São 17:30. À entrada de Vale de Tábuas, pequena aldeia da Freguesia do Carvalhal, concentra-se um grupo de reforço com bombeiros oriundos do distrito de Leiria. A viatura de comando que desce pela estreita via de acesso à aldeia pertence aos Bombeiros da Benedita.
Junto às primeiras casas estão duas viaturas das juntas de freguesia de Abrantes e Alferrarede e de Mouriscas com os kits de primeira intervenção. Fazem o pré-posicionamento para ajudar no que for preciso.
É pelos primeiros quintais que entramos, de caras para o fumo, para uma frente de fogo que está bem à nossa frente, mas distante, lá no meio da colina.
Apesar de se ouvir o ruído dos motores dos aviões e helicópteros, que combatem as chamas com descargas constantes de água, a tarde parece ser uma normal tarde de verão.
Naquela casa, à soleira da porta, um gato está enroscado a fazer a sesta e um cão vem dar as boas-vindas sedento de uma festa no pelo. Mais na terra,na horta, perto da plantação de couve ratinha, encontramos Luís Lopes que olha para a colina. Olha para o fumo. “Estou a ver desde as três da tarde, quando começou lá atrás”, diz entre um abanar de cabeça como que a condenar aquilo que se estava a passar ali, perto de casa.
Luís Lopes, andou toda a tarde, e garantiu que iria continuar toda a noite por ali, “à espera do fogo”, embora tivesse a esperança (cerca das 18 horas) que os aviões conseguissem apagar as chamas que devoravam uma zona de mato com eucaliptos e pinheiros. “Eles fazem um belo trabalho [aponta para os aviões Fire Boss]. Se não fossem eles...”, diz este habitante de Vale de Tábuas enquanto faz uma festa no cão e avisa “não tenha medo. É muito meigo”. E estava muito calmo, tal como a tarde ali, apesar da proximidade do fogo.
Não se ouviam sirenes, apesar dos muitos meios, não se ouviam gritos, lamentos ou motores dos carros de bombeiros. Não fosse o fumo, os aviões e era uma tarde pacata na aldeia.
Quando questionado sobre o receio de estar ali sozinho com o fogo por perto, Luís diz que já ali tinha estado a GNR a saber quem morava e quantas pessoas estavam em casa. “Estou com a minha mãe. Tem 84 anos. Tem problemas cardíacos. Se o fogo vier (...) vou levá-la, ou deixar que a guarda a leve, mas eu volto para aqui, para ajudar no que puder”, garante o homem apontando para as duas mangueiras que tem ligadas a torneiras e prontas a deitar água para a terra.
Luís Lopes, habitante de Vale de Tábuas
Ali está tudo limpo à volta das casas, assim como ao lado das estradas. Mas também todos sabemos como o fogo é. E com rajadas de vento mais fortes, uma projeção pode deitar todo o trabalho dos bombeiros por terra. O Luís é só um dos habitantes de uma das aldeias que chegou a estar ameaçada pela frente de fogo. Vale de Tábuas e Sobral Basto estavam nesta linha. No posto de comando sabiam disso pelo que foram posicionando os meios nas proximidades destas pequenas aldeias. Bombeiros, Força Especial de Proteção Civil e GIPS da GNR.
Mas com a dificuldade de fazer chegar viaturas às zonas de fogo eram os aviões, quatro Fire Boss e dois Cannadair, a que se juntou um helicóptero Kamov, que faziam o trabalho necessário. E sempre que havia uma projeção era o helicóptero de comando, da Força Aérea, que se posicionava nesses pontos a sinalizar o local desses novos focos.
O posto de comando, situado em S. Domingos, recebia cada vez mais reforços. No pico máximo estiveram naquela zona mais de 400 operacionais. Esteve em cima da mesa o plano de evacuação das duas aldeias: Vale de Tábuas e Sobral Basto. Mas tal não foi necessário.
Pouco antes das 20:00 a coluna de Leiria, comandada pela viatura da Benedita, descia por Vale de Tábuas para tentar chegar mais perto da frente de fogo que era, a esta hora, diminuta. E havia a certeza de que estavam a chegar máquinas de rasto que iriam ajudar, e muito, os bombeiros na consolidação do perímetro de fogo, em linguagem mais corrente, a fazer o rescaldo.
Voltamos ao Luís e à mãe. Continuavam à porta de casa a olhar para a encosta que tinha agora menos fumo. Alheados dos trabalhos que aconteciam entre Fontes, Vale de Tábuas e Sobral de Basto. Afinal de contas o que interessava era que o fogo estava quase apagado. Mas “vai ser uma noite de olho aberto”, diz Luís Lopes sempre desconfiado deste terror do verão. E, como disse a presidente da Junta de Freguesia de Fontes, Sónia Alagoa, qualquer fogo em Fontes “é sempre um fogo problemático”, pois é uma das freguesias mais “verdes” do concelho de Abrantes e com várias aldeias “encrostadas” na mata e nas encostas daquele território contíguo à Albufeira do Castelo do Bode. Aliás, toda a zona norte de Abrantes é semelhante neste aspecto.
O fogo começou cerca das 14:20 junto à igreja de Fontes. Evoluiu em diração a território do Carvalhal (Carril, Sobral Basto e Vale de Tábuas). Ao longo de toda a noite foram feitos trabalhos de consolidação do perímetro. Às 08:00 desta quinta-feira estavam no terreno 260 operacionais, com 87 viaturas, e quatro máquinas de rastos. E o Luís, com toda a certeza, andará perto de casa, com a mãe, e com a companhia do cão e do gato, à espera que a vida volte à pacatez dos dias de verão em Vale de Tábuas. Onde se deixem de ouvir os motores de aviões ou carros de bombeiros e se ouça o latido de um cão ou o chilrear dos pássaros.
Jerónimo Belo Jorge