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Mário Silvestre: Mário Silvestre toma posse no comando nacional da Proteção Civil e David Lobato no comando distrital (C/ÁUDIO)

21/12/2020 às 18:42
Mário Silvestre (Foto: Antena Livre)

Mário Silvestre deixa hoje, dia 21 de dezembro, o Comando Distrital de Operações da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil tendo sido nomeado como um dos dois adjuntos do Comando Nacional da Proteção Civil, em Carnaxide. Mário Silvestre foi comandante dos Bombeiros do Cartaxo, em 2006, tendo sete anos depois, 2013, assumido o comando operacional no distrito de Santarém. Aliás, esta mudança, já prevista, não aconteceu antes devido à resposta à pandemia de Covid-19.

David Lobato, que em abril deste ano deixou o cargo de comandante dos Bombeiros Municipais do Cartaxo e assumiu funções como segundo comandante do Centro Distrital de Operações e Socorro (CDOS) de Santarém, em substituição de Paulo Ferreira, que assumiu o cargo de Coordenador Operacional da Proteção Civil de Abrantes, é, assim, o novo Comandante Operacional Distrital do Santarém (CODIS) da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC). David Lobato, licenciado em Segurança e Higiene no Trabalho, assume o novo cargo igualmente a partir desta segunda-feira.

David Lobato

ENTREVISTA: O cidadão tem de ser o primeiro agente da Proteção Civil (C/ÁUDIO)

Entrevista publicada no início de novembro de 2020 no Jornal de Abrantes e a 7 de novembro em antenalivre.pt 

 

Mário Silvestre, o CODIS (Comandante Operacional Distrital) da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil em Santarém. É um gestor de empresas de formação académica, mas com um mestrado e três pós-graduações na área da emergência, socorro e proteção civil. Em 2006 assumiu o comando dos Bombeiros do Cartaxo e em 2013 passou a assumir a coordenação da Proteção Civil do distrito de Santarém. Natural do concelho de Santarém, Mário Silvestre explica como é a sua vida e, numa pincelada, faz um balanço do verão de 2020, nos incêndios rurais, em ano de complexidade de operações, com a pandemia a “obrigar” uma adaptação rápida, mês eficiente, da estrutura de socorro no distrito.

Entrevista de Jerónimo Belo Jorge

Terminados os meses “quentes” que balanço faz deste ano 2020, principalmente daquilo que foram os incêndios florestais?

O balanço é positivo relativamente aquilo que foi o Dispositivo Especial
de Combate a Incêndios Rurais (DECIR). Os agentes de Proteção Civil têm um grande louvor e com destaque para os bombeiros do distrito de Santarém.
Nós temos uma área ardida total na ordem dos 900 hectares (ha) que ainda não está toda perfeitamente levantada no ponto de vista formal, mas ronda esses números. Tivemos um total de 590 ocorrências o que é um decréscimo. Não tanto como aquilo que gostaríamos, mas já se nota um decréscimo.
Em termos de área ardida tivemos um ano positivo. O nosso maior incêndio tem na ordem dos 200 ha. Todos os outros foram abaixo dos 100 ha. Havendo dez incêndios dentro desta ordem de grandeza, todos os outros são incêndios pequenos na ordem dos dois ha. Sendo que os incêndios que mais recorrentemente tem aparecido têm sido de um ha. Portanto, como cerca de 80 % têm um ataque inicial rápido, têm sido facilmente combatidos. Isto deve-se a um dispositivo de combate muito eficiente e com profissionalismo de elevada ordem.
Estamos todos de parabéns. Acho que foi um ano atípico porque, apesar destes números e de ter corrido tudo muito bem, tenho de dar mais uma nota aos bombeiros. Sendo eles a principal força do combate aos incêndios, tiveram a capacidade de adaptação ao problema do Covid-19 que continua a existir.

A pandemia mudou alguma ou muita coisa no socorro, neste caso na ativação de meios para combater incêndios?
Mudou. Sobretudo nos cuidados a ter na vida mais no nível social do corpo de bombeiros, com as rotinas instaladas. Obviamente, no combate a um fogo não é possível muitas das vezes garantir certas regras, mas houve um cuidado extremo.
Houve também um reforço muito significativo que os corpos dos bombeiros fizeram
com uma ajuda preciosa das Câmaras Municipais, em que foi possível dotar grande parte dos bombeiros com equipamentos específicos, em termos de máscaras de proteção respiratória com dupla finalidade, no fundo, para fazer a proteção da via aérea no que diz respeito a proteger dos incêndios florestais, mas ao mesmo tempo limitando aquilo que é o contágio pelo coronavírus. E correu muito bem visto que não houve qualquer tipo de caso registado de alguma contaminação pelo vírus nos blocos de operações. E quando falamos dos bombeiros enquanto entidade principal no combate aos incêndios, não nos podemos esquecer que eles mantêm a sua atividade normal desde o transporte de doentes até às emergências pré-hospitalares.
Da mesma forma que houve resposta positiva ao DECIR, a da COVID foi sem dúvida positiva.

 

“O que o distrito faz é não esperar que o incêndio se desenvolva.

É atacar logo…"


Comandante, ouvimos sempre falar do ataque musculado como grande base do sucesso no combate aos incêndios no distrito. Se foi, e penso que sim, fulcral como é que se pode fortalecer ainda mais esse facto?

Aqui no distrito sempre nos pautamos por ter essa conduta de combate inicial musculado. Quando falo de um despacho musculado, falo da afetação de um conjunto de recursos obviamente mais forte que o indicado. O que o distrito faz é não esperar que o incêndio se desenvolva. É atacar logo fazendo um balanceamento de meios.
Por exemplo, temos um incêndio na zona de Ourém. Fazemos uma movimentação musculada para Ourém com os corpos de bombeiros daquela envolvente toda. Falamos com corpos de bombeiros do distrito (inclusive o de Leiria) e dos municípios à volta de Ourém e rapidamente movimentamos um conjunto de meios para as proximidades daquele incêndio. Caso sejam necessários para aquela ocorrência tem sempre disponibilidade de intervir.
É esta movimentação de peças pelo distrito, como um tabuleiro de xadrez, que nos vão permitir ter a capacidade até um determinado ponto.
De frisar que para além daquela que é a nossa capacidade do distrito ainda conseguimos projetar para fora, para outras zonas do país, por vezes quatro grupos de combate. Em números falamos de 120 homens que o distrito colocou noutro distrito a ajudar os camaradas dessa área.

A brigadas das Juntas de Freguesia com os kits de primeira intervenção são uma boa ajuda no ataque inicial?

Obviamente nós somos defensores desses pré-posicionamentos de kits, de equipas de sapadores florestais. Temos uma articulação perfeita com os municípios, com as freguesias que têm essa capacidade e com o Instituto da Conservação da Natureza da Floresta para o pré-posicionamento estratégico destas equipas. Como se costuma dizer: “Qualquer incêndio no início se apaga com um copo de água”. Ou seja, é ter um veículo destes que está muito próximo da zona de ocorrência e conseguir despachá-lo de imediato. E, mais uma vez, essa coordenação também é feita aqui dentro da sala do comando distrital. Se conseguir rapidamente afetar esse recurso, obviamente, que a probabilidade de conseguir extinguir o incêndio nos primeiros minutos é extremamente elevada. É, portanto, uma mais valia importante.

Quando anda pelo distrito, ainda há muito a fazer na limpeza ou melhoramos muito desde 2017?
Há um grande trabalho feito pelas várias entidades, porém estamos ainda muito longe daquilo que seria os objetivos dos desejáveis. Ainda assim, é de valorizar o trabalho feito. Existe, de facto, um considerável número na redução de ignições que eu quero acreditar que têm por base todo o trabalho que andamos a fazer. Porém ainda há muito trabalho por fazer no ponto de vista estrutural.

Em 2019 houve muitas queixas dos bombeiros, ao nível de equipamento de proteção individual, até de pagamentos. Este ano as coisas foram mais “normais”?
Nós nunca temos os equipamentos todos que pretendemos, será praticamente impossível. Qualquer comandante no dia em que estiver satisfeito com aquilo que tem, vai ter de começar a repensar muito bem a sua carreira. Nós temos de ser insatisfeitos por natureza e querer mais equipamentos, mais capacidades... Mas no global o saldo é bastante positivo.

 

“…num incêndio nós conseguimos intervir e (…)

nas cheias ou enxurradas não conseguimos intervir diretamente…”

 

Na COVID-19, houve uma adaptação necessária. É um teste sério a outro tipo de trabalho da Proteção Civil, que não incêndios ou acidentes?
A COVID-19 veio juntar-se a todas as atividades que já fazíamos. Neste momento temos emergência médica feita com base na suspeita ou do caso de COVID. E por cada vez que fazemos uma intervenção, seja ela de que tipologia for, temos neste momento de juntar a problemática da pandemia. Ou seja, veio aumentar a complexidade das operações.

Estamos numa época em que depende muito de nós a proteção. Considera que a população em geral ainda põe muito das autoridades (bombeiros à cabeça) o socorro ou a defesa ou começa a estar mais consciente de que cada um de nós é o primeiro agente da Proteção Civil?

Eu gostaria de dizer que a população aprendeu que era o principal agente de Proteção Civil, mas ainda temos um trabalho muito grande a fazer. Aliás, as últimas imagens de alguns eventos que ocorreram no país [no dia de concentração de pessoas na Nazaré] dá para refletir que a população ainda não tem o grau de responsabilidade que deveria de ter nesta altura.
A população é o principal agente de Proteção Civil do país e como se costuma dizer é impossível ter um bombeiro ou polícia ao pé de cada cidadão para o fazer cumprir as regras, inclusive de respeito físico. E é no comportamento do cidadão que está a diferença. Não só nesta questão da pandemia mas em todas as questões de Proteção Civil.

 

Dia 5 de novembro temos um dia que pretende ser ou ter uma incidência na prevenção de sismos. Estamos conscientes do que devemos fazer ou, como não acontece por cá, desleixamo-nos e entramos naquela onda de “isso não nos acontece ou só acontece do outro lado do mundo”?
Basicamente vai ao encontro do que lhe tinha dito anteriormente. De recordar que Portugal é um país com elevado risco sísmico e esta iniciativa tem a ver com a sensibilização, prevenção e também com a preparação. E tem um grande foco nas escolas sempre para a preparação daquilo que são os futuros homens e mulheres deste país, naquilo que será a sua conduta cívica e a preocupação que os mesmos devem ter com esta problemática dos sismos. Portanto, o sismo é um risco e está tipificado como tal.
E tivemos vários sismos ao longo da história do nosso país. Alguns deles com dimensões bastantes grandes e significativas. Há que estarmos preparados para tal e a melhor maneira de o fazermos é recordar que temos esse risco. É que senão corremos sempre o risco de deixar entrar no esquecimento e acabar por perder a importância de que o “problema sísmico existe”. E a verdade é que ele existe mesmo e nós nunca conseguimos prever se o iremos ter amanhã ou daqui a cinco minutos...
Há que se estar preparados todos os dias.

Do ponto de vista pessoal, quando acorda diariamente, quais são os maiores receios como CODIS?
Um dos maiores receios do ponto de vista profissional é chegar ao final do dia e não sentir que dei tudo no trabalho, não sei se podemos considerar isto realmente um receio, porém é como se costuma dizer: é “entregar a carta à Garcia”. O que me preocupa todos os dias é chegar a casa e ficar de consciência tranquila que “entreguei a carta a Garcia” ou seja que fiz tudo o que estava ao meu alcance e da melhor maneira para conseguir que a missão tenha sido cumprida.
E, portanto, eventualmente não estar à altura de alguma das minhas missões é sem dúvida “um tal receio.”
E deixe-me dizer-lhe que, se destaquei todo o trabalho dos bombeiros, à cabeça, e de todos na área da Proteção Civil, tenho de deixar uma palavra para a minha equipa aqui do CDOS (Centro Distrital de Operações de Socorro). São incansáveis. É um trabalho muito intenso, mesmo não indo para os teatros de operações.

Com toda a formação e experiência, o que é que o preocupa mais, água ou fogo?
[risos]São ocorrências totalmente diferentes, ambas com os seus riscos associados, mas com uma diferença muito significativa: num incêndio nós conseguimos intervir e contra as ocorrências das cheias ou enxurradas não conseguimos intervir diretamente. Portanto as cheias acabam por ser uma situação de gestão a longo prazo, gestão de pessoas, uma questão de comunicação etc.
São duas ocorrências totalmente diferentes, duas problemáticas com diferentes níveis da sua gestão. Muito sinceramente, acho que não podemos comparar aquilo que é a ocorrência de cheias e a ocorrência de incêndios, mas pelo impacto que tem o incêndio acaba por ser uma ocorrência sempre mais mediatizada. Mas olhe, andamos também já a trabalhar e a acompanhar já, de muito perto, tudo aquilo que são caudais, nas barragens que temos na bacia do Tejo, para conseguirmos de alguma forma dar à população a informação necessária para que esteja ciente dos riscos que corre e as medidas de autoproteção que devem tomar.

 

“Qualquer incêndio no início

se apaga com um copo de água”

 

E a família, quando acontecem as ocorrências mais complicadas, imagino que já estejam habituados a esta vida, mas têm aquela mensagem de... cuidado?
Há sempre a mensagem “cuidado”. Aliás, eu recordo sempre com muito carinho algumas mensagens de preocupação que a minha mulher vai enviando nas situações mais complicadas algumas como “por favor não vás para o fogo” e por baixo vem sempre acompanhado com um “tem cuidado”.
É uma vida que se calhar, e eu acho que existe muitos camaradas que se identificam com o que eu vou dizer, “custará mais às pessoas que estão em casa à nossa espera e que nos veem sair para os incêndios, para as ocorrências e para esta infinidade de situações do que propriamente para nós que vamos já no sentido de cumprir a missão”. As famílias acabam por sofrer muito com a nossa ausência e para elas de todos os agentes de proteção civil espalhados, quero deixar um enorme obrigado e um agradecimento do tamanho do mundo por continuarem a apoiarem os homens e mulheres que fazem parte desta enorme família de proteção e socorro, porque elas são um grande tentáculo destes homens e destas mulheres que têm esta vida.

 

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