Marta Rodrigues é de Abrantes, mas passa muito tempo numa aldeia em Vila de Rei. Desde pequena que foi habituada “a mexer e a fazer coisas que as raparigas não costumam fazer”. Embora tenha o objetivo de vir a trabalhar na área da Gestão, estar a estudar Engenharia Mecânica faz todo o sentido. “Sempre mexi muito nas motas e nos carros.” Esta jovem bolseira do Rotary Clube de Abrantes gosta sobretudo de coisas práticas e de perceber para que servem as matérias que se estudam.
Perante uma primeira pergunta – “Quem é Marta Rodrigues?” – a jovem avança um pouco timidamente, dizendo que tem 19 anos e que é aluna de Engenharia Mecânica, no Instituto Superior Técnico, em Lisboa. Acrescenta que fez um percurso “normal” durante o ensino básico e secundário. Mas, com o desenrolar da conversa, mesmo com a ‘frieza’ do zoom, rapidamente se percebe como esta jovem chegou a um patamar de excelência, recentemente reconhecido através da Bolsa Teixeira Lopes, da Fundação Rotária Portuguesa, para o melhor bolseiro do Distrito Rotário 1960, que lhe foi atribuída.
Marta é uma jovem descontraída, otimista e bem-disposta. Para além disso, é determinada, trabalhadora e, sobretudo, focada. Não é ela quem o diz, percebe-se quando se conversa com ela. E obviamente que também tem capacidades intelectuais que lhe permitem ter excelentes resultados académicos. Este conjunto de características acabou por determinar que concluísse o ensino secundário, na Escola Secundária Dr. Manuel Fernandes, em Abrantes, com média de 19 valores, e que entrasse numa das instituições de ensino superior do país com as médias mais elevadas na área das Engenharias.
A jovem confessa que sempre gostou de ter boas notas, mas que foi sobretudo a partir do 9º ano que começou a preocupar-se mais com os resultados. Marta reconhece até que “ficava muito chateada” quando não chegava a certos patamares: “As disciplinas de que eu gostava mais eram as disciplinas relacionadas com as Ciências. Mas no Português também tinha que me desenrascar, porque também interessa para a média. Uma vez tive um 16 e tal, que deve ter sido a minha nota mais baixa, mas que comparando com a turma até não era nada mau, mas eu fiquei superchateada e até comecei a chorar.” Mais tarde, na fase de entrar para o ensino superior, teve um percalço: no exame de Matemática a calculadora não estava formatada e não deu para fazer um gráfico. “Tive 17, mas não gostei da nota, porque não me define. Fui à segunda fase e tirei 19,7, mas depois não usei a nota para nada, porque entrei na primeira fase.”
Marta Rodrigues explica de onde vem a sua principal motivação para obter bons resultados: “Nunca foi preciso mandar-me estudar, porque sempre foi uma coisa que eu quis. Percebi que era um meio para chegar a algum lado. Se eu quiser viajar muito, tenho de ter dinheiro. Como é que arranjo dinheiro? Tenho que ir trabalhar! Quanto melhor for o sítio onde for trabalhar, se for boa naquilo que faço, também consigo ganhar bem e usufruir disso. Também foi isso que me levou sempre a trabalhar e a tirar boas notas: pensar no futuro.”
Esta vontade que Marta sempre teve de viajar é testemunhada por Teresa Lopes, professora de Físico-Química, que a conheceu quando ela teria uns 12 anos, e que teve “o privilégio” de a ter como aluna entre o 7º e o 9º anos do ensino básico. “A Marta, sempre com o seu sorriso nos olhos, era uma aluna muito interessada e trabalhadora, mas acima de tudo uma menina fascinante. Viajava muito e com ela também tive o gosto de fazer algumas viagens: pelos melhores hotéis do mundo, pelos melhores restaurantes provando algumas iguarias dos melhores chefes, conhecendo as características dos melhores carros, assistindo a jogos de futebol e ficando a saber as muitas características dos jogadores e treinadores. Tudo isto ela fazia através da internet. Tinha um gosto e uma sede pelo saber.” – conta a professora.
Marta não hesita em identificar “a professora Teresa” quando a conversa vai para o assunto da importância que os docentes têm na vida dos estudantes. “Havia professores que eram muito rotativos e que não eram muito importantes. Agora, quando temos professores que nos motivam e que nos acompanham ao longo dos anos, isso é muito importante. Motivavam os alunos e tentavam fazer coisas diferentes, mas também eram francos connosco. Tive uma cadeira em que a professora era mesmo muito boa e gostava de ensinar. Há outras em que isso não acontece e já não apetece ir, porque se associa a matéria ao professor: se a professora é assim, a matéria também é…”
Sobre o seu método de estudo, Marta diz que nunca foi de fazer resumos. “Se a matéria fosse em 150 páginas eu lia tudo porque tinha a noção de que num resumo há sempre coisas que se perdem e eu não queria perder essas ‘migalhas’. Agora o meu método tem sido muito fazer exercícios. Ir trabalhando sempre ao longo do semestre.” Foi um hábito que ganhou no secundário, sobretudo para se preparar para os testes de Matemática e de Físico-Química. “Tento deixar tudo organizadinho para acompanhar e para não perder nada.” Para além do método de estudo, há características pessoais: “A capacidade de desenrascar, ou capacidade de não ‘panicar’. Eu acho que tenho um bocado isso. Eu tento sempre perceber, pensar.” Estando na área da Engenharia Mecânica, reconhece que é “muito prática”, mas “gostava de vir a ter cargos de Gestão” porque acha que é uma coisa que pode “fazer bem”.
Apesar de ser de Abrantes, sempre passou (e passa) muito tempo numa aldeia de Vila de Rei. O hábito de pensar para resolver problemas vem muito da experiência que teve ao longo da sua vida. “Fui habituada, desde pequena, a mexer e a fazer coisas que as raparigas não costumam fazer. Sempre mexi muito nas motas e nos carros. As cadeiras que eu mais gosto são as que têm as coisas que eu já vi.” Na família ninguém tem formação na área, mas toda a gente mexe nessas coisas. “Se queremos fazer qualquer coisa e não temos à mão, improvisamos, e isso é muito importante.”
A vida no campo foi marcante, para Marta. Aliás, para além da televisão, os seus tempos livres são a praticar exercício físico e na horta da família. A professora Teresa confirma: “Com ela aprendi o que são acelgas, como se transplantam couves de um ano para o outro, como se realizam vários trabalhos no campo. Ela fazia esta aprendizagem aos fins de semana e nas férias, na aldeia, junto dos pais e irmão. Tinha sempre consigo um rádio a pilhas para estar a par das notícias. À aldeia não chegava a rede da Internet. Quando lhe era proposto trocar o fim de semana na aldeia por algo mais aliciante negava logo o convite pois era sua obrigação como filha ajudar os pais. Era genuína na sua posição.”
Embora Marta continue a voltar para a aldeia sempre que possível, o Mundo é agora maior. Admite vir a trabalhar no estrangeiro, mas não para sempre. “Se fosse para fora, não seria todo o tempo. Eventualmente iria regressar. Mas gostava de ir lá fora, ver o que lá há. Por exemplo, toda a gente fala que, no Técnico, todas as pessoas recebem mais se forem lá para fora. Nem que seja só para fazer currículo.”
O facto de ser bolseira do Rotary Club de Abrantes e de ter sido distinguida como a melhor entre tantos outros “é muito importante” para Marta Rodrigues. “Mesmo quando alguma coisa corre mal, todas essas distinções mostram que eu valho qualquer coisa e que consigo chegar lá.” E acrescenta: “É bom ver o nosso trabalho a ser recompensado.” Sobretudo, porque os dias são de muito trabalho. “O meu dia é levantar, vir para o computador fazer exercícios, almoçar. Uma pessoa não tem tempo para fazer mais nada. É bom saber que alguém valoriza isso.” A professora Teresa confirma que este é o resultado de um percurso que começou cedo: “Como aluna, era muito trabalhadora e dedicada. Bebia todo o ensinamento com grande gosto o que lhe facilitava a ‘tarefa’, daí ter sempre uma postura muito tranquila de quem tinha sempre tudo muito controlado. E tinha.”
A “menina fascinante”, de “sorriso nos olhos”, que Teresa Lopes recorda, leva consigo a gratidão por esta professora de Físico-Química, que a motivou a ir sempre mais longe. O Instituto Superior Técnico foi o primeiro objetivo alcançado. Marta está feliz com o curso e esperançosa quanto ao futuro. E agradece ter consigo, na mesma instituição de ensino, um grupo de outros jovens de Abrantes, o que facilitou imenso a transição para Lisboa e o estudo, sobretudo nos trabalhos de grupo em época de pandemia.
Hália Costa Santos