O parque de estacionamento recentemente construído junto a uma superfície comercial em Alvega, continua a ser levado a reunião de Câmara em Abrantes pelos moradores próximos do local.
Desta vez, para além da altura do muro que retirou toda a privacidade aos moradores, Luís Ferreira, um dos queixosos, trouxe um dado novo à sua intervenção.
É que, segundo o munícipe, o terreno onde foi construído o parque de estacionamento pertence à Reserva Agrícola Nacional (RAN) e, como tal, não há lei que apoie esta construção.
O munícipe começou por informar que “no site da Câmara Municipal de Abrantes, está o mapa do PDM (Plano Diretor Municipal) de Abrantes onde consta que os nossos quintais fazem parte da RAN e do regadio. O site da Direção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural fala das utilizações não agrícolas permitidas excecionalmente na RAN”. Luís Ferreira deu conta da legislação onde se lê que “são interditas todas as ações que diminuam ou destruam as potencialidades para o exercício da atividade agrícola das terras e solos da RAN, tais como operações de loteamento e obras de urbanização, construção ou ampliação, com exceção das previstas no artigo seguinte”. O morador disse que no artigo em causa, “não há justificação para a construção de um parque de estacionamento de apoio ao mini-mercado em Alvega”. Luís Ferreira chamou a atenção para “a casa e o quintal que foram demolidos para a construção do parque de estacionamento já são propriedade daquela empresa há cerca de 10 anos”.
Mas Luís Ferreira não ficou por aqui nas explicações. “Depois temos o PDM”, afirmou. E na informação disponível no site da Câmara lê-se que “nas áreas urbanas coincidentes com o perímetro de rega de Alvega, a edificabilidade fica sujeita aos condicionamentos” de um outro artigo que o munícipe explicou depois que “na área urbana de Alvega coincidente com o perímetro de rega, a edificabilidade só poderá ser permitida desde que cumulativamente. A área já tenha sido excluída da RAN e tenha sido promovida a exclusão do espaço do perímetro de rega”.
Luís Ferreira conclui, portanto, que “a legislação da RAN não permite que aquele espaço possa ser excluído. Não há nenhuma exceção na legislação sobre a RAN que diga que aquele terreno possa ser utilizados para outro fim que não o da agricultura”.
O presidente da Câmara Municipal de Abrantes informou o munícipe que, no que diz respeito às questões da legislação apresentadas, a Câmara irá responder “por escrito, de forma técnica, porque não temos em nosso poder um conjunto de informação técnica”.
Casa à venda
Desta vez, o vizinho confinante com o muro do parque de estacionamento, Manuel Catarino, também apresentou as suas queixas e confessou mesmo que, devido a esta situação, já colocou a casa à venda.
Manuel Catarino informou a Câmara que, “na altura, antes de se fazer a obra, o senhor do supermercado veio ter comigo e eu disse que não havia problema nenhum em desmanchar a casa que estava ao lado da minha. Facilitei, sim senhor. Abri o meu quintal para fazerem a obra e aquilo foi avançando sem problemas até ao ponto que se chegou ao dito muro que ficou muito baixinho. Julguei eu que iam subir aquilo mas não, ficou assim”.
O morador de Alvega diz que agora “a minha porta de trás está mais alta do que o muro. Assim que saio à porta do quintal, fico exposto, não posso sair à vontade”.
Manuel Jorge Valamatos questionou se o munícipe já tinha voltado a falar com o empresário e Manuel Catarino disse que sim mas que “ele diz que fez as obras e que está tudo legal”. Ainda questionou se custaria muito “pôr umas chapas de resguardo” ao que lhe foi respondido que tudo tinha sido feito “dentro da lei”.
Perante a situação e o impasse, Manuel Catarino diz “não ter condições” e decidiu colocar a casa à venda.
Também o munícipe alveguense José Cardoso Branco trouxe um problema relacionado com a Travessa das Nogueiras, a rua que tem estado sob foco por se ter tornado local de passagem do trânsito por via da abertura do parque de estacionamento.
“Tenho uma quinta que confronta com aquela travessa toda e a estrada tem uma inclinação brutal para o meu lado. Com o aumento do trânsito que se verifica agora na rua e com o facto de as pessoas agora lá estacionarem muito, o muro está todo a ceder para o lado de dentro”, disse.
José Cardoso Branco sugeriu ao Executivo “que ali fosse feita uma valeta para que as águas recolhessem à parte de baixo e fossem diretamente para a ribeira que está ali próxima. É que o muro está mesmo a cair, já tem uma inclinação de 15 cm e as pessoas continuam a estacionar perto do muro”.
A questão do parque de estacionamento em Alvega volta assim a reunião de Câmara. Desta vez, os moradores confrontaram o Executivo com a legalidade da construção.
Mas esta “discussão” começou já em 2019, com Luís Ferreira a marcar presença nas reuniões da Câmara Municipal para expor os problemas dos moradores. Na edição de dezembro do Jornal de Abrantes, contámos a história deste conflito que agora republicamos aqui:
Estacionamento irregular na EN 118, em Alvega, revolta moradores
Luís Ferreira, munícipe residente em Alvega, foi pela segunda vez a uma reunião da Câmara Municipal de Abrantes para alertar o Executivo da situação dos moradores da Estrada Nacional 118, junto às bombas de combustível. Na reunião de dia 12 de novembro, Luís Ferreira começou por falar “do estacionamento indevido em cima do passeio porque isso continua, principalmente com os camiões a danificarem o passeio”.
O munícipe acusou os condutores de “estacionarem na estrada, pondo em perigo os demais utentes da via, incomodam quem está em casa a descansar porque deixam o camião a trabalhar enquanto vão ao café”.
Para este problema, Luís Ferreira lembrou que já se falou “e creio que está em estudo a colocação de uns pilaretes e a marcação da estrada com uma linha amarela para alertar os condutores de que ali é proibido estacionar. Isso continua tudo por fazer e está a fazer um ano que eu ando a alertar para estas situações”.
O parque de estacionamento contíguo à superfície comercial que recentemente abriu naquele espaço também parece trazer problemas aos moradores. Segundo Luís Ferreira, o parque ficou elevado, com vista para os quintais e o trânsito passa agora pela Travessa das Nogueiras, rua que servia anteriormente apenas para os moradores.
“A construção do parque de estacionamento após a demolição de uma casa de habitação não é mais do que uma varanda e um miradouro sobre a minha propriedade e as dos meus vizinhos”, afirmou Luís Ferreira que adiantou ainda que o “muro de 90 centímetros é uma coisa que não se pode admitir pois não posso estar no meu quintal sem que a aldeia inteira saiba o que é que eu estou a fazer”. E acusou a Câmara Municipal de serem responsáveis por “deixarem construir e não tiveram ação de fiscalização sobre aquilo que ali estava a ser feito. Nem sequer se preocuparam com os outros moradores”.
Na opinião de Luís Ferreira, “esse parque de estacionamento não tem razão de ser e faz com que todo o trânsito que ali pare, circule pela Travessa das Nogueiras. Como o próprio nome indica, é uma travessa e que sempre serviu somente para os moradores”. No entanto, frisou, “nós não somos contra o facto das pessoas utilizarem a Travessa das Nogueiras pois sempre foi utilizada. Mas utilizem-na com a entrada e a saída que sempre existiu, junto à fonte. É que, neste momento, estamos a viver dentro de uma rotunda”. O munícipe pediu que a situação “seja revista porque nós, moradores, não fomos ouvidos”.
As explicações da Câmara Municipal
Manuel Jorge Valamatos respondeu depois ao munícipe, alertando para o facto da Nacional 118 estar sob a alçada da Infraestruturas de Portugal (IP). No entanto, a Câmara afirmou que a colocação de pin's naquele local está a ser avaliada.
O autarca considerou que a “situação está relativamente avançada e julgamos que num curto espaço de tempo, ou nós ou a Infraestruturas de Portugal, irá colocar ali uns pin's de proteção àquela zona do passeio, tanto para proteger o passeio das deformações como para proteger as pessoas que ali circulam”. Manuel Jorge Valamatos garantiu que “iremos avançar logo que tenhamos luz verde da Infraestruturas de Portugal”.
Relativamente à solução para aquele local, foi o vereador João Gomes quem respondeu, referindo que, ali, são os condutores que estão a infringir as regras, incorrendo num ilícito e considera lamentável que a Câmara tenha que agir para fazer cumprir.
“A Câmara tem que assumir as suas responsabilidades mas estamos a falar de uma situação muito concreta: estacionamento irregular em cima do passeio. E há entidades que também têm que fazer essa gestão”, referindo-se à ação de fiscalização por parte da GNR. João Gomes acrescentou mesmo ser “lamentável nós termos que estar a agir por falta de civismo das pessoas”.
Já em relação à fiscalização e ao estacionamento, João Gomes garantiu que tudo foi feito segundo as regras e também esclareceu a altura do muro que foi construído.
“Lamento dizer-lhe”, dirigindo-se a Luís Ferreira, “mas não é verdade que não tenha havido fiscalização”. O vice-presidente lembrou ainda que se trata de “um posto de desenvolvimento para aquele local com a abertura de um supermercado, que tem uma bolsa de estacionamento que garante estacionamento ordenado e localizado já para evitar que as pessoas parem na estrada ou em cima dos passeios”.
Já em relação ao muro, o vice-presidente da Câmara disse não perceber “a questão da privacidade”. João Gomes reiterou que o muro cumpre com a lei porque “entre propriedades, a altura pode ir até 1,80m”. Explicou depois que a cota do terreno de Luís Ferreira está abaixo da cota do parque de estacionamento e optou-se por não se construir um muro com 1,80m “porque depois o senhor ia dizer que nós lhe tapámos o sol”. Mas deixou ainda uma solução a Luís Ferreira: “se acha que a sua privacidade foi comprometida, o senhor é que pode fazer do seu lado alguma vedação que evite essa situação”.
A oposição
Também a oposição comentou a situação de Alvega.
Armindo Silveira, vereador do Bloco de Esquerda, disse ter estado no local e verificado a questão do estacionamento irregular mas referiu, acima de tudo, a demora dos processos. O presidente da Câmara lembrou que também têm que contar com a colaboração das autoridades nesta questão.
“Eu desloquei-me ao local para verificar os problemas que foram levantados já na reunião de setembro e que voltam agora aqui a ser falados”, começou por dizer o vereador, que não se quis pronunciar acerca da questão do licenciamento por confiar nos serviços. No entanto, acrescentou que “é óbvio que o parque de estacionamento está muito mais elevado do que os quintais e a privacidade acabou por ser afetada”. Já no que diz respeito ao estacionamento ilegal na estrada, em cima do passeio, Armindo Silveira contou que “no dia em que lá fui e já lá passei outras vezes, estava lá um grande camião parado”.
Já Rui Santos, vereador do PSD, também esteve no local, e assumiu que falou com as autoridades a esse respeito. “Dentro daquilo que também são as competências dos vereadores, inteirei-me da situação e alertei as entidades competentes”, disse o vereador social-democrata.
Relativamente à fiscalização e licenciamento do parque, Rui Santos não se pronunciou e deu “como verdadeiras as explicações prestadas pelo senhor vice-presidente”.
Patrícia Seixas