O prazo para a limpeza dos terrenos florestais pelos proprietários termina domingo, mas diversos municípios afetados por incêndios nos últimos anos dizem que está a ser mais difícil cumprir, devido ao aumento dos custos e à falta de mão-de-obra.
A falta de um cadastro que identifique os donos dos terrenos, muitas vezes nanofúndios resultantes da divisão de heranças, principalmente em zonas afetadas por forte emigração, também dificulta o processo de notificar os proprietários incumpridores, embora os autarcas considerem que mais pessoas estão sensibilizadas para a necessidade de limpar os terrenos.
Com o aproximar da data limite para a limpeza dos terrenos, os trabalhos intensificam-se no concelho de Vila Real, onde, em 2022, se registaram 136 ocorrências que queimaram 5.968 hectares. Só o grande incêndio que deflagrou em 21 de agosto na Samardã, serra do Alvão, consumiu 5.800 hectares.
O vereador da Proteção Civil do município transmontano, Carlos Silva, disse que todas as intervenções preconizadas no Plano Municipal de Defesa da Floresta Contra Incêndios foram concluídas e, em complemento, foram executadas faixas de gestão de combustível em Quintã e em Vilarinho da Samardã e intervenções nos espaços urbanos do bairro de Santa Maria (cidade) e em Cravelas.
Tal como outros autarcas contactados pela agência Lusa, Carlos Silva acredita que há “cada vez mais” proprietários sensibilizados para o esforço da limpeza, mas apontou entraves ao processo como o custo dos trabalhos, a dificuldade em contratar empresas habilitadas para o efeito e o facto de muitos donos não se encontrarem no concelho.
A maior preocupação do presidente da Câmara de Carrazeda de Ansiães (Bragança), João Gonçalves, é precisamente a dificuldade que Câmara e privados têm enfrentado “em arranjar empresas para fazer a limpeza dos terrenos, em tempo útil, já que a área a limpar é grande e o período da limpeza não é assim tão extenso”.
O autarca deste concelho, atingido por um incêndio que ardeu quatro dias em julho de 2022, garante que as faixas de combustível da responsabilidade municipal foram limpas, porém há o problema do despovoamento e consequente abandono dos terrenos privados, que são pasto para as chamas.
No concelho de Seia, Guarda, que foi atingido por grandes incêndios em 2017 e 2022, o município já concluiu uma “primeira volta” na limpeza de faixas de proteção nas bermas das estradas municipais e nas áreas de localização empresarial.
O presidente da Câmara de Seia, Luciano Ribeiro, adiantou que, ao nível dos privados, “as limpezas estão mais caras e as pessoas têm menos rendimento disponível”, embora as situações mais graves já tenham sido sinalizadas pela GNR e pelos serviços municipais.
Também em Palmela, Setúbal, não há empresas nem mão-de-obra disponível para se proceder à limpeza de todos os terrenos, de acordo com o previsto na lei, destacou o presidente do município, Álvaro Amaro (CDU).
Neste concelho há centenas de terrenos que precisam de ser limpos todos os anos devido ao elevado risco de incêndio que apresentam, mas alguns proprietários não o fazem e a autarquia também não tem meios humanos e financeiros para se substituir a todos eles, até porque alguns também não pagam as multas e os processos nos tribunais são demorados.
No concelho de Gavião (Portalegre), onde o risco de incêndio na época de verão é “sempre elevado”, os trabalhos de limpeza de terrenos e matas está a decorrer “muito bem” e até ao dia 30 deste mês vão ficar “praticamente” concluídos, de acordo com o presidente da Câmara, José Pio, que salientou que “a maior dificuldade” é “ter gente para operar as máquinas e para pôr os terrenos em condições”.
Dois anos depois de ter sido assolado por um violento incêndio, que consumiu uma área estimada de 1.100 hectares de terreno, no concelho de Odemira (Beja) os privados também se queixam de dificuldades em “encontrar prestadores de serviços” e o município lamenta que não tenha sido criada uma “freguesia prioritária” neste território, para ter “maior controlo” em “termos de fiscalização”, explicou a vereadora da Câmara de Odemira Raquel Vicente e Silva.
Em Monchique (Faro), o presidente do município, Paulo Alves, sublinhou que há situações em que o prazo “não pode ser cumprido”, devido aos períodos de risco alto e elevado de incêndio, que frequentemente são registados em abril.
Em Loulé (Faro), a limpeza de terrenos “está a decorrer com normalidade, dentro do expectável, e dos prazos”, assegurou à Lusa o presidente da autarquia, Vítor Aleixo, destacando uma “escassez de empresas que executem trabalho na área da silvicultura preventiva”.
Vítor Aleixo destacou que “a falta de informação sobre os proprietários, visto o cadastro não estar terminado”, dificulta a sua notificação.
Também Cadaval e Mafra (no distrito de Lisboa) apontaram à Lusa dificuldades na identificação e notificação dos proprietários, por desatualização de dados da propriedade nas Finanças e conservatórias.
Em alternativa, os dois concelhos do distrito de Lisboa concentram o seu esforço de limpeza e de criação de faixas de gestão de combustível (FGC) nas zonas críticas, que apresentam perigosidade alta ou muita alta, notificando apenas os proprietários dessas zonas, em vez da totalidade.
Em Alvaiázere, o presidente da Câmara, João Paulo Guerreiro, salientou que viu “arder tão rápido terrenos que não estavam limpos, como terrenos imaculados”, quando, no verão de 2022, arderam cerca de 3.500 hectares, provocando prejuízos de cerca de 5,2 milhões de euros no concelho.
João Paulo Guerreiro considerou que, mais importante que a limpeza, é “a organização e a distribuição florestal e não florestal dos territórios”, e assinalou que o despovoamento do interior faz com que muitos terrenos já não sejam minifúndios, mas nanofúndios.
“Temos terrenos de 100 metros quadrados com 20, 30 proprietários e torna-se muito difícil ter algum tipo de ação sobre os proprietários destas parcelas”, acrescentou.
A partir de 30 de abril, como já aconteceu no ano passado, o município de Seia vai atuar nos casos dos terrenos de privados que apresentem maior perigosidade e depois “remeterá a conta aos proprietários”, disse o presidente da Câmara.
Já em Palmela, o presidente da Câmara sugere a criação de um “ónus sobre a propriedade”, que penalize “transitoriamente” os proprietários que não procedem à limpeza dos terrenos.
No âmbito da prevenção, a GNR realizou, desde o início do ano e até 09 de abril, 3.523 ações de sensibilização para medidas de autoproteção e uso correto do fogo pelas comunidades, que alcançaram quase 70 mil pessoas.
Em resposta à Lusa, a GNR revelou que já identificou, no âmbito da Operação Floresta Segura, 13.949 situações de possibilidade de incumprimento da limpeza dos terrenos em zonas de risco de incêndio e já passou 16 autos de contraordenação por queimas e 58 por queimadas.
Lusa