Quando, em julho passado, recebeu um louvor da ministra da Saúde, a primeira coisa que lhe veio à cabeça foi um trecho de Camões: “E aqueles que por obras valerosas - Se vão da lei da morte libertando”. Diogo Teixeira Pereira, um abrantino de 26 anos, fez parte de uma equipa que, no âmbito da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, elaborou um documento sobre o ‘Acesso aos Medicamentos para uma Europa mais Forte e Resiliente’. Foi esse trabalho “árduo” que lhe valeu o reconhecimento. Para além da satisfação pelo louvor, o jovem realça a importância que o estudo terá na vida dos outros.
Aos 26 anos Diogo Teixeira Pereira tem já uma vida cheia de estórias para contar. O seu percurso académico e profissional foi-se construindo com estímulos da família e dos professores, acrescentando-se o reconhecimento de entidades que lhe foram atribuindo bolsas. Mas as suas características foram determinantes. Quando é desafiado a olhar para trás, Diogo reconhece um “jovem curioso, determinado e resiliente por querer melhorar as suas condições de vida”. E acrescenta: “O meu presente é o mais improvável dos futuros que podia imaginar naquela altura.”
Criado pelo pai e pela avó paterna, Diogo Teixeira Pereira cresceu em Alferrarede e estudou na Escola Secundária Dr. Solano de Abreu. Foi pela altura do secundário que começou a perceber que ir para a universidade poderia, afinal, ser uma possibilidade, contra aquilo que havia imaginado até então. “Nunca pensei ir para a faculdade. Venho de origens humildes e, à partida, não havia condições para ir para a faculdade. Mas depois comecei a estudar e a aplicar-me. Do básico para o secundário senti o chamamento para estudar e para ir para a faculdade, porque estudar e melhorar as condições de vida são dois lados da mesma moeda.” - conta Diogo, recuando no tempo.
Enquanto descobria o gosto pelos discursos, pela organização de eventos e pelo voluntariado, Diogo empenhava-se cada vez mais nos estudos. A sua dedicação foi reconhecida pelo Rotary Club de Abrantes, que lhe atribuiu uma bolsa desde o 12º ano. Já a pensar num futuro internacional, investiu o valor das bolsas em cursos de línguas. O aperfeiçoamento do Inglês foi fundamental para o período de Erasmus em Haia, na Holanda, e para o estágio em Nova Iorque, mas o Francês também foi importante para o mês de voluntariado que fez na cidade francesa de Parthenay, com deficientes físicos.
Diogo fez o secundário na área das Ciências Socioeconómicas. Andou aqueles três anos a pensar que seria gestor ou economista, mas no 12º ano tudo mudou. Um “desaire” na Matemática levou-o a procurar uma alternativa. Ou ficava mais um ano em Abrantes a melhorar a nota e a trabalhar ou procurava uma alternativa. Como foi desenvolvendo o gosto pela política, entrou em jogo uma das suas principais características – a flexibilidade – que o levou a fazer uma viragem no percurso, da Economia para a Ciência Política.
Em 2016 licenciou-se em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Nova de Lisboa, tendo sido o melhor aluno do curso e recebendo bolsas nos três anos de estudo, que lhe permitiram resolver o principal problema prático: o alojamento em Lisboa. Fez Erasmus em Haia, na Holanda, experiência que o “ajudou a expandir os horizontes”. Dois anos depois concluiu o Mestrado na mesma instituição, especializando-se em Estudos Europeus. Entre outubro de 2018 e outubro de 2019 fez um estágio como ‘Special Advisor’ no Consulado-Geral de Portugal em Nova Iorque.
“Antes de ir para Nova Iorque queria ter uma experiência fora da Europa, mas depois vi que era uma cidade muito acelerada, até para mim, que também sou acelerado. Mas foi preciso ir para uma cidade mais acelerada do que eu para eu olhar para mim próprio e para perceber que tenho de recentrar o meu aceleramento estrutural. Foi aí que ganhei a apetência pelo desenvolvimento pessoal, pelo Reiki e pela meditação.” – conta o jovem abrantino.
A nova forma de estar na vida ajudou Diogo no período da pandemia: aproveitou os confinamentos para aprofundar o autoconhecimento e para passar a fazer exercício físico. “Sempre tive uma relação complicada com o desporto, tinha medo de explorar os limites do corpo. Mas o nosso corpo é a nossa casa, só temos uma e temos de cuidar bem dela. E pensei: eu tenho que conferir sustentabilidade de longo prazo ao corpo. Parece um chavão teórico, mas é mesmo isso. Não fiquei sedentário.” Atualmente segue um plano de treino e pratica boxe, o que ajuda a aliviar o stress.
Em todo este percurso, Diogo reconhece a importância da avó paterna. “As mães são importantes, mas as avós são fundamentais. A minha avó passou-me aquele lado da importância da interação com os outros. Ia com ela para as excursões e hoje dou valor a isso. Ela sempre me disse: vai, vai, aprende e explora para teres uma vida melhor. A última vez que vi a minha avó foi no dia em que defendi a tese de Mestrado. O momento é cheio de simbolismo, porque lhe disse que concretizei a missão.” E a avó, sabendo que Diogo tinha de voltar para Nova Iorque, disse-lhe para ir. “E isto é a maior prova de amor que se pode dar, que é dizer: Eu amo-te tanto que eu quero que vás explorar mais.”
Os outros membros da família de Diogo também são peças importantes na sua vida. “O meu pai está sempre surpreendido com o que vou alcançando e isso também me estimula a continuar.” A pequena irmã Margarida emocionou-o quando, com nove anos, lhe disse que o considerava um herói. “Se eu a puder inspirar para ela procurar algo mais, eu vou fazê-lo” – diz, com a determinação que o caracteriza.
No seu percurso guarda especial agradecimento à professora de Educação Visual que o envolveu numa atividade de solidariedade relacionada com o cancro e à professora de Economia do ensino secundário. Com a primeira voltou aos ensinamentos da avó: “Nós concretizamo-nos a servir os outros. O propósito da vida vai para além de nós. Não há objetivo central que possamos atingir sem interagirmos com os outros.” Com a segunda começou a “ganhar o gosto pela ideia de que está tudo ligado, que as coisas estão todas relacionadas”, o que veio a ser determinante em todo o seu percurso académico.
O reconhecimento que Diogo foi tendo pelo seu trabalho leva-o a refletir sobre a importância de se ser proativo. “Não podemos esperar que as coisas nos caiam de bandeja. Temos de andar à procura e não podemos ficar só dependentes de uma coisa. É importante sermos fixos, mas flexíveis. Eu fui fixo porque queria ir para a faculdade, mas fui flexível na abordagem para lá chegar.”
Aos 26 anos Diogo sente-se “mais velho”. Talvez por ter já muitas experiências acumuladas. Para além do voluntariado em França, também já o fez em Lisboa, com as pessoas mais velhas, que o ajudaram a perceber que há um caminho a percorrer. Já participou num projeto para consciencializar as crianças e os jovens para a importância do voto e também tem no seu currículo a apresentação de duas comunicações em congressos na área farmacêutica. Desde maio de 2020 que é ‘Policy Analyst’ no Gabinete de Relações Internacionais e Desenvolvimento no INFARMED. A entrada no mundo do trabalho permitiu-lhe concretizar alguns sonhos, como o de conhecer o resto do país. Braga e Guimarães foram a primeira etapa, o Porto vem já a seguir.
Refletindo sobre o que tem sido o seu percurso, Diogo diz: “Na nossa vida, nem tudo é consciente. Há ideias que andam a ser plantadas no subconsciente durante muitos anos, mas depois há um evento que as faz subir ao consciente e nós agimos. Muitas das mudanças mais estruturais da minha vida só aconteceram tempos depois de algumas experiências acontecerem.”
Hália Costa Santos