A Tagus organizou, em Constância, a conferência “As Plantas nas Artes e Ofícios” com incidência no Ribatejo Interior, e aproveitou para apresentar localmente a nova Rota de Saberes e Sabores do Ribatejo Interior.
Foi um dia dedicado ao turismo, ao artesanato, ao património imaterial onde foram apresentados também exemplos de produtos locais que estão a preservar uma identidade. As bonecas de perna de cana de Constância, a arte de entrelaçar com as ceiras, de Mouriscas, ou os leques de palha e as malas de folha de Flandres de Sardoal.
Sérgio Oliveira, presidente da Câmara de Constância, como anfitrião acolheu os participantes e sublinhou a necessidade de valorizar este tipo de iniciativas ligado às artes e ofícios. E acrescentou que é positivo que se mantenha viva esta ligação das plantas com as artes e ofícios, que foi, noutros tempos, uma forma de vida.
“Saber Fazer”
O Ministério da Cultura, através da Direção-geral das Artes lançou o programa “Saber Fazer” que pretende salvaguardar o artesanato que “é algo contemporâneo", ou seja, não é só do passado, mas é algo que tem uma longa história, que representa um conhecimento ancestral. Mas, no fundo, tem uma adaptação a cada tempo.
Rita Jerónimo trouxe a esta conferência alguns dos exemplos de plantas que dão vida a artesanato: palma; vime; e bunho. E destacou outros produtos nas suas regiões. “Há uma preocupação central desde a produção dos materiais até ao trabalho dos artesãos.”
O programa “Saber Fazer” tem já um repositório online com mapeamento de todos os agentes ligados ao artesanato. Ao artesanato, mas também às matérias-primas, às matérias-primas que utilizam e a sua ligação aos respetivos territórios.
Rita Jerónimo deu o exemplo do vime. Desde a explicação da planta, à sua distribuição pelo país, e aos locais em que o utilizam. E depois acrescentou a parceria com o herbário João de Carvalho e Vasconcelos (Instituto Superior de Agronomia) para dar a conhecer as características da planta.
E há, de acordo com a responsável, uma via muito presente do “Saber Fazer” centra-se na transmissão do conhecimento. Há conhecimento, mas há casos em que não há interessados em "beber" esse conhecimento.
Rita Jerónimo, Direção-geral das Artes
Outro dos exemplos apresentados aponta à realização de atividades pedagógicas em que os mestres vão partilhar toda a informação sobre plantas ou minerais e depois o seu manuseamento. Estes laboratórios de intervenção territorial permitem passar a informação e o conhecimento.
E há o exemplo dos jovens. Uma coisa é conhecer os produtos outra é colocar os jovens a fazer, a trabalhar esses procedimentos.
Este programa é financiado pelo PRR até 2025, mas tem lastro e importância para o país.
A certificação e o cartão de artesão
Fernando Gaspar, do Centro de Formação Profissional para o Artesanato e Património (Cearte) repetiu a presença nesta conferência para apontar o caminho para a certificação dos produtos tradicionais ou artesanais.
A União Europeia dispõe de dispositivos para proteção dos produtos alimentares (os DOP - Denominação de Origem Protegida), mas não existia para os produtos artesanais.
Mas já há o início de um caminho para esta certificação ou proteção ao nível da UE. Fernando Gaspar deixou claro que Portugal não parte do zero, porque em 2015 foi criado um sistema de certificação. Atualmente tem 30 produtos registados e 22 certificados como indicação geográfica. Os bordados de Viana do Castelo, a olaria de Barcelos, rendas de bilros de Vila do Conde são três exemplos destes produtos.
O dirigente do Cearte deixou claro que há o registo do produto, mas explicou que ao lado há a carta de artesão ou unidade produtiva artesanal. E estes títulos são importantes porque reconhecem o trabalho que é feito pelo artesão.
Junco de Forjães (Esposende), por exemplo, já tem uma denominação territorial para as alcofas ou para outros produtos, incluindo produtos para casa ou acessórios de moda. Mas não invalida que há outros artesãos, noutros pontos do país a trabalhar este produto.
Para haver um registo tem de haver produção. Não se pode registar uma arte considerada extinta. “Não faz sentido fazer a denominação de origem de um produto que depois não exista para o consumidor.”
Artes e Ofícios no Turismo
Susel Santos, da Turismo do Centro de Portugal, veio a Constância mostrar o panorama deste setor, que tem tido um crescimento muito grande. São 100 municípios e 8 sub-regiões turismo, uma por cada Comunidade Intermunicipal, com uma diversidade enorme. Depois referiu um dos dados mais divulgados pela estrutura: 8 milhões de dormidas em 2023, em 51 825 camas de 1231 empreendimentos turísticos.
No que diz respeito ao Médio Tejo há a registar um milhão muito alavancado pelo Santuário de Fátima, seguido do Convento de Cristo e depois com o restante território. Susel Santos explicou que o mercado nacional é muito importante no turismo do centro.
Sobre as Artes e Ofícios, vincou que “é particularmente carinhoso para a entidade de turismo porque o turista procura os monumentos, mas também o imaterial.” E revelou um exemplo do “senhor ‘Zé dos barcos’, de Ferreira do Zêzere, em que o artesão fala com paixão daquela que é a sua arte. E é um registo que tem de ser salientado. E esta paixão, passar para o turista, é qualquer coisa de importante.”
Depois não se pode ficar só no passado. Susel Santos apontou ao “new design” como produto de futuro. A nova maneira de fazer o artesanato, fazer de forma distinta sem chocar com a base, com o tradicional. Com a pandemia tudo mudou e o turismo não foi exceção. Houve maior procura pelo interior e pelos produtos endógenos.
Há um outro panorama que é uma aposta no turismo industrial. Uma fábrica também pode permitir visitas turísticas. E já há uma rota nacional de turismo industrial.
E outro dos pontos em desenvolvimento é a rede de “Cidades Criativas”. A Turismo do Centro tem Caldas da Rainha e Castelo Branco na rede. Estão agora a dar os primeiros passos. A UNESCO Também já reconheceu o Fundão como cidade de aprendizagem com as “vassouras de trigo” que se fazem na região.
Susel Santos vincou que os turistas visitam castelos ou museus, mas querem os restaurantes e os vinhos, e depois também querem quer o artesanato para levar.
“As Tagus do país”
Miguel Torres apresentou a Federação “Minha Terra” que agrega as 57 associações GAL (Grupo de Ação Local) do país. E nestes GAL há um registo importante, têm consigo 3.538 organizações.
Os GAL, como a Tagus, têm uma forma de trabalhar muito simples e do mais democrático que há. Constroem as suas estratégias por zona, com as abordagens a partir das bases. Criam parcerias locais com organismos públicos e privados, olham para o seu território com uma lógica multissectorial, apostam na inovação, na cooperação e no trabalho em rede.
E ligando os GAL ao tema da conferência, Miguel Torres destacou que em praticamente todas estas 57 associações há publicações sobre artesanato. “Faz parte do património de cada uma das regiões.”
A agricultura é, desde o início, uma parte do trabalho destas associações. Mas quando se estende ao mundo rural, há muito mais do que agricultura. E depois acrescentou que “não podemos fazer em desenvolvimento local sem falar no saber fazer. São os usos dos solos, mas também o fazer produtos. Por exemplo, em Tondela estão a fazer as construções em pedra seca, na serra do Caramulo. Ou seja, continuar a saber construir casas só com pedra, sem utilizar qualquer argamassa.
E aquilo que temos tentado fazer é apoiar estas atividades nos territórios. O que temos feito, nalguns casos, é colocar os artesãos a fazer formação. Uma das grandes capacidades das artes e ofícios é a capacidade de experimentação.”
Miguel Torres deixou a característica do que é importante no artesanato nos GAL: função produtiva e utilitária; estética decorativa; aposta cultural e patrimonial; importância social, recreativa e pedagógica; e depois ambiental (as pessoas trabalham os produtos locais, por isso, com têm uma pegada ecológica reduzida).
A Rota dos Sabores e Saberes do Ribatejo Interior
Conceição Pereira, coordenadora da Tagus, apresentou o programa AO.RI, ou seja, a valorização das artes e ofícios do Médio Tejo. E começou por referir aquilo que foi feito e como começou este programa que terminou em outubro de 2023, mas que a associação mantém este ano.
Para a criação de uma Rota, primeiro foi feito o levantamento histórico dos três concelhos, seguindo-se a promoção de oficinas de formação e capacitação com artesãos e a realização de oficinas criativas do artesanato tradicional. Depois foi criado o percurso turístico de artes e ofícios com experiências imersivas.
No presente, Conceição Pereira, revelou que a Tagus aguarda o resultado do Prémio Nacional de Artesanato, já que o AO.RI está entre os finalistas no segmento entidade privada. Depois está em curso uma candidatura Erasmus para artesãos. Trata-se de um intercâmbio com Estónia a juntar à formação modular, a continuidade das oficinas mestre/aprendiz e o lançamento de um novo concurso de ideias.
A apontar ao futuro, a coordenadora da Tagus vincou a necessidade de capacitar a formação, a participação em feiras, a realização da conferência Artes e Ofícios, em Abrantes, o lançamento do concurso de ideias, a venda de artesanato na “Praça do Ribatejo Interior” venda online (www.praca-ri.pt), a criação da plataforma digital para venda da rota, apostar no estudo da oferta turística, preparar a certificação da rota turística sustentável e, naturalmente, continuar a promoção da rota.
Conceição Pereira, coordenadora Tagus
A viagem dos sentidos dos saberes e dos fazeres. 25 pontos a visitar. 26 artesãos apara conhecer.
A voz dos artesãos do Ribatejo Interior
Depois da Rota foram apresentados trabalhos, em muito ligados às plantas. De Mouriscas, a SIFAMECA apresentou a espartaria que desde a década de 40 do século passado trabalha as ceiras e capachos com o cairo que é uma fibra de côco, importado da Índia.
Com a produção de capachos a diminuir a arte de entrelaçar virou-se para os tapetes ou ceiras decorativas.
As Bonecas de Pernas de Cana, de Constância, em que as artesãs “mostraram” como fazem a transformação de plantas. Cana. Algodão. Linho.
Há mesmo a modernização com uma boneca em quit para poder montar em casa.
Os leques de palha, de Sardoal, feitos do palanco. Ou seja, são feitos com palhas, trapos e linhas vermelhas. Também podiam ser feitos de centeio, mas o palanco é uma planta invasora e até se ajuda o ambiente. Por outro lado, aproveitavam-se os restos de das costureiras.
Agora, com a mesma palha há novos desafios como candeeiros ou um “espanta sogras” ou “espanta bruxas”, peça que era oferecida para as casas dos noivos.
Já na malaria, com folha Flandres, para além das malas normais também houve inovação, com a produção de uma “pochete” para as senhoras.
O Turismo no Médio Tejo
Jorge Simões, secretário executivo da Comunidade Internacional do Médio Tejo, deixou a ideia clara de que esta Rota do Ribatejo Interior pode ser exportada para todo o Médio Tejo.
Mas depois deixou claro que há pontes a fazer entre as artes e ofícios, e o turismo. E explicou que o “turismo sustentável é o que nos interessa. Não é os locais onde temos grandes pressões turísticas”, porque há locais de Portugal e Europa que já têm cartazes a pedir para os turistas de irem embora.
Jorge Simões destacou que a região tem três grandes eixos turísticos: religioso, templários, e náutico. Mas depois há a quarta via que aponta a um turismo sustentável, turismo lento ou turismo comunitário.
E destacou, logo de seguida, que as artes e ofícios promovem o turismo sustentável, o turismo desconcentrado o que implica um desenvolvimento sustentável com poucos impactos ambientais e com preservação do património.
Artes e ofícios de Constância
Sérgio Oliveira, presidente da Câmara de Constância, apresentou as Artes e Ofícios do seu concelho, as que ainda são uma realidade e outras que já só fazem parte dos registos.
A cana como base para as bonecas de pernas de cana.
Tabúa para tampas de cadeiras. Há um artesão que ainda faz estes trabalhos.
Construção naval, ou a construção de barcos com madeira do Pinheiro Manso.
Lentrisco, que era uma planta para fazer vassouras utilizadas para varrer os pátios das casas
Do salgueiro faziam o covo, uma armadilha dos pescadores para apanhar o peixe mais miúdo.
Da moita faziam as agulhas para fazer as redes de pesca ou para as remendar.
E do sobreiro, utilizavam a cortiça para fazer as boias para as redes de pesca.
Sérgio Oliveira, presidente da Câmara de Constância
Este ano a Conferência as Artes e Ofícios do Ribatejo Interior apontou às plantas e realizou-se em Constância. Em 2025 a conferência ganha corpo em Abrantes com um outro tema em destaque, mas sem perder o foco do saber fazer, dos produtos locais e do património imaterial.
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