A Procuradoria da Comarca de Santarém tem em curso 21 inquéritos respeitantes a auxílio à imigração ilegal e tráfico de pessoas, instaurados nos anos de 2020 e 2021 e atualmente em investigação, disse hoje fonte judicial à Lusa.
A Procuradoria-Geral da República confirmou a existência dos inquéritos, na sequência de perguntas colocadas pela Lusa, nomeadamente sobre o processo que deu origem à detenção, em julho de 2020, de três cidadãos estrangeiros suspeitos dos crimes de tráfico de pessoas e de auxílio à imigração ilegal.
As detenções ocorreram no âmbito de um inquérito que o Ministério Público afirmou, na altura, estar “em investigação há alguns anos na 2.ª secção de inquéritos do Departamento de Investigação e Ação Penal de Santarém”, por indícios de “existência de dezenas de cidadãos estrangeiros em situação ilegal, usados como mão-de-obra barata em explorações agrícolas em redor das localidades de Almeirim e Alpiarça”.
Os três homens, que ficaram em prisão preventiva, foram detidos durante uma operação em que participou igualmente o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e que visou o “desmantelamento de uma rede de tráfico de seres humanos e crimes conexos, com a introdução de trabalhadores estrangeiros, alguns em situação irregular, em explorações agrícolas no Ribatejo”.
No decorrer da operação “Lezíria” foram identificados cerca de 140 trabalhadores estrangeiros, tendo cerca de 10 sido sinalizados como vítimas do crime de tráfico de pessoas, lia-se na nota do SEF divulgada em 10 de julho de 2020.
“Estes cidadãos estavam, na sua maioria, sujeitos a condições degradantes de trabalho, alojamento e salubridade”, segundo o comunicado.
Além das três detenções, os cerca de 120 agentes do SEF cumpriram 40 mandados de busca e apreensão, com a apreensão de vários meios informáticos, viaturas, diversa prova documental da prática dos crimes identificados e uma avultada quantia de dinheiro, estando o processo ainda em fase de investigação.
O Tribunal de Santarém julgou, em 2017 e 2018, dois processos de tráfico de seres humanos, que resultaram na condenação, no primeiro caso de três cidadãos, um deles português, e no segundo de oito, dois deles estrangeiros.
No primeiro caso, os três arguidos foram condenados a penas de prisão de 13 e 14 anos por 23 crimes de tráfico de seres humanos, sentenças confirmadas pela Relação de Évora em novembro de 2018.
O caso teve origem numa operação de fiscalização do SEF, que detetou, em junho de 2016, 23 trabalhadores nepaleses, em situação irregular no país, na Herdade dos Morangos, em Paço dos Negros, concelho de Almeirim (Santarém), onde trabalhavam na apanha dos morangos, residindo em condições “desumanas” num anexo das estufas.
O tribunal considerou provado que os 23 trabalhadores encontrados pelo SEF viveram, alguns dois meses, outros três e outros cinco, num anexo “sem janelas nem as mínimas condições de salubridade” nem de privacidade, em condições “atentatórias da dignidade humana” nem sequer aceitáveis para animais.
No segundo caso, o Tribunal de Santarém reduziu, em setembro de 2019, as penas de prisão a seis dos oito arguidos que havia condenado, em março de 2018, num processo por tráfico de pessoas, porque o Tribunal da Relação não aceitou a alteração de factos feita durante o julgamento.
O novo acórdão baixou em dois anos as penas dos principais arguidos num processo que teve origem numa operação realizada pela Polícia Judiciária em julho de 2015 numa empresa de Almeirim, tendo em conta o entendimento do tribunal de recurso de impossibilidade de imputação de crimes que não constavam da decisão instrutória.
Nesse processo, os principais arguidos foram ainda condenados ao pagamento de uma indemnização de 15.000 euros a um trabalhador ao qual tinha sido diagnosticada uma insuficiência renal e que foi agredido e deixado várias vezes sem dinheiro nem alimentos.
Lusa