A Deco recebeu 30.100 pedidos de ajuda em 2020 por parte de famílias sobre-endividadas, mais do que um ano antes e maioritariamente explicados por desemprego, perda de rendimentos, precariedade laboral ou por negócio que correu mal.
O número de sobre-endividados que recorre ao Gabinete de Proteção Financeira (GPF) da associação de defesa do consumidor Deco tinha estabilizado em 2018 e 2019, mas aumentou em 2020 refletindo a travagem na economia imposta pela pandemia de covid-19 e é com preocupação que Natália Nunes, coordenadora do GPF olha para o ano que acabou de findar.
“A verdade é que tivemos muitas famílias, em 2020, que, no início do ano, tinham uma situação financeira perfeitamente normal, tinham o seu rendimento, tinham os seus créditos e estavam a pagá-los”, mas que, “a partir de março foram confrontadas com cortes substanciais dos seus rendimentos”, referiu à Lusa Natália Nunes.
A situação, acentua, só não se agravou mais devido às moratórias de crédito, lançadas pelos bancos e pelo Governo (visando os créditos da casa e ao consumo quando destinado a educação e formação), sendo que a adesão a esta segunda modalidade termina no final de março.
De acordo com os dados do GPF, dos mais de 30 mil pedidos de ajuda registado em 2020, quase um terço (29%) foram motivados por desemprego.
A esta causa – que viu o seu peso aumentar ao longo do ano – somam-se os 24% sobre endividados que recorreram à Deco por terem registado perda de rendimentos, por terem visto a sua atividade reduzir-se ou por terem sido colocados em ‘lay-off’ por exemplo.
A precariedade laboral e negócio mal sucedido foram as causas referidas por, respetivamente, 10% e 5% dos que pediram ajuda.
Para Natália Nunes, o facto de 70% referirem que se viram confrontados com rendimentos insuficientes para fazer face a todas as despesas e compromissos por terem ficado sem trabalho ou sofrido cortes salariais “mostra bem o impacto que esta crise está a ter nas dificuldades das famílias”.
Apesar de ter aumentado o número de sobre-endividados que recorrem ao apoio da GPF, os processos de intervenção abertos por este gabinete totalizaram 2.747, ligeiramente abaixo dos 2.787 abertos em 2019.
A justificação está em grande parte, mais uma vez, nas moratórias, como assinala a coordenadora do GPF: “houve muitas situações em que não foi necessário abrir processo porque conseguimos encaminhá-las e as famílias, pelos próprios meios, conseguiram resolver a sua situação, muitas delas até através das moratórias”.
O rendimento médio dos sobre-endividados rondava em 2020 os 1.090 euros líquidos mensais e este é outro dos fatores realçados por Natália Nunes porque traduz uma quebra face aos 1.200 euros de rendimento líquido mensal reportados pelos que pediram ajuda em 2019. O valor de 2020 é sobretudo semelhante com o observado em 2012 (1.053 euros).
“De 2012 até 2019 [as pessoas] conseguiram recuperar algum rendimento, mas a verdade é que em 2020 houve uma redução”, refere Natália Nunes alertando que essa redução se continua a registar em 2021.
“Bem sei que ainda só passou um mês e pouco, mas a verdade é que já há uma acentuada redução de redução de rendimentos o que nos deixa preocupados”, precisa a coordenadora do Gabinete de Proteção Financeira da Deco.
O valor médio do rendimento líquido mensal é, no entanto, uma das poucas semelhanças entre a anterior crise e a atual. Em 2020, as famílias que recorreram à ajuda do gabinete coordenado por Natália Nunes tinham um montante médio de prestações mensal de 850 euros por mês, abaixo dos 924 euros contabilizados em 2012.
Estes valores explicam que a taxa de esforço fosse então de 89% e em 2020 fosse de 79%, valores que refletem o impacto das moratórias. Tal como os 37% de incumprimento observados.
"A moratória foi um balão de oxigénio que funcionou durante o ano de 2020 para as famílias e é ele que, de certa forma, justifica que não haja aqui um agravamento do incumprimento", precisa.
De acordo com os dados, depois de subtraídos os encargos com o crédito ao rendimento mensal, estas famílias ficam com cerca de 240 euros disponíveis para fazer face às restantes despesas, o que reflete uma taxa de esforço bastante superior aos 35% que são recomendados.
Os dados de 2020 mostram que 46% dos que tiveram de pedir a intervenção do Gabinete de Proteção Financeira em 2020 dispunham do ensino secundário e que 40% são casados ou vivem em união de facto. São, além disso, sobretudo trabalhadores do setor privado (46%).
Lusa