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Reportagem: Quinta do Bom Sucesso - Dos azeites ao Olivoturismo com tradições e muita história

19/03/2022 às 10:30

A Casa Anadia poderá não ser um nome tão conhecido, mas desde há uma dúzia de anos passou a estar visível em garrafas de azeite. Mas se falarmos em Quinta do Bom Sucesso ou no castelo da Torre da Marquesa, aí a região de Abrantes identifica logo o local. A herdade, com 100 hectares de olival, tem na marca Casa Anadia três tipologias de azeite para consumo nacional e exportação. Mas entre o olival e o castelo há história, há património e por isso a Casa Anadia começou a apostar no Olivoturismo.

Reportagem de Jerónimo Belo Jorge

O azeite Casa Anadia está a avançar para uma oferta de Olivoturismo. Uma mistura entre um produto endógeno, que há 20 anos começou a ganhar nome, a história de uma herdade que vem lá do Século XIII, o património de um solar do Século XVII, um Castelo do Século XIX e até uma lenda ligada à religião cristã.

Mais do que motivos para agendar uma visita guiada à Quinta do Bom Sucesso, vamos chamar-lhe assim. O dia e a hora foram agendados de forma muito rápida, através da página da rede social Facebook.

Assim que se chega à Quinta do Bom Sucesso (39°28'58.3"N 8°10'21.4"W) temos a indicação onde entrar na Herdade e onde estacionar. À espera estão Rui Pereira Coutinho, administrador da Herdade, e Dylan Pires, que está a liderar as visitas deste projeto de Olivoturismo.

Primeira nota é o olhar para o olival, de oliveira galega. Percebe-se de imediato o tipo de oliveira que temos na região. Junto a um pequeno jardim, entre a o estacionamento e a entrada da Herdade, Rui Pereira Coutinho começa a explicação. “Este é o nosso jardim-montra. Temos aqui sete oliveiras, um exemplar de todas as que temos na herdade. São três variedades espanholas, uma grega e uma italiana. Depois as portuguesas: Galega e Cobrançosa. O nosso olival tem as três formas de cultivo, normal, intensivo e super-intensivo.”

Entre os primeiros olhares para ver as principais diferenças entre cada uma das oliveiras, Rui Pereira Coutinho avança com as primeiras explicações sobre a grande cultura de 100 hectares de olival com cerca de 20 anos e do qual, cerca de 10% é super-intensivo. E questionado sobre as percentagens de oliveiras à volta da Herdade e da A23 explica que “40% é galega, 40% das outras espécies e depois há o super-intensivo.”

Ficamos com a primeira noção das oliveiras, nesta visita de Olivoturismo que foi pensado porque há cada vez mais pessoas, estrangeiros, que querem saber mais coisas sobre o azeite. E as explicações sobre as árvores é o início dessa viagem que começa nas árvores, mas recua no tempo até outros séculos.

Ainda antes da entrada, há uma pequena mostra dos utensílios que eram necessários há cinco ou seis décadas para a apanha da azeitona. As varas, os panos, as escadas e a carroça. Os ranchos de homens e mulheres, muitos que vinham das beiras, juntavam-se e calcorreavam o terreno, oliveira a oliveira para apanhar todo o fruto. Hoje, explica Rui Pereira Coutinho, é tudo mecanizado.

Avançamos então herdade dentro para perceber que esta quinta tem registos de já produzir no Século XIII. Nos passos que vamos dando, percebe-se claramente onde eram os celeiros, em obras e que vão albergar, brevemente, o centro de exposição e provas do Azeite Casa Anadia. As cavalariças e demais armazéns que acolheram durante anos a fio a agricultura local.

A campanha de 2021 foi muito produtiva com cerca de 100 mil litros de azeite para um total de 80 toneladas de azeitona. “Foi um ano bom. E bom em quantidade e qualidade”. Ainda no que diz respeito à apanha da azeitona, as campanhas podem começar em outubro e ir até 15 de dezembro.

Depois segue a conversa em torno das vendas. “Há quem venha ainda comprar à porta, como antigamente. A maior parte segue para outras paragens. Os restaurantes do Chef Avillez em Portugal, uma garrafa destinada às crianças, com rótulo com banda desenhada para o Canadá. Depois Estados Unidos e para, claro, o extremo oriente.

Hoje, a Casa Anadia têm três tipologias de azeite no mercado. O DOP, o Private Coletion (o mais intenso) e o Tributo feito exclusivamente com a oliveira Galega.

E nestas jornadas do Olivoturismo a visita pode acabar sempre com a prova de azeite, dos azeites. Copos de vidro opacos, como mandam as regras, numa mesa instalada na loja. O turismo pode provar e comprar.

Dylan Pires explicou que esse é o grande objetivo. Conhecer todo o processo que culmina na prova e na compra. E adianta que a ideia é, com as obras do armazém, poder receber grupos de maiores dimensões, principalmente nas provas e, quem sabe, poder fazer um alargamento das ofertas.

Do azeite ao património rural

Mas a Quinta do Bom Sucesso pode ter, no Olivoturismo, a ligação ao património rural e aristocrático.

Continuemos a visita pela ruralidade onde estamos. Junto à linha de água que atravessa a quinta, com apenas um fiozinho de água a correr, Dylan aponta o lagar. Antigo lagar que hoje é o museu. Primeira curiosidade é perceber que poderia ter, nos tempos de funcionamento na moagem da azeitona, três forças motrizes: água da ribeira a fazer mover a roda; vapor; e, mais recentemente, eletricidade.

Entramos no lagar e olhamos para as charrettes da quinta recuperadas e posicionadas para as fotografias da praxe. Até um carro mais pequeno, que seria puxado por poldros, que permitia às crianças percorrer a quinta ao lado dos mais crescidos.

À entrada do lagar, o “António” (um manequim vestido à época) dá as boas vindas e pretende mostrar que ali era o local onde a azeitona era descarregada e que era ali que faziam as “análises” para saber a acidez dos azeites. O lagar continua intacto para se poder ver como funcionava. Temos ainda tempo de ver o “Manel” (outro manequim) a dormir nos pequenos quartos que albergavam os trabalhadores do lagar. Dylan chama a atenção para o pormenor das mobílias e dimensões das camas.

Há ainda a horta tradicional que está em modo de recuperação, depois de muitos anos sem qualquer cultivo. A horta tradicional tem um sistema de distribuição de água vinda da ribeira e que Rui Pereira Coutinho diz querer repor brevemente.

Deixando o lagar, subimos ao solar. Construído no Século XVII, e habitado em permanência, o edifício tem as características rurais. Com uma capela (ver caixa) ao lado, sabe-se bem a relação da aristocracia com a igreja, tem depois um extenso casario que seriam as habitações dos trabalhadores da quinta. O solar ostenta um relógio de sol, ao nível do telhado, colocado de forma a ser visto por todo o pátio e das portas das casas dos trabalhadores. Este solar foi construído no seio da família dos Almeida e é casa permanente de uma filha de Miguel Pais do Amaral, o proprietário da Quinta do Bom Sucesso e da Casa Anadia.

O Castelo da Torre da Marquesa

Dylan Pires abre depois a possibilidade de subirmos ao Castelo, casa de Miguel Pais do Amaral que, por isso, apenas pode ter visitas nos seus jardins interiores.

Seguimos pelo bosque que envolve o castelo. Bosque frondoso, com muitas espécies que vieram, nos tempos do reinado de D. Carlos, de outras paragens para Alferrarede. Cedros e eucaliptos frondosos criam um ambiente mais húmido e muito fresco. Gilbadeiras e hortênsias com fartura. Trilhos verdes que são tapetes de musgo. “É assim um estilo que nos transporta para o Buçaco, para a Quinta da Regaleira.” Rui Pereira Coutinho explica que toda a rega está feita, se não for em anos de seca, com canais e tanques que correm e escorrem pelo bosque, que continua a ser tratado pelos jardineiros. “Imagine-se quando as hortênsias estiverem todas em flor”.

O castelo terá começado a ser edificado nos inícios de 1800 por Carlos Pais do Amaral, Visconde de Alferrarede. Depois do castelo construído, subiu na hierarquia para Conde, passando a ser o primeiro Conde de Alferrarede, título que pertence agora a Miguel Pais do Amaral, que junta a Conde da Anadia.

Carlos Pais do Amaral tem uma filha, Maria da Conceição, Marquesa do Faial e vem daí a forma como é conhecido da região, como a Torre da Marquesa.

De notar que, quando entramos nos jardins interiores, percebemos claramente que foram desenhados para os aristocratas poderem passear nas festas e encontros da altura. Todo o exterior é composto por canteiros e pequenos lagos e por muitas gaiolas onde existiam muitas aves exóticas. Um dos lagos ainda tem tartarugas que nadam entre os nenúfares.

À volta do jardim, as casas onde se alojava a criadagem das famílias aristocratas e, note-se, ainda existe o viveiro da floresta que “alimentava” este enorme jardim. Hoje tem muitas avencas e muitos fetos.

O Castelo, cujo interior não pode ter visitas, ostenta para lá do brasão da família as armadas da Ordem Militar de Malta da qual fazia parte Carlos Pais do Amaral.

Nota curiosa para o facto de o Rei D. Carlos I ter vindo uma vez fazer uma caçada para estas bandas e pernoitou no Castelo. Desde então aquele quarto passou a designar-se como o quarto do Rei.

Rui Pereira Coutinho e Dylan Pires vão desfilando curiosidades e aguçando a mente mais imaginativa do que seria um cenário de fim de semana de festa naquele local.

Esta é uma visita que começa com olivicultura, passa para o património e depois para a história. São entre duas e quatro horas de visita, com a certeza de que ficamos a conhecer um pouco mais de história, principalmente da história desta zona. É a aposta do Olivoturismo da Casa Anadia que pode descobrir no facebook ou na página da quinta.

A lenda de São Benedito

Há uma lenda em torno da capela de Nossa Senhora do Bom Sucesso, que fica situada ao lado do Solar do Século XVII.

A capela está muito bem conservada. Pequenina com a imagem principal da santa que lhe dá o nome e com os azulejos originais do século XVI/XVII da região de Coimbra, no qual predomina a cor azul com os formatos e imagens a formar um puzzle.

E ao olharmos para o altar, à direita de Nossa Senhora do Bom Sucesso está o São Benedito. Dylan Pires relata a lenda que perdurou até aos nossos dias.

“São Benedito é um santo negro, padroeiro dos escravos, e que tem a lenda associada a um aquartelamento militar que sempre existiu em Abrantes. E desse quartel, os homens antes de irem para um conflito armado, recebiam uma bênção na capela. Esses militares punham uma gravata junto ao altar para que quando voltassem desse conflito pudessem casar com quem quisessem ou com a pessoa que lhe estaria prometida.”

Mas, e nestas histórias há sempre um mas, se se deixassem rir para São Benedito, quando voltassem a mulher prometida já não estaria lá para casar com eles, porque já tinha casado com outra pessoa.

O altar está cheio de gravatas que por ali ficaram ao longo de séculos, tal como o livro de salmos, em latim, que continua presente no púlpito do altar da capela de Nossa Senhora do Bom Sucesso.

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