A estudante do Programa Doutoral em Biologia da FCUP, Diana Sousa Guedes, tem estado a mapear, com recurso a um drone, o lixo marinho das praias de Cabo Verde, num trabalho que procura perceber o impacto do plástico nas tartarugas-marinhas. O objetivo é proteger estas espécies ameaçadas de extinção, num cenário cujos resultados não são, desde logo, nada animadores.
“Numa das praias da ilha de Santa Lúzia (lado norte), detetámos 917 itens de plástico grandes, médios e pequenos (maiores de um milímetro) por metro quadrado”, detalha. Apesar desta praia não ter habitantes, os números não deixam de surpreender os cientistas. A bióloga de 32 anos aponta para o papel das correntes oceânicas: “estando na rota do Giro do Atlântico Norte, as praias do Norte e Este destas ilhas acumulam muito do lixo que vem dos oceanos”.
Com estes dados, a investigadora pretende obter um mapa de Cabo Verde com as zonas mais vulneráveis para a nidificação da tartaruga-comum (Caretta caretta), tendo em conta a poluição por plástico e as previsões de subida do nível do mar no arquipélago. “Estes mapas poderiam levar a medidas práticas, por exemplo, pressionar para a restrição na produção e utilização de materiais de pesca feitos de plástico e o incentivo a materiais mais sustentáveis; a limpeza mais regular destas praias mais vulneráveis; ou a educação e sensibilização ambiental das comunidades locais de pescadores”, conta.
Oitenta por cento do lixo encontrado corresponde, precisamente, a redes de pesca e materiais ligados a esta atividade. O plástico que vai ter às praias dificulta a sobrevivência das tartarugas-marinhas que, quando eclodem do ninho, veem-se numa corrida de obstáculos para chegar ao mar.
Na base deste mapa, está o trabalho de campo realizado em 2021, sob orientação de Neftalí Sillero, do CICGE – Centro de Investigação em Ciências Geo-Espaciais na FCUP. Diana Sousa Guedes, que está agora no 3º ano do doutoramento, fez uma “grande amostragem de macro-plásticos, através de drone, e micro-plásticos, com a recolha de amostras de areia. O trabalho concentrou-se em sete das nove ilhas que compõem o arquipélago: Boavista, Maio, Sal, Santa Luzia, Santiago, Santo Antão e São Vicente.
No mesmo ano, comparou os padrões de emergência de juvenis de tartaruga-comum dos ninhos com e sem plástico. “Neste estudo verificámos que o plástico na superfície dos ninhos afeta a emergência sincronizada dos juvenis. Ao criar um efeito de barreira, impede que saiam todos ao mesmo tempo do ninho”, conta. Perdem então uma vantagem que têm de sobrevivência nas praias: “ao saírem todas juntas, o risco de predação, por caranguejos, por exemplo, é menor.”
Já em 2022, fez um estudo para quantificar a contaminação química causada pelos plásticos na areia dos ninhos. Nos ninhos com plástico, detetaram níveis significativos de retardadores de chama (PBDEs, éteres difenílicos polibromados), que são aditivos químicos adicionados a vários produtos, nomeadamente, eletrónicos, materiais isolantes ou têxteis, para que estes não inflamem. “Estes contaminantes podem causar imensos problemas endócrinos nos organismos”, explica Diana.
É precisamente esta contaminação que mais preocupa a investigadora. “Muitos destes químicos são persistentes e também não se sabe até que ponto se degradam no ambiente.”
O trabalho de mapeamento das praias de Cabo Verde envolve ainda outra ameaça, consequência das alterações climáticas, que está a afetar estes animais. A subida do nível do mar também põe em risco as tartarugas, uma vez, que, ficando o areal disponível “muito molhado”, inunda o ninho e inviabiliza os ovos. De acordo com as Nações Unidas, só na última década, a subida do nível médio do mar duplicou.
Faculdade de Ciências da Universidade do Porto