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Pandemia: Diário resumido da Pandemia numa casa de seis (sendo que dois trabalham e quatro têm escola em casa)

7/03/2021 às 11:22

Por Vera Dias António

Quando fui desafiada pela caríssima diretora deste jornal, a minha amiga Patrícia, para escrever sobre a gestão e rotinas deste novo tempo, particularmente com as crianças a estudar em casa aceitei com muito gosto. Mais porque precisava desabafar, extravasar.

Depois assaltou-me a dúvida de como contar a nossa experiência de pais de quatro filhos, todos no sistema de ensino público. Temos a sorte e a honra de ter quatro filhos, 3 rapazes e 1 rapariga. Vivemos e trabalhamos em Mação, onde o nosso gang estuda.

Os rapazes frequentam o 9.º, o 8.º e o 5.º ano. A menina, com 3 anos, entrou este ano no jardim-de-infância de Mação.

Estou a trabalhar no período da tarde. Trabalhamos em espelho, uns de manhã, outros de tarde. Há ainda o teletrabalho, mas isso fiz no primeiro confinamento e fiquei esgotada. Muito esgotada. Não é fácil. Na altura a Rita era ainda mais bebé, mais dependente, e o Lourenço estava no 4.º ano e precisava de muita atenção e acho que quando estamos a trabalhar em casa, além do que temos realmente a fazer sentimos necessidade de fazer e mostrar mesmo, mais do que quando estamos no local de trabalho. Pessoalmente, não gostei.

Neste segundo confinamento trabalho de tarde e o Rui acompanha os dois turnos pelo que entra a meio da manhã e sai a meio, fim da tarde. A Rita, deixo-a com os meus pais depois do almoço e, nos dias em que a minha mãe trabalha de tarde deixa-nos a Rita no trabalho e pouco depois o Rui vem com ela para casa. Há dias em que fica com a minha irmã. Vai-se gerindo com apoio familiar. Tempos houve em que não tivemos este apoio, de isolamento completo. Como os meus pais tiveram Covid pelo Natal, estão naqueles 3 meses supostamente seguros e voltámos a contar com eles. Agora em março, teremos que repensar isto…

De manhã estou em casa a tentar dar o meu melhor. A tentar, dizia eu.

A Rita, depois de uma noite com uma ou outra interrupção para leite ou ir para a sala, como acontece desde há 3 anos, acorda cedo e cheia de vontades. Quando digo cedo falamos de um período entre as 6h30 e as 8h30. Tempo para tudo, dar banho à Barbie, pintar com aguarelas, desenhar, recortar, maquilhar-nos... Quando vou acordar os rapazes perto das 9h já o nosso dia vai longo.

Os rapazes levantam-se cheios de vigor e animação, ávidos de trabalho escolar. Querias, não era?! Pois não. Ainda assim, depois de duas os três voltas extra na cama lá se levantam, vestem um fato de treino, por vezes só a parte de cima, preparam-se e entram nos seus mundos virtuais, desta escola em que se entra pelo e-mail, viram por um atalho do Meet e entram na sala do monitor onde estão os colegas e os professores, aos quadradinhos. Duas aulas de manhã e duas de tarde, por vezes três num dos períodos, mais as aulas do Conservatório, um tem guitarra duas vezes por semana e outro tem uma de piano. A par das aulas práticas com o professor no monitor, têm trabalhos de formação musical e coro. Outro dia o Lourenço tinha que cantar e gravar uma música para enviar à professora.

Estávamos na sala e ele treinou várias vezes. Pois precisamente no momento em que cliquei no REC do gravador do telemóvel, a Rita desatou a berrar “já chega, cala-te. Já disseste isso, não quero ouvir mais…”. Ficou bonito. Tivemos que ir para a casa de banho gravar.

Entre a primeira e a segunda aula da manhã, verificamos os trabalhos que têm, especialmente quando os noto muito “tá-se bem”, “tipo, gosto bué de ter escola em casa”, está sempre tudo feito, tudo controlado e vai-se a ver e outro dia vi vários trabalhos em atraso ou em falta. Esses são momentos maus, irritam-me muito e às vezes digo asneiras.
Vistas as tarefas dos rapazes, antes do almoço fazemos as atividades que a Educadora da Rita envia, uma por cada dia da semana. Há histórias, desenhos, ginástica, recorte, pintura e experiências. Na foto, uma muito gira, sobre a ação da água nas pintarolas.

A manhã é ainda tempo de lavar, estender, dar um jeito aqui e ali à casa que, convenhamos, nunca está arrumada. Nunca. Por vezes quando estou na cozinha de volta do almoço deixo de ouvir a Rita. Um dia estava a limpar os vidros, noutro respondeu-me que estava a “respirar amor”. Já outra vez, comigo ocupada e eles nas suas tarefas, ouvi-a dizer: “Ninguém não gosta de mim”. Pelo que perco, ou ganho, algum tempo a brincar com ela. Agora insiste que tenho que fazer vozes para os bonecos falarem com ela. Já tenho várias, uma mais irritante que a outra e, se não fosse um nicho tão controlado, ia fazer dobragens de desenhos animados.

No tempo que passo mais com eles, ela arruma-se no sofá, que entretanto está cansada, e vê vídeos. Tem um sotaque brasileiro maravilhoso e diz-me coisas como “mamã, você é muito mágica”, além de saber todas as cores em português, várias em inglês, só o desgraçado do castanho é que não passa do marron, como em português do Brasil.

Quando descem para almoçar há uma descarga de energia de quem passou a manhã no computador. Saltam no trampolim, que foi a melhor aquisição que fizemos no primeiro confinamento, sendo que tivemos que arrumar a mesa de jantar, assim como assim também não há almoços de família nestes tempos. Neste tempo do almoço em que se encontram, discutem, ou não, brigam, ou não, depende sempre tudo de muita coisa. Leva-se a cadela à rua e os rapazes entram nas aulas da tarde.

Deixo a Rita na minha mãe. Vou para o trabalho. Chego muitas vezes estafada. E só preciso de me sentar um bocadinho na cadeira a perceber o trabalho que tenho para fazer. Parecendo que não, a pessoa espairece. Outro dia, já no trabalho, a minha mãe mandou uma SMS com o relato da Rita sobre a nossa manhã: “os manos bateram um no outro, a mamã disse que merda e depois fomos almoçar”. Respondi-lhe que estava o resumo feito, sem alterar uma vírgula. Sim, há dias assim.

Sobre as rotinas que mudaram, foram várias. Os domingos em casa dos meus sogros já não o são há quase um ano. O nosso rapaz do futebol sente-lhe a falta, e tem sempre tanta energia... As atividades do Conservatório também suspensas. Tanta coisa em suspenso. Mas vamos inventando novas rotinas, que sempre fomos gente de estar por casa. A catequese, igualmente suspensa no geral, continua para eles. A minha sogra é a catequista dos rapazes e ao sábado continua, por videochamada via WhatsApp. Ao sábado de tarde, a 20 km de distância, ouço a minha sogra a rezar o pai nosso com eles. Sendo que mal se veem, é terapêutico, é o momento deles com a avó. Os aniversários têm sido só entre nós, o Natal foi o primeiro sozinhos, assim como a passagem de ano. E na Páscoa já faz um ano sem almoços de família, exceto nos anos da Rita, em outubro passado, que as coisas estavam calmas, estava sol e fizemos um churrasco na rua, a família chegou, almoçámos ao ar livre e foram embora. Foi a única vez neste último ano.

Ainda sobre as aulas e a adaptação. Pensámos que a internet ia ser um problema, mas se estiver tudo desligado, a coisa vai funcionando. Por sorte, ou porque o Rui os aconselha bem, com o dinheiro que vão ganhando no Natal e nos anos, os rapazes tinham comprado, há uns dois anos, um portátil cada um. Parece que adivinhavam. Em relação às aulas, depende muito do tipo de matéria e do trabalho que os próprios professores dedicam à coisa, como na escola, claro! Há os que dão aula, fazem fichas, mandam registos para passar para o caderno o que, se a matéria o permite, é muito bom, é tempo em que estando a escrever, estão a estudar, entra qualquer coisa. Depois há outras aulas que considero menos exigentes com eles. Eles preferem, claro, mas eu acho que se podia pedir mais. Entre as aulas eles têm um espaço que poderiam mesmo ocupar com tarefas. Por outro lado, especialmente quando vejo trabalhos em atraso, acho o tempo pouco. Mas não é, é o arrastar. É coisa deles. Há prazos dilatados, eles adiam e depois deixam passar. Insisto que façam logo, na hora, independentemente da data de entrega. Às vezes resulta, outra não. Com uns mais do que com outros. São feitios, modos de ser, ralho, falo, explico, ralho, falo, explico, é um processo. Se há professores que podiam dar mais, eles sem dúvida que o podem fazer. Até porque depende do dia. Há dias produtivos, como se quer.

A meio da tarde o Rui vai para casa e fica com eles. Alguns dias fazem ginástica, nunca tiram as fotos que os professores pedem e irritam-me.

Quando chego preparamos o jantar. Pomos a conversa em dia e eles vão aparecendo. Jantamos sempre juntos. É o único momento do dia em que estamos os seis juntos. Depois de jantar há, por vezes, trabalhos em atraso da tarde. Num dia bom está tudo bem. Num dia assim-assim, são tarefas do dia, num dia mau está tudo descontrolado, mal disposto e ninguém se entende. Depende de muita coisa. De nós, do rumo do dia. Da falta de atenção de algum. Ultimamente até do estado de tempo. Senti este ano, pela primeira vez, a humidade e o mofo a entrarem-me na alma. O truque, ainda assim, é afinar o sentido de humor. Vale de muito, é a nossa melhor arma de combate à fadiga pandémica. Sim, existe!

Uma coisa é certa, não acredito que alguém passe por isto sem crescer. E sem sofrer. E sem ser feliz pois há momentos muito bons, também. E que sorte que é estarmos vivos. E termos paz, a maior parte dos dias.

 

Nota: as fotos são ilustrativas, tiradas com o meu telemóvel, um pouco sofríveis. Peço desculpa. A Patrícia podia ter mandado uma equipa para uma sessão fotográfica, mas não houve tempo.

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