O “galo” entrou na sala com um ceptro na mão e, um a um, entronizou mais de duas dezenas de membros na Ordem da Cabidela. Ao som de uma orquestra e sob olhar atento dos chef’s os presentes atenderam à chamada para receber o colar vermelho com a pena prateada e assim poderem entrar numa família de milhares de membros que degustam os pratos de cabidela, que vão muito além do frango o galo de ou à cabidela.
Fosse há 200 anos, com archotes acesos e, mesmo com frio, num qualquer terrado de uma floresta, sob a iluminação da lua e o olhar atento das estrelas muito cintilantes e poderia tender a aparentar uma ordem secreta que tinha mais uns quantos seguidores.
Mas não. Trata-se apenas de uma Ordem em que os membros são admiradores e apreciadores da gastronomia feita à base de sangue dos animais, ou seja, os pratos de cabidela. E nestas coisas da gastronomia, e da cabidela em particular, não há meios termos. Ou se gosta ou não se gosta.
A Ordem da Cabidela
Foi em 2016 que foi criada a Ordem da Cabidela. “Trata-se de um movimento de amantes da cabidela, um prato tradicionalmente português, emblemático e sujeito a muitas interpretações. Tantas quantas as vontades de o reproduzir ou reinventar. Queríamos criar a maior estrutura de amantes da gastronomia em Portugal”.
De acordo com as regras desta Ordem da Cabidela: “Um elogio a tão adorada iguaria, em que são alvo de distinção, no grau de cavaleiros, os seus fiéis seguidores, com direito a cerimónia de entronização”.
Por convite ou aquisição, os comensais marcam presença nos jantares de Cabidela e são ordenados “Cavaleiros da Ordem da Cabidela”, recebendo uma “pena ” prateada, num colar vermelho que simboliza e concretiza a sua entronização.
Os jantares e a entronização dos “Cavaleiros”
Ainda de acordo com o funcionamento do movimento, um jantar da Ordem da Cabidela deverá ser, segundo a explicação oficial, um momento de festa e celebração da gastronomia, em ambiente descontraído e informal.
Para além da tradicional cabidela, o menu é completo com pratos inspirados na iguaria homenageada, desde as entradas à sobremesa.
Durante o jantar acontece a entronização e o momento de todos juntos, pela gastronomia gritarem: “Pela Ordem!”
Este ano de 2021, a Ordem apontou a 6 jantares em restaurantes portugueses: Restaurante “Vai-me à Loja”, em setembro “Restaurante Osso Bento” e “ Restaurante Xisto”, em novembro “Restaurante Casa Chef Vitor Felisberto”, “Restaurante Mugasa” e “Restaurante “Stramuntana”.
O jantar da Ordem da Cabidela na Casa Chef Vitor Felisberto
A noite de 15 de novembro juntou cerca de três dezenas de futuros Cavaleiros da Ordem da Cabidela no Restaurante Casa Chef Vitor Felisberto.
E para esta “reunião da Ordem” prepararam o repasto para os novos membros os chef’s Rodrigo Castelo, Vítor Adão, Margarida Bessa Rego e Victor Felisberto. Estava prevista a presença do chef Hélder Diogo que estaria responsável pela sobremesa, mas por questões de confinamento decorrentes da pandemia não pode estar presente. Mesmo assim deixou a ideia da sua sobremesa de cabidela a que os restantes chef’s deram corpo.
E nestes jantares, a cabidela tradicional fica sempre para o “dono” da casa e para fechar a degustação, cabendo aos chef’s convidados apresentar as suas criações nesta iguaria.
O chef Rodrigo Castelo brindou os presentes com uma falsa Cabidela de Achigã. E é falsa, como explicou o chef, porque nem é feita com sangue nem com arroz. Tem um molho das cabeças e das espinhas e tem quinoa e cogumelos com umas ovas de achigã fumadas em cima e o achigã laminado e cozido no ponto.
Chef Rodrigo Castelo
Já o chef Vítor Adão preparou uma Cabidela de Pato. “Trouxe uma cabidela diferente, já fiz muitas cabidelas e trago uma Cabidela de Pato”.
É uma cabidela de pato, sem osso, cozinhada de uma forma diferente. Em cima apresenta uma papada de porco, laranja e togarachi (um picante coreano).
Chef Vítor Adão
Margarida Bessa Rego escolheu uma cabidela mais intensa. Apresentou uma cabidela de javali com arroz de carqueja no forno.
A chef explicou que a carne foi de um javali fêmea que foi desmanchado e cozinhado, foi feito um fundo escuro com os ossos e as aparas, a carne magra foi toda limpa e cozinhada lentamente no forno com aromáticas da região, incluindo carqueja. E depois com laranja e porto tawni. O molho foi ligado com o seu sangue. E foi guarnecido com arroz de carqueja e toucinho.
Chef Margarida Bessa Rego
O chef Victor Felisberto apresentou a cabidela tradicional de galo do campo que normalmente pode ser degustada no seu restaurante. Victor Felisberto explicou que o calo é caseiro da região e depois a ligação do arroz foi feita com o sangue e vinho tinto, o mais tradicional possível.
Chef VictorFelisberto
Na sobremesa e face à ausência do chef Hélder Diogo que tinha essa responsabilidade houve a preparação com a participação de todos os chef’s.
“Tem um fondant de sangue cozido, fizemos um gelado de sangue, sem o sabor intenso do sangue. Tem ainda uma espécie de um sonho com a massa feita com sangue do javali. Depois acrescentam-se as frutas silvestres e as plantas que compõem o empratamento.”
Chef Victor Felisberto
A entronização dos novos “Cavaleiros da Ordem”
Após a degustação dos quatro pratos de cabidela, e antes da sobremesa, o chef Vítor Adão vestiu a pele do “Galo” que entroniza e aceita na “Ordem” os novos membros.
Um a um, todos os convivas foram chamados ao centro da sala do restaurante para receber o colar de “Cavaleiro da Ordem da Cabidela”. O colar de fita vermelha e com uma pena prateada é colocado no pescoço do “novo cavaleiro da ordem” que depois leva três pancadas com o ceptro que o “galo” tem na mão.
No final das entronizações todos os “cavaleiros” gritam “Pela Ordem” e segue-se a degustação da sobremesa de cabidela.
Este jantar foi um dos seis agendados pela Ordem para este ano de 2021. Victor Felisberto mostrou a satisfação de receber a Ordem na sua casa e disse que era bom para a região e para esta iguaria que outros restaurantes pudessem entrar neste projeto.
Chef Victor Felisberto explica a Ordem da Cabidela
Galeria de Imagens