O especialista em alterações climáticas Filipe Duarte Santos defendeu hoje um diálogo sério entre Governo e produtores para uma gestão eficiente da floresta e considerou que é essencial conseguir-se finalmente um cadastro dos terrenos.
Filipe Duarte Santos, presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS), destacou que o eucalipto, especialmente da espécie ‘globulus’, prolifera em Portugal essencialmente porque é lucrativo e fácil de manter com as condições de solo e climáticas portuguesas, além de produzir uma pasta de papel “de alta qualidade, a nível mundial”.
“A venda da madeira de eucalipto é a forma de dar o melhor rendimento aos proprietários de terrenos”, disse, salientando que manter um terreno, que muitas vezes é pequeno, custa dinheiro e o proprietário, “em lugar de ter algum lucro, só tem gastos”.
O especialista destaca que “as pessoas vão plantando eucaliptos sempre que podem”, o que leva à proliferação descontrolada destas árvores, e as leis que determinam áreas máximas para a plantação desta árvore nem sempre são cumpridas.
“Para que isto, de facto, não seja só escrito no papel, é preciso que haja uma monitorização, ou seja, uma fiscalização, verificar se, de facto, essa área está a aumentar ou não”, disse, destacando que cabe ao Ministério do Ambiente e da Ação Climática, através do Instituto de Conservação da Natureza e da Floresta, (ICNF) fazer esse inventário.
O relatório mais recente sobre a presença de eucalipto em Portugal foi divulgado pelo ICNF em 2019, baseado em observações até anteriores à tragédia de Pedrógão Grande, em 2017, o que Filipe Duarte Santos considerou “surpreendente”, sobretudo num contexto em que “o risco de incêndio florestal tem estado a aumentar, em parte devido às alterações climáticas”.
O especialista salientou que existem empresas que “gerem excelentemente” áreas de monocultura de eucalipto, onde mantêm “um nível de eficiência em toda a cadeia de valor da produção de pasta de papel” e “algumas preocupações de sustentabilidade”.
No entanto, existe depois o resto e que é a generalidade da floresta portuguesa: “Áreas em que houve incêndios florestais e que, depois dos incêndios, não se fez praticamente mais a gestão da floresta, que cresceu de uma forma espontânea, desordenada”.
“Isso é uma coisa que não tem valor económico, ou tem um valor económico muito baixo, e é uma coisa que, de certo modo, é perigosa, porque a disponibilidade para proteger esse tipo de áreas do risco de incêndio é menor do que numa floresta que está bem gerida. Portanto, esse é talvez o problema principal. É isto que importa tentar evitar”, considerou.
Para isso defendeu “um diálogo muito mais próximo entre o Governo e as entidades governamentais”, como o ICNF e as associações de proprietários florestais, “no sentido de tentar chegar a formas de melhor gerir a floresta”, de chegar a “incentivos para que haja melhor gestão” florestal.
Num território com mais de 90% da propriedade florestal privada, onde o Governo não pode intervir diretamente, falta ainda um cadastro da propriedade de todas as parcelas onde há mato e floresta em Portugal.
Filipe Duarte Santos destaca que muitos dos proprietários das parcelas de propriedade florestal que existem em Portugal resultam de heranças indivisas, por vezes, “há várias gerações”, pelo que muitas pessoas são proprietárias de menos de um metro quadrado de floresta e nem sequer sabem exatamente qual é esse metro quadrado, nem o conseguem gerir.
“É muito difícil gerir a floresta nessas circunstâncias, até porque os proprietários estão desvinculados da sua propriedade. A propriedade no fundo está abandonada. As pessoas já não se lembram que têm aquela propriedade, mas o facto é que, de acordo com os registos, são proprietários, o que é um problema que não está resolvido, que os nossos Governos, no plural, não conseguiram ainda resolver”, sublinhou.
Lusa