato até ao fim – e era – mas desse ponto de vista não cumpri na íntegra aquilo que tinha dito. Houve um conjunto de fatores que pesaram, obviamente que me custou. Foram 23 anos da minha vida… a forma como me agarrei às funções antes de ser presidente, o amor que tenho por esta terra e por estas pessoas, a seriedade que penso que sempre mantive nas minhas funções… tudo isso fez com que as coisas me custassem. Também não nego que, principalmente no último ano e meio ou dois anos, um conjunto de situações que foram acontecendo me foram desgastando, magoando, e creio que tudo isto contribuiu para que eu tomasse a decisão que tomei.
Em concreto, quais são agora as suas novas funções?
Em 2023, através da desconcentração dos serviços e com a extinção das direções-regionais de agricultura, o Governo anterior integrou estes serviços nas cinco Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional. E esta área específica de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, pensou o Governo e acho que bem, que havia alguma lacuna daquilo que é a gestão em concreto destas áreas, uma vez que não havia nenhuma tutela no âmbito das CCDR’s que «tomasse conta» destas áreas. Tendo em atenção a importância destes sectores para o desenvolvimento das respetivas regiões e, consequentemente, para o país, o Governo entendeu que era importante que houvesse uma figura exclusivamente dedicada a esta área, com dependência direta do senhor ministro da Agricultura. É essa a minha missão, o trabalho de coordenação e implementação dessas políticas públicas e a articulação entre os diversos serviços. É um trabalho muito estimulante, que vai exigir bastante de mim e que espero que possa estar à altura das responsabilidades, no sentido de conseguir as melhores soluções e dar os melhores contributos possíveis para desenvolvimento da região.
É uma grande área de intervenção, sendo que abrange muitos municípios, bem como Comunidades Intermunicipais...
É um território extenso, com 77 municípios, e muito trabalho pela frente. Temos as antigas sub-regiões da Guarda, Viseu, Aveiro, Leiria, Coimbra e Castelo Branco, com vários outros polos importantes de desenvolvimento agrícola, como na Anadia, Nelas ou Covilhã… temos, portanto, muita matéria para trabalhar.
“Foi uma decisão difícil. Houve um conjunto de fatores que pesaram, obviamente que me custou. Foram 23 anos da minha vida…”
Esteve 23 anos na Câmara de Mação, passou por vários cargos, mas vamos focar-nos nos 11 anos de presidência. Olhando para trás, qual o balanço que faz?
Sinceramente, acho que é um balanço positivo. De uma forma geral, as coisas correram bem. Enfim, uns anos com várias vicissitudes, vários problemas, mas faz parte da vida, muito mais da vida autárquica e da vida política. Foram mandatos que, todos eles, tiveram situações que nós não controlamos, que não estão sob domínio da Câmara mas que nos bateram à porta, como a troika, os incêndios, a pandemia… mas fazer a gestão desses processos fez parte da vida. De uma forma geral, creio que conseguimos cumprir grande parte daquilo com que nos comprometemos e, desse ponto de vista, acho que foi positivo. Algumas coisas não foram conseguidas, o que também é normal. Acho que tivemos uma relação de grande proximidade com a população, fizemos muitas coisas muito interessantes com as associações do nosso concelho, creio que conseguimos aumentar a autoestima das nossas pessoas, criámos bom ambiente… agora, enfim, fica sempre um amargo de boca por não ter concretizado três ou quatro obras que gostaria de ter feito.
Que obras são essas?
Nomeadamente, a reabilitação da vila de Mação, que está em andamento mas não está pronta, a questão do Museu de Envendos, a recuperação dos passadiços… são algumas das que gostava de ter deixado já feitas. Mas lá está, a perceção de que tinha deixado todas estas situações e outras encaminhadas, fez com que a minha decisão fosse a que foi, com maior tranquilidade. Em resumo, acho que aquilo que fica do meu trabalho é positivo. Sinceramente, creio que a esmagadora maioria da população também acha isso. Sempre fui um defensor intransigente dos interesses deste concelho e destas pessoas. Posso ser acusado de muitas coisas mas disso não. Acho que sempre viram em mim um representante à altura porque creio que sempre respondi bem e de forma cabal àquilo que eram as minhas responsabilidades, mas também há sempre quem ache o contrário.
O que é que mais mudou em Mação nos seus mandatos?
Se falarmos em termos do que é mais visível para as pessoas, de infraestruturas, hoje temos uma rede viária incomparavelmente melhor do que estava quando fui para presidente. Mas, relativamente a isto, quero dizer que eu, ao contrário de outros, assumo na íntegra todo o trabalho e toda a herança do Saldanha Rocha [anterior presidente da Câmara], do qual fui vice-presidente durante cinco anos, facto de que muito me orgulho e é a ele que devo o facto de aqui estar agora. Quando eu digo que está muito melhor, é no sentido de que fizemos coisas que não foram feitas no passado, por razões várias… porque havia outras prioridades ou outras coisas para fazer. Também fizemos melhorias na reabilitação do espaço urbano, não só na sede de concelho como nas localidades, também em termos de pavimentação, a reabilitação, por exemplo, de quatro equipamentos muito relevantes na nossa sede de concelho, como o antigo quartel dos bombeiros, o cineteatro, as piscinas, o museu, a reabilitação de inúmeras escolas… desse ponto de vista, acho que conseguimos realmente fazer e deixar marca. Por outro lado, acho que também conseguimos afirmar Mação no contexto regional e sermos vistos de uma outra maneira, tentando dar um ar de maior modernidade. E naquilo que era o mais fundamental, e era um processo longo, desde 2003 se vinha iniciando e que tinha a ver com a questão da floresta – fulcral, essencial no nosso concelho – conseguiu-se, pela forma como todos bem sabem, através do PRR, encontrar agora, finalmente, instrumentos para fazerem as coisas acontecerem. E eu acho que aí o papel da Câmara foi determinante. Porque demos todo o apoio que era possível dar ao António Louro, com custos para mim, em termos pessoais, políticos e outros, porque fiz aquilo que tinha que fazer para ser coerente com aquilo que eu sempre disse. Acho que desse ponto de vista deixamos uma marca profunda no nosso concelho e que, espero eu, possa vir a perdurar. Também acho que a relação que estabelecemos com a população em geral, e também com a maioria da oposição, foi muito saudável. Espero, sinceramente, que se possa manter no futuro. Quem acompanhou o nosso trabalho percebeu, e as pessoas no terreno perceberam, que houve uma tentativa clara do presidente Vasco Estrela de tratar todos por igual. Os resultados eleitorais não foram por acaso, com duas vitórias com mais de 63%. Quer dizer que as pessoas perceberam que uma coisa eram aqueles 15 dias de campanha eleitoral, outra coisa depois era o tratamento. E digo que isso também me custou algumas incompreensões, eventualmente por parte do meu partido. Por tudo isto, acho mesmo que o resultado é positivo.
Foram feitos investimentos em áreas que não eram muito faladas há uns anos, como o turismo... como deixa o concelho neste setor?
Em termos turísticos, várias vezes me lamentei por não ter havido uma maior aposta por parte dos privados naquilo que eu achava, e acho, que é essencial para o concelho para complementar aquilo que é a nossa oferta em termos de recursos. Falo das praias fluviais e mesmo de algo muito relevante e que às vezes nos esquecemos, que foi a aposta nas Rotas de Mação, com um investimento financeiro muito significativo. Tentámos colocar Mação no mapa, tirando partido daquilo que são os nossos recursos naturais, fazendo intervenções nos espaços que tinham maior potencial, fazendo melhorias contínuas nas praias fluviais, os passadiços estão no processo que todos sabem… tentámos afirmar o concelho nesse aspeto. Quero dizer também que, apesar de não ter aparecido um grande hotel, Mação tem hoje cerca de 300 camas no âmbito do Alojamento Local, felizmente, um pouco espalhadas por todo o concelho, especialmente nas aldeias, o que é um bom sinal. Implicou a reabilitação de habitações, implica vida, e se as pessoas vêm para cá e há investimentos, é porque o concelho tem potencial. Acho que esta é uma área que deve vir a ser melhor explorada no futuro – espero que o próximo Executivo tenha essa capacidade, que nós, provavelmente, não tivemos – e que tenha também condições de outros operadores se poderem juntar no esforço que a Autarquia e outros, nomeadamente as Rotas, foram fazendo.
E a saúde? Dessa área não se pode dizer que tenha ficado melhor, bem pelo contrário... Como se sente um presidente de Câmara que, não tendo responsabilidade direta sobre o funcionamento das instituições, se veja muitas vezes acusado de não resolver os problemas?
Sinto-me impotente, sinto-me triste e tenho pena da ignorância das pessoas. Porque não há outra forma de o dizer. Quando um presidente de Câmara, seja ele qual for, de que partido for, é acusado nas redes sociais e por aí que não traz e não consegue os médicos… E quando vejo pessoas que não fazem a mais pálida ideia de como é que as coisas funcionam, pessoas que têm responsabilidades ou que pensam vir a ter responsabilidades - que eu duvido que consigam ter alguma vez responsabilidade, pelo menos política – virem dizer que «eu vou fazer, eu vou resolver», isto é o campo da imaginação. Porque se assim for, também está mal. Vamos lá ver, a Câmara não tem competências para ir buscar médicos nem para os arranjar. No entanto, faz um esforço que faz, que é muito significativo. E conseguimos, através deste esforço, ter hoje duas médicas a trabalhar em Mação. É bom que as pessoas saibam que, se não fosse este esforço da Câmara e esta decisão que partiu de mim e que foi aprovada em reunião de Câmara por unanimidade, nós hoje, provavelmente, não teríamos um único médico no nosso concelho. Esta é a realidade dos factos. Bem sei que muitos outros concelhos fazem esforço, contratam seguradoras, tal como nós também pensámos em fazê-lo, há muitas hipóteses. Agora, o que as pessoas devem perceber é o esforço que foi feito, juntarem-se à Câmara – seja ela qual for – no esforço de tentar encontrar soluções, mas serem justas e perceberem realmente quais são os limites da nossa intervenção e que apesar deste investimento muito substancial que a Câmara dá, nem assim temos conseguido. E se tiverem melhores opções, a sua obrigação, se gostam do concelho, é irem junto da Câmara ou da entidade com responsabilidades e dizerem que têm a solução. Isso é que era interessante. Não é virem dizer que «aquele tipo», ou agora a senhora presidente Margarida Lopes é uma incompetente porque não consegue médicos. Então digam como é que conseguem. Isso é que é serem boas pessoas, pessoas que trabalham pelo concelho e não pessoas com outros objetivos quaisquer. Aqui estamos no âmbito da demagogia e da irresponsabilidade.
“Acho que aquilo que fica do meu trabalho é positivo. Sinceramente, creio que a esmagadora maioria da população também acha isso”
Uma das preocupações foi sempre a atratividade do concelho em captar investimento, principalmente de grandes empresas que criassem postos de trabalho. Melhorou? As zonas industriais têm conseguido atrair investimento?
Às vezes, quando faço alguma reflexão sobre isso, se fizemos alguma coisa de útil nessa área, lembro-me sempre, por exemplo, do Centro de Negócios. E pergunto-me, se não fosse aquele investimento, onde é que estariam aqueles empresários. Se estariam em Mação ou não. Temos um problema em Mação que é o facto da zona industrial ter esgotada a sua capacidade. Mas apesar disso, conseguimos investimentos relevantes, na Ortiga, com a fábrica de cannabis que está a funcionar, o investimento no Alto da Caldeirinha que, infelizmente ainda não arrancou mas das últimas informações que tive enquanto estava na Câmara é de que estava para muito breve o arranque da operação naquela fábrica, mas o que é certo é que estão lá 15 milhões de euros já investidos. Houve um incremento de empresas na zona industrial de Ortiga e também na zona industrial de Mação, com a aquisição e remodelação de edifícios, a Probaixa foi agora adquirida por outros investidores e está com grande desenvolvimento… tudo resumido, acho que, obviamente, não fizemos o melhor dos mundos, porque as limitações também foram as que foram, não me recordo de termos deixado fugir investimentos por não termos dado resposta (…) mas conseguimos, através do Centro de Negócios, dar resposta. Tivéssemos nós mais capacidade… temos o call center lá a funcionar com um número significativo de pessoas e, portanto, acho que também aqui tentámos ser criativos para conseguirmos fazer com que as coisas acontecessem. Temos as autorizações dadas para a instalação de uma grande fábrica de presuntos no Alto do Casal, temos os terrenos adquiridos, será a maior fábrica de presuntos de Portugal e eu espero que o processo se desenvolva da forma que está prevista, envolve capital espanhol e capital português. Foram dados alguns passos importantes e significativos para o desenvolvimento económico de Mação através destas ações da Câmara. Mas é evidente que fica sempre algo por fazer, fica o amargo de boca de não conseguirmos mais mas, também nesta área, estou com a consciência muito tranquila.
Porque é que caiu o slogan de «Mação, catedral do presunto»?
Caiu porque a determinada altura, eu comecei a perceber que não havia por parte dos operadores que tinham a responsabilidade de fazer o presunto da Marca Mação, correspondência ao esforço da Câmara. Por razões que eu entendo. Eu sempre disse que os senhores empresários são donos do seu negócio e fazem as opções que entendem ser melhores para o seu negócio. Portanto, se o presunto da Marca Mação era algo que demorava muito tempo a implementar e era algo que não acrescentava valor aos seus negócios, não tinham que fazer nenhum favor à Câmara. Disse isto a vários empresários. Não tinham que o fazer só porque “eu sou um tipo porreiro”. Não querem fazer, não fazem. Houve, portanto, uma conversa em 2016, penso eu, onde eu coloquei a questão desta forma pragmática: querem ou não querem? As coisas ficaram num limbo e eu achei que não valia a pena continuar a insistir naquele processo só porque ficava bem e era um slogan bonito. É que dava a sensação de que tínhamos algo para dar às pessoas e depois não tínhamos. E acontecia aquilo que aconteceu muitas vezes, que era as pessoas a quererem um presunto da Marca Mação e não havia. E de quem é que era a culpa? Era da Câmara. Isso é que eu não podia continuar a admitir e achei que não valia a pena continuar a insistir nesse processo.
Vamos a um dos grandes temas que sempre dominou a atualidade em Mação: a floresta. Após décadas de chamadas de atenção, de projetos pioneiros, de estar sempre à frente nesta demanda, são as AIGP a solução?
Espero que venham a ser. Se não forem estas, não estou a ver quais poderão ser. A responsabilidade que o concelho tem – e eu disse o concelho – é grande. Acho que há condições para fazer diferente de modo a conseguir resultados diferentes, e compete-nos agora, a todos enquanto comunidade, enquanto sociedade maçaense, percebermos que caminho é que queremos seguir. Na minha opinião, evidentemente, vale a pena, é um processo muito virtuoso, com muitos engulhos pelo meio – o que também é normal porque há pessoas que acham que as coisas estão bem assim ou que havia outras formas de fazer as coisas e temos que respeitar – mas agora o passo foi dado e não há forma de fazer muito diferente daquilo que foram as decisões tomadas em devido tempo pelas pessoas do concelho de Mação. E a respeito disto, dizer duas coisas. Primeiro, o programa eleitoral do Partido Social Democrata, do qual eu era o principal responsável, era muito claro relativamente à implementação das AIGP’s e nem sequer se pode vir dizer que as AIGP’s não eram estas, eram outra coisa qualquer. Isto porque, nomeadamente o António Louro, sempre que falou na questão das AIGP’s, falou que eram de gestão total, com participação efetiva da Câmara e de como o modelo devia ser organizado. As Juntas de Freguesia, todas elas penso eu – pelo menos as do PSD – tinham no programa eleitoral a implementação das AIGP’s. Em segundo, o assunto foi discutido mais do que uma, duas, três, quatro, cinco vezes em Assembleia Municipal e em reuniões de Câmara. Não me recordo de alguém ter dito que era frontalmente contra este processo, contra este tipo de AIGP’s. Nunca ninguém disse para discutirmos ou votarmos este ponto. Foi a reunião de Câmara para a Câmara assumir as suas AIGP’s e, por sua vez, delegar na Aflomação/ AZR. Nunca ninguém levantou essa questão. Portanto, vir-se agora questionar e dizer que estão a roubar a terra às pessoas… isto entra no domínio do delírio de pessoas que, com alguma responsabilidade, com alguma irresponsabilidade, tentam cavalgar algum descontentamento que existe em alguns locais, somente com intuitos políticos ou outros. Ou até algumas pessoas que agora podem ter a tentação de dizer que «não era bem isto» mas que, em tempos, participaram em reuniões a dizer que era isto, acho que retira alguma credibilidade, primeiro a essas pessoas e depois ao processo. Obviamente que estando agora no cargo onde estou, não posso nem devo entrar na avaliação porque é uma questão de matéria política. Em todo o caso, tenho o direito de defender aquilo que sempre defendi e de lutar para que se possa concretizar em Mação e nos outros concelhos do país as Áreas/Operações Integradas de Gestão da Paisagem. Temos que perceber que este é um desígnio do país, nomeadamente desta região, e custar-me-ia muito ver este processo ter um retrocesso. Espero que assim não seja, que haja responsabilidade, que as pessoas percebam os passos que foram dados e que não façamos aquilo que parece que, às vezes, é mais fácil, que é embarcar numa onda de contestação só porque parece que há aqui algumas bolhas que o justificam. Acho que esse não deve ser o caminho mas não espero intervir mais nesse assunto que agora só me diz respeito enquanto maçaense e munícipe. As decisões foram tomadas e acho que devem ser respeitadas.
Qual foi o seu pior momento, enquanto presidente de Câmara: a crise dos incêndios de 2017 ou as ameaças de morte?
Claramente os incêndios de 2017. Tive uma ameaça de morte, que acho que não teve a ver com a floresta, mas também não sei… Foi na Queixoperra, um bilhete que me apareceu no vidro. Também tive cartas anónimas a chamarem-me, a mim e ao Louro, de Putin e de outro personagem qualquer que já não me recordo. Aí sim, teve a ver com a floresta. Obviamente que tudo isso me magoou, magoou a minha família, com a ameaça de morte e outras coisas que foram ditas e escritas, mas os incêndios e o pós incêndios foram claramente o momento marcante do meu mandato. Foi o que mais me custou gerir e me marcou para o resto da vida.
Com a experiência de autarca de um dos concelhos que mais sofre com a questão demográfica / desertificação, considera que estes territórios estão condenados ou ainda vamos a tempo de alterar alguma coisa?
Eu acho que ainda temos tempo para fazer alguma coisa mas temos que ter a noção do declínio que existiu, da irreversibilidade de algumas práticas, de algumas vivências e do modo de vida que existia. Creio que há alguns bons motivos para acreditar na viabilidade destes territórios, desde logo, por exemplo, a questão das AIGP’s. Também há um olhar diferente sobre o território, há a pressão demográfica nos grandes centros urbanos que pode fazer com que as pessoas comecem a olhar para estes territórios de outra maneira… aliás, já o vão fazendo. Há a questão da imigração que vai, de uma forma óbvia, espero e penso eu, também chegar a estes territórios mais do que já está. Hoje já é uma realidade mas vai ser mais, até porque há aqui atividades económicas e sociais que precisam de pessoas para trabalhar. Desse ponto de vista, é muito normal que pessoas de outras nacionalidades venham para o nosso território e temos de as integrar, de aceitar e de perceber que precisamos delas. Há, portanto, boas razões para acreditar que não estamos totalmente condenados a desaparecer do mapa mas também temos de perceber a gravidade da situação
Em 2016, recordo, dizia em entrevista ao Jornal de Abrantes que “devemos parar e ver como é que podemos todos em conjunto ultrapassar este fenómeno”. Nove anos depois, o que foi possível ser feito para contrariar isto?
Algumas coisas foram feitas. Eu também disse várias vezes que a Unidade de Missão para a Valorização do Interior do Governo de António Costa, foi importante para colocar o assunto em cima da mesa. Os incêndios de 2017, infelizmente por um lado mas felizmente por outro, trouxeram um olhar diferente sobre estes territórios. Obviamente que com estas janelas de oportunidade que felizmente o PRR nos deu para implementarmos as Áreas Integradas de Gestão da Paisagem que, repito, podem ser importantes para a humanização deste território, bem como esta vaga de imigração que está a chegar, são fatores positivos. Quando eu disse isso, e disse-o várias vezes, não foi só em 2016, foi sempre no sentido de percebermos como é que todos, enquanto país, queríamos resolver este problema. Se valeria ou não a pena, enquanto país, pensarmos sobre o assunto. E eu disse isto várias vezes e volto a repetir, que o primeiro Governo de António Costa teve esse condão de colocar o assunto de uma forma muito clara em cima da mesa. Foi pôr o país a pensar sobre isto e fê-lo antes dos incêndios de 2017. Foi uma reflexão que foi feita, houve vários planos, houve o Plano de Revitalização para o Pinhal Interior, que está a começar a ser implementado, através da CCDR do Centro estão alocados, para já, 45 milhões de euros para estes 23 municípios, entre os quais, aqui na região, Mação e Sardoal, temos projetos como o de Envendos que vai ser financiado já através desse Plano, revitalização de aldeias previsto, projetos transversais a toda a região… isto é tudo já resultado dessa tal reflexão que foi feita. E de se perceber, pelo menos nesta parte do território, que acho que deve ser expandido para outras partes, que havia aqui um problema de uma gravidade tal, que precisava de ser encarado de uma outra maneira. E também disse várias vezes a colegas meus para não nos iludirmos com algumas coisas que íamos vendo… víamos cidades do Médio Tejo e não só com muita gente e pensávamos que estava tudo bem mas depois íamos ao lado e aquilo era uma desgraça. Depois ficávamos muito admirados quando víamos os resultados dos Censos, perderem 8, 10, 12, 15% da população. Acho, portanto, que algumas coisas foram feitas, a reflexão foi feita, o diagnóstico está feito… agora, de facto, há que tentar alocar mais recursos a estes territórios.
Já sabemos que não pode recandidatar-se, devido à lei de limitação de mandatos mas, na sua opinião, a próxima campanha eleitoral em Mação poderá ser uma das mais difíceis? O PS fala em aproveitar a oportunidade...
Vai ser, obviamente, uma campanha eleitoral diferente e não é por eu não ser candidato. É em Mação e vai ser em muitos outros locais. Quando um presidente que está há tantos anos, deixa de ser presidente, é normal que as coisas sejam «mais dramáticas». A minha primeira campanha, em 2013, também foi mais dramática porque foi o fim de um ciclo. É normal que assim seja. Mas apesar de estar fora da política autárquica, continuo atento e dir-lhe-ia que não fiquei muito assustado com algumas coisas que li há relativamente pouco tempo da apresentação de um determinado partido político.
E o que diz a quem o considera, mesmo adversários políticos, como um dos autarcas mais carismáticos do país?
Agradeço o epíteto, mas é uma opinião. Há quem não ache. Eu tentei fazer o melhor e, de uma forma geral, pelo menos hão-de me conceder o esforço que fiz e a coerência que tentei ter ao longo destes anos. Enfim, é um ciclo que terminou.
“Os incêndios (...) foram claramente o momento mais marcante do meu mandato. Foi o que mais me custou gerir e me marcou para o resto da vida"
No seu último dia na Câmara, publicou uma foto nas redes sociais, a fechar a porta pela última vez... os comentários foram às centenas e não vi nenhum que não fosse positivo. Por parte dos seus munícipes, por parte dos que não são munícipes mas que admitiam gostar de o ter como seu presidente e até mesmo por adversários políticos. Leu todos?
Acho que não. Palavra de honra, acho que não os consegui ler todos. Não foi por desconsideração, ia olhando, não tenho a certeza se os li todos.
O que sentiu?
Senti muito conforto, senti-me bem, como é óbvio. Às vezes também me senti mal com algumas coisas que li, e que leio, mas isso faz parte destas dinâmicas. Como qualquer pessoa, gostamos de nos sentir reconhecidos nas nossas profissões, no nosso trabalho, ainda por cima quando temos a consciência de que tudo fizemos. Mas tenho que dizer que a fotografia publicada, “não foi para a fotografia”, até porque foram muitas as vezes, e quem está em Mação sabe disso, em que fui o último a sair da Câmara. Foi simbólica e fiquei muito agradado com os comentários.
As redes sociais podem ser uma boa ferramenta de trabalho para um autarca ou são mais um risco de difamação e ofensas?
Servem para tudo. Não sou dos que dizem não ligo, não vejo, prefiro não ter… é que as redes sociais serviram muitas vezes para me alertar para algumas situações, às vezes de coisas de que nem tínhamos conhecimento, nem que viessem em jeito de crítica, pois não temos que ter conhecimento de tudo. É evidente que quem publica tem uma intenção pois se não tivesse intenção podia contactar-me por outros meios. Toda a gente no concelho tem o meu número de telefone e era a coisa mais simples de encontrar. Mas pronto, a pessoa publicou, teve uma série de likes, fez um brilharete… Eu era atento ao que se passava nas redes sociais e, da mesma forma que fiquei contente com os elogios, também me magoei muitas vezes com alguns comentários e injustiças que me foram ditas. Repare, essas centenas que tive na foto que referiu, também tive, não sei se centenas, quando os passadiços foram por água abaixo. Estive ali sozinho a defender aquele acontecimento triste e onde fui chamado de tudo. Mas pronto, quem está nesta vida pública e política tem que se habituar. É da vida.
É vice-presidente da CCDR Centro. Há mais ambições políticas para cumprir? Vai manter-se ativo na política?
Eu não tinha perspetivado esta decisão… lá está, voltamos ao início da conversa. Não era isto que estava previsto, as coisas vão caminhando, não posso dizer nada. Para já, acho que tenho aqui um mandato de quatro anos – se não me mandarem embora antes e se eu não me aborrecer entretanto – em princípio é isto que está previsto. Depois se verá.
Tenho, no entanto, que lhe perguntar, visto terem surgido muitos comentários nesse sentido. Houve alguma abordagem para concorrer noutro concelho?
As abordagens são o que são. Se falamos em conversas de amigos, muitos dizem mas, que fique claro, uma abordagem formal do meu partido para eu poder ser candidato a alguma Câmara, não.
Aos dias de hoje, se um dos seus filhos quiser entrar na política, vai encorajá-lo, desencorajá-lo ou deixar nas mãos dele essa decisão?
Ah, deixar que tome as decisões por ele. Eles viram bem o que foi a vida do pai estes anos. Alegraram-se comigo, entristeceram-se comigo e eles melhor saberão. Acho que são todos suficientemente inteligentes para tomarem as melhores decisões. Não é por mim que não vão, nem serei eu a dizer “vão”. Eles que decidam. Não há nada na vida que só tenha prós e que só tenha contras. Esta atividade é muito enriquecedora, tem experiências brutais, conhecemos inúmeras pessoas, conseguimos fazer coisas, é o cargo autárquico onde mais conseguimos influenciar positivamente, e às vezes negativamente, a vida das pessoas, mas tem várias desvantagens. Como tudo tem.