Que probabilidade têm os embriões de futuros planetas como Júpiter de resistir e sobreviver à radiação ultravioleta de estrelas massivas? Estudando a nebulosa de Orionte, o berçário de estrelas mais próximo da Terra, esta foi a pergunta a que tentou responder uma equipa internacional de que faz parte Sílvia Vicente, investigadora do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA), equipa liderada por Olivier Berné, do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), em França.
Num trabalho publicado hoje na revista científica Science, a equipa utilizou a visão na luz infravermelha e alta resolução do telescópio espacial James Webb (JWST) para conseguir penetrar e ver em detalhe através das camadas de poeira da nebulosa de Orionte, a 1400 anos-luz, e surpreender uma das suas estrelas em formação.
É uma estrela oculta pelo disco de material que a rodeia, feito de gás e poeiras, e onde seria provável virem a formar-se planetas, chamado disco protoplanetário. A estrela e o seu disco estão expostos à radiação das estrelas massivas e brilhantes do Enxame do Trapézio, no coração da nebulosa. Os autores verificaram que há um fluxo de gás a ser arrancado ao disco de material, e que o débito desse gás está a acontecer a um ritmo demasiado rápido para que um planeta gigante possa vir a fazer parte do futuro sistema planetário em volta dessa estrela.
Desde 2011 que Sílvia Vicente colabora com Olivier Berné no estudo no infravermelho das propriedades físicas e químicas do gás em discos protoplanetários expostos à radiação ultravioleta de estrelas massivas. É autora do primeiro estudo de um tipo de moléculas que são indicadoras do processo de evaporação destes discos pela radiação ultravioleta. “Este artigo na revista Science demonstra, nos seus objetivos científicos e métodos, o trabalho de investigação que desenvolvo desde o meu doutoramento”, diz Sílvia Vicente, que contribuiu para a análise e interpretação das observações.
As estrelas massivas, como as do Enxame do Trapézio, podem ter dez ou mais vezes a massa do Sol, e são 100 000 vezes mais luminosas do que a nossa estrela. A sua luz é máxima na banda dos ultravioletas, e esta radiação energética pode tanto promover como inibir a formação de planetas nos chamados discos protoplanetários.
Ao incidir no material do disco, a radiação ultravioleta aquece-o, aumentando a velocidade das partículas. Se a estrela em formação, no centro do disco, não tiver massa suficiente, essa radiação fará o gás dissipar-se sem que a gravidade da estrela o consiga reter. Forma-se então um envelope de moléculas de hidrogénio (H2), cuja superfície exterior está a ser dissociada em átomos de hidrogénio individuais. É o que está a acontecer com o disco protoplanetário d203-506, em torno da estrela observada neste estudo.
Segundo os autores, a estrela no centro do disco d203-506 tem um terço da massa do Sol e a previsão é a de que irá perder o seu disco protoplanetário dentro de uns 130 mil anos, o que é insuficiente para se formarem planetas. Os discos protoplanetários duram em geral alguns milhões de anos. Este estudo confirma assim os modelos teóricos, de que as estrelas massivas impedem que estrelas jovens com menos de metade da massa do Sol consigam ter planetas gigantes como Júpiter por companhia.
O trabalho hoje publicado na revista Science identificou também espécies químicas nunca antes observadas no infravermelho neste contexto, “o que permite atualizar o modelo de temperatura e química destes discos”, diz Sílvia Vicente, que é membro da equipa principal do projeto PDRs4All, de que o artigo hoje publicado é um dos resultados, e que é um dos primeiros programas internacionais de observação prioritários com o telescópio James Webb.
“Poderei também utilizar o conhecimento adquirido pela equipa PDRs4All no processo de tratamento e análise dos dados do telescópio James Webb no projeto que lidero no segundo ciclo de observações com este telescópio. Este projeto pretende estudar em profundidade as propriedades de um disco de material nas mesmas circunstâncias em torno de outra estrela jovem na nebulosa de Orionte. As observações deverão chegar até ao final de março.”
Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço