Quando se aproxima o verão, o tempo aquece, aligeiramos as roupas, atualizamos o roupeiro de inverno para verão e, com uma certa ansiedade, olhamos para o nosso reflexo no espelho. Parece que, de ano para ano, fica cada vez mais longe da nossa perceção de corpo adequado a mostrar na praia.
E se fosse possível entrar numa loja e comprar um corpo de praia? Podia escolher-se o tamanho, a cor, a pele… O ser humano tem tendência a perseguir a perfeição sem olhar para as consequências. Há quem faça dietas draconianas que provocam distúrbios mentais, há quem apanhe sol sem limites que resultam em doenças na pele, há quem sobreponha a sua aparência física aos outros aspetos da vida, apenas para sentir o seu real valor. Então e se os corpos “da loja” viessem com uma etiqueta onde estivessem escritos todos os efeitos secundários, queríamos comprá-los na mesma?
Antes de responder a esta pergunta vejamos como o corpo era visto no passado.
Já na Atenas antiga, o corpo bem formado era um elemento importante da ideia da democracia, acreditava-se que o calor corporal incentivava a discussão e a participação nos assuntos do estado. O ideal era o princípio de kalos kagathos – a combinação da beleza corporal com a bondade espiritual. Na Idade Média surgiu uma atitude ambivalente em relação ao corpo, era ao mesmo tempo condenado (a alma era prisioneira do corpo) e exaltado (o mistério da encarnação de Cristo). O corpo começou a ser percebido como uma metáfora da sociedade – a sua coesão e harmonia ou, pelo contrário, a sua rutura e conflitos. Uma abordagem inovadora e puramente materialista do corpo e da sua fisiologia pode ser encontrada em François Rabelais. Na sua perspetiva, é no corpo e graças à continuidade das gerações que é possível medir e acompanhar o tempo histórico.
O que mudou ao longo de anos?
Na verdade, a importância que se dá ao corpo não mudou, mudou apenas o formato da atenção que lhe damos.
Estamos rodeados de corpos perfeitos, caras bonitas, pessoas magras a sorrir para nós em cartazes ou fotos postadas no Instagram. E fácil ficar confuso com as próprias interrogativas: “se eu fosse mais magra, se tivesse um nariz mais pequeno, peito maior/menor, cabelo ondulado/liso… – aqui cada um pode terminar a frase de forma livre – seria muito mais feliz.”
Algumas investigações comprovam que isto, não só não funciona, como tem o efeito inverso. Indivíduos que implementaram dietas foram examinados após 4 anos do início do processo e os resultados mostraram que todos eles, independentemente de manterem ou não o peso, revelaram um nível de felicidade inferior ao apresentado no início da dieta.
Situação semelhante acontece no caso das cirurgias plásticas. Em 2011 foi realizada uma investigação na Noruega com cerca de 2000 jovens, que mostrou que quem as decidiu fazer, têm como denominador comum um nível de felicidade bastante mais baixo do que a média dos jovens em geral. Através destes meios invasivos arriscam uma oportunidade de se sentirem mais felizes, mas, lamentavelmente, as cirurgias são apenas mais um ponto na lista de procedimentos que podem fazer precisamente o inverso.
Voltando à questão inicial, da próxima vez que observar o seu reflexo no espelho e tiver dúvidas se tem um corpo adequado para ser exibido a outros na praia, lembre-se que todas aquelas pessoas também têm corpos, têm espelhos, têm as suas inseguranças e, tal como nós, iriam à imaginária “loja dos corpos”, mas seguramente sairiam sem trocá-lo, pois NENHUM nos assenta melhor que o PRÓPRIO.
Anna Kosmider Leal
(Antropóloga)