A pesca sempre foi, nas zonas ribeirinhas, sinal de vitalidade económica, de criação de emprego e riqueza ou, de uma forma mais simplista, de lazer. A pesca lúdica foi, ao longo de muitos anos, a ocupação de fins de semana de muitos cidadãos de todas as localidades que ficam próximas dos rios.
Hoje as coisas são diferentes. Há muitos outros tipos de ocupação lúdica dos tempos fora do trabalho e as canas de pesca foram gradualmente substituídas por outras ferramentas. Mesmo assim ainda há que goste de comprar isco e de passar umas horas sentado à beira rio à espera que um qualquer peixe possa “picar” e dar alguma luta ao pescador.
Só que, no rio Tejo, entre a Barragem de Belver e a ponte da Chamusca é proibida a pesca lúdica, desde 2019. Ou seja, pode haver pesca profissional ou até concursos de pesca desportiva. Mas ao cidadão que queira ir passar umas horas à beira do rio é vedada, legalmente, essa possibilidade.
E esta proibição nada tem a ver com os tempos de pandemia em que a pesca lúdica, erradamente ou não (é outra discussão), está igualmente proibida, mesmo que não crie qualquer tipo de contactos entre pessoas.
Nas últimas semanas, os autarcas da região começaram a levantar voz, de protesto, pela proibição da pesca lúdica em muitos quilómetros do rio Tejo entre a Barragem de Belver, concelhos de Mação e Gavião, e a ponte da Chamusca, concelhos da Chamusca e da Golegã, tendo pelo meio Abrantes, Constância e Vila Nova da Barquinha.
Esta proibição decorre de terem sido criadas zonas de pesca profissional no rio Tejo. De acordo com o articulado que regulamenta essas zonas de pesca profissional, é proibida a pesca lúdica, não havendo nestes decretos, ou nos editais da Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, qualquer explicação para esta medida.
Em 2004, a 30 de abril, o governo de Durão Barroso, que tinha como ministro da Agricultura Sevinate Pinto, publica em Diário da República a criação da zona de pesca profissional de Ortiga. Trata-se de uma área definida entre a barragem de Belver (200 metros a jusante da barragem) e a zona do Taínho em Alferrarede (e o Pego na margem direita). Um regulamento que iria entrar em vigor a 1 de janeiro de 2005. Não é referido nestes decretos a proibição de pesca lúdica.
Já em 2007, a 18 de abril, é criada uma outra zona de pesca profissional no rio Tejo, desta vez entre o limite da anterior (de Ortiga), ou seja, do Taínho (e na margem direita a freguesia do Pego) até à ponte da Chamusca (Estrada Nacional 243). Este Decreto Lei é do tempo do ministro da Agricultura Jaime Silva, no governo de José Socrates.
Em 2015, com a ministra Assunção Cristas na pasta da Agricultura no governo de Pedro Passos Coelho, há legislação (Decreto-Lei n.º 221/2015, de 8 de outubro, e do artigo 81.º do Decreto-lei 112/2017, de 6 de setembro) que vem regulamentar a legislação de 2004 e 2007. E no Decreto-Lei 221, nas zonas de pesca profissional, não há abertura para pesca lúdica: “Nas zonas de pesca profissional é praticada a pesca como atividade comercial sujeita, para além das normas gerais, a normas específicas consignadas nos respetivos planos de gestão e exploração, os quais poderão prever ainda a prática da pesca desportiva”. Sendo que no ponto anterior, nas zonas de pesca lúdica, é permitida a pesca desportiva.
Ora se em 2017 e 2018, mesmo depois desta legislação, não houve qualquer alteração nos editais do ICNF, o facto é que em 2019, 2020 e 2021 o ICNF aplica a proibição do exercício de pesca lúdica nestas duas zonas de pesca profissional.
Já em 2019, na anterior legislatura, a 5 de maio, o Bloco de Esquerda questionou o Ministério do Ambiente sobre a redução destas zonas de pesca profissional devolvendo alguns troços à pesca lúdica “contribuindo para o bem-estar das populações ribeirinhas”.
O facto é que em 26 de novembro de 2019, os editais do ICNF ZPP-06 Rio Tejo Constância – Barquinha e ZPP-07 Rio Tejo Ortiga mantêm a proibição de pesca lúdica.
A 23 de novembro de 2020, o ICNF volta a publicar os editais das zonas de pesca profissional (ICNF ZPP-06 Rio Tejo Constância – Barquinha e ZPP-07 Rio Tejo Ortiga) e continuam com a proibição, mesmo tendo havido garantias dadas a autarcas de que esse ponto (alínea “a” do artigo “20”) iria ser retirado dos editais que regulamentam a pesca em 2021, o que não aconteceu.
Autarcas a uma só voz defendem o regresso da pesca lúdica
A uma só voz, os autarcas das zonas ribeirinhas defendem o regresso da pesca lúdica porque não interfere, nem com a pesca profissional nem com a proteção de espécies piscícolas. Tanto mais que, como todos dizem, a pesca sempre fez parte da vida das populações ribeirinhas.
O Executivo da Câmara Municipal de Vila Nova da Barquinha não percebe o sentido de tal decisão visto não estar em causa a proteção das espécies piscícolas.
Confrontado com este facto, Fernando Freire assumiu que “já vários munícipes me interpelaram sobre essa temática e, no meu modesto entendimento, acho que estamos a ir muito para além daquilo que é razoável”. O autarca pretende querer “saber porque é que a pesca é proibida para este tipo de atividades. Se não é proibida para profissionais nem para desportistas, porque é que é proibida para quem entende isto como uma atividade de bem-estar e de convívio social? Não está em causa a proteção das espécies piscícolas nem zonas do ponto de vista ecológico, nomeadamente dos períodos da desova, do crescimento dos juvenis, do refúgio, da proteção de predadores… nada disto está em causa”.
Depois de ter aprovação unânime do Executivo, o presidente avançou que “o que vou pedir é que me fundamentem, de facto e de direito, o porquê de estar proibida a pesca lúdica quando estamos a falar de 10 ou 15 pessoas que, como qualquer cidadão, de livre vontade, vai ao rio, pesca dois ou três peixinhos e leva para casa”.
Fernando Freire
Em Abrantes, o presidente da Câmara Municipal, Manuel Jorge Valamatos, diz não compreender esta proibição, tanto mais que a pesca faz parte da vida das populações ribeirinhas.
O autarca de Abrantes diz que “isto não faz qualquer sentido” e que o espírito da Lei não teria este objetivo, neste caso, “porque não há qualquer conflitualidade entre a pesca profissional e a pesca lúdica”. Manuel Jorge Valamatos revela que já teve conversas com o ICNF e com o secretário de Estado para que a Lei possa ser alterada, para que não seja excluída a pesca lúdica.
O presidente da Câmara de Abrantes afirma ao Jornal de Abrantes que tem sensibilizado as forças de segurança, nomeadamente a GNR, para que não haja multas até que seja alterada esta Lei em Assembleia da República. Manuel Jorge Valamatos indica que não basta uma alteração ao edital, é necessária uma alteração que terá de ser aprovada em Assembleia da República.
Manuel Jorge Valamatos
Sérgio Oliveira, presidente da Câmara de Constância, diz que “olha com espanto para esta legislação” e adianta que nos contactos com o ICNF em 2018 ou 2019 teve como resposta daquele organismo a indicação que seria necessária uma alteração legislativa e lamenta que nada tenha sido feito para alterar estas medidas.
O autarca revela que não percebe a medida, que os pescadores também não percebem porque se há uma falha, identificada há anos, deveria ser logo corrigida. De acordo com Sérgio Oliveira, a pesca lúdica é uma atividade muito praticada no concelho.
Sérgio Oliveira
Mais a montante, em Mação, Vasco Estrela, presidente daquela autarquia, não deixa de lamentar, tal como os outros autarcas. “Não consigo perceber este racional e ninguém ainda explicou este racional”, diz Vasco Estrela, acrescentado que nestes tempos de pandemia até poderia ser uma atividade importante, até “do ponto de vista mental”.
O autarca de Mação revela que poderia até haver justificações científicas ou ambientais, mas não. Não há qualquer explicação. E mesmo no que toca à pandemia, Vasco Estrela defende a possibilidade de poder ser permitida a pesca lúdica.
Vasco Estrela diz ainda que não “podemos tratar por igual aquilo que é diferente” e que se compreende que nalgumas zonas pode existir conflitualidade entre atividades não é, seguramente, no rio Tejo.
Vasco Estrela
No Entroncamento, na reunião de Câmara de dia 1 de fevereiro, o presidente Jorge Faria, manifestou a sua solidariedade para com o descontentamento dos munícipes inibidos da prática da pesca lúdica no Rio Tejo no troço entre Abrantes e a Ponte da Chamusca.
Jorge Faria indicou que, parecendo esta decisão exagerada e profundamente injusta, irá solicitar justificação para mesma junto do ICNF e a defesa junto dos deputados à Assembleia da República eleitos pelo distrito, da reafetação de troços do rio para pesca lúdica.
Resta agora perceber quanto tempo demorará a iniciativa legislativa para retirar uma alínea do regulamento de pesca nestes dois troços do rio Tejo.
Jerónimo Belo Jorge com Patrícia Seixas
O que pode ser pescado no Tejo
Temos então que, nos dois troços entre a Barragem de Belver e a ponte da Chamusca, só pode haver pesca profissional e eventos de pesca desportiva. E as espécies aquícolas que podem ser capturadas, respetivos períodos de pesca e dimensões mínimas são os seguintes:
- Lampreia-marinha (Petromyzon marinus) - 1 de janeiro a 30 de abril, inclusive – 35 cm;
- Sável (Alosa alosa) - 10 de março a 15 de maio, inclusive – 35 cm;
- Savelha (Alosa fallax) - 10 de março a 15 de maio, inclusive – 25 cm;
- Enguia (Anguilla anguilla) – 1 de janeiro a 30 de setembro, inclusivé - 22 cm;
- Restantes espécies, constantes do Anexo II da Portaria n.º 360/2017, de 22 de novembro, alterada e republicada pela Portaria n.º 108/2018, de 20 de abril – podem ser capturadas de acordo com a legislação em vigor.
Há zonas em que é proibido qualquer tipo de pesca
Ainda de acordo com o edital do ICNF para 2021, no troço de pesca profissional de Constância-Barquinha, e tendo em vista a proteção das populações piscícolas, é proibida a pesca profissional nos troços do rio Tejo com os seguintes limites:
- Desde a foz da Ribeira da Pucariça, freguesia de Rio de Moinhos, na margem direita, e freguesia de Tramagal, na margem esquerda, concelho de Abrantes, a montante, e a foz da Ribeira de Alcolobre, freguesia de Montalvo, concelho de Constância, na margem direita, e freguesia de Tramagal, concelho de Abrantes, na margem esquerda, a jusante.
- Desde a foz da Ribeira da Ponte da Pedra, junto à Quinta da Cardiga, freguesia e concelho da Golegã, na margem direita, e freguesia da Carregueira, concelho da Chamusca, na margem esquerda, a montante, até à ponte da EN 243 que liga Golegã à Chamusca, freguesia e concelho da Golegã, na margem direita, e freguesia de Pinheiro Grande, concelho da Chamusca, na margem esquerda, a jusante.
Documentos:
Portaria de 2004 que cria zona de pesca profissional de Constância/Barquinha
Portaria de 2007 que cria zona de pesca profissional de Ortiga
Edital ICNF 2021 que regulamenta zona de pesca profissional de Constância/Barquinha
Edital ICNF 2021 que regulamenta zona de pesca profissional de Ortiga