O especialista em segurança alimentar Carlos Gonçalo das Neves defende para o mundo novos tipos de agricultura e diz ser importante que se experimentem outras ferramentas, porque, agora, o planeta “não está no bom caminho”.
Cientista chefe da Autoridade Europeia de Segurança Alimentar (EFSA, na sigla original), Carlos das Neves, em entrevista à agência Lusa, afirma que a agricultura tem sempre evoluído, acompanhada pela inovação e tecnologia, lembrando que não se faz hoje a agricultura que se fazia há 50 anos, nomeadamente pela introdução de máquinas.
Atualmente há “novas soluções criativas”, a agricultura regenerativa, a hidroponia, o cultivo multitrófico, novas ferramentas genéticas que permitem “editar um bocadinho o genoma e fazer alterações”.
“Tudo isto são ferramentas à disposição. A nós, na EFSA o que nos compete é garantir que estas ferramentas, que estes produtos feitos desta maneira são seguros. Depois existe uma componente política, social, cultural, sobre se devem ou não ser aprovados, se devemos utilizar mais ou menos”, explicou.
Mas as novas soluções “é importante que as abracemos, e experimentemos, porque penso que o planeta nos mostra que como está neste momento não está no bom caminho”.
Questionado pela Lusa, Carlos das Neves aponta problemas que precisam de ser resolvidos, um deles o desperdício alimentar, que tem de ser “reduzido ao mínimo” para manter o “sonho da sustentabilidade”.
Para o cientista, não se pode desperdiçar alimentos olhando para as situações dramáticas do planeta.
É preciso, adianta, alterações nas escolhas de cada consumidor, consciencializá-lo para opções diferentes, educá-lo desde a infância.
“Hoje ensinamos as crianças a separar o lixo, é preciso fazer o mesmo sobre o que é saudável, o que não se deve estragar. E também há uma consciencialização a fazer naqueles que produzem alimentos. Toda a cadeia tem de contribuir, não é só o consumidor que pode evitar os estragos”, diz, enfatizando que é preciso que nesta matéria deixe de ser só palavras e que se passe à ação.
Atualmente, avisam os cientistas, vive-se uma tripla crise planetária, as alterações climáticas, a perda de biodiversidade e a poluição e resíduos, motivada em parte pelo sistema agroalimentar. Mas Carlos das Neves salienta que o sistema é tanto vilão como vítima.
Se é verdade, explica, que algumas práticas de produção de alimentos contribuem para o aumento de gases com efeito de estufa, que se destroem florestas para produzir alimentos, também as alterações climáticas, a erosão, as secas e os fogos afetam a capacidade de produção.
Otimista, Carlos das Neves refere que os problemas deviam motivar ainda mais para “algo diferente”, porque as pessoas não podem viver sem alimentos e é preciso que todas juntas encontrem soluções.
E dá o exemplo do que acredita ser uma solução, o movimento “Uma só saúde”, (“One Health”).
“É uma consciencialização de que este planeta é só um, que partilhamos com animais, plantas, espécies selvagens… e há que manter este balanço. Muitas vezes aquilo que nos afeta a nós também afeta os outros, e às vezes o que fazemos às florestas afeta-nos a nós”, afirma o defensor do movimento que tem como base a abordagem integrada da saúde das pessoas, dos animais, das plantas e do ambiente.
Perceber que está tudo interconectado devia mostrar, afirma o professor e cientista, que a solução dos problemas tem de ser global, que é preciso olhar para todos os elementos, do homem ao ambiente, e que se pense em soluções.
Lembrando a transmissão de doenças e a última pandemia avisa: “uma solução só focada em nós humanos provavelmente não vai resultar”.
Sempre positivo e otimista Carlos das Neves afirma que o “One Health” está a criar raízes, impulsionado também pela pandemia de covid-19, e acredita que fará parte das conferências da ONU sobre biodiversidade (a decorrer na Colômbia) e sobre o clima, no próximo mês no Azerbaijão.
Lembrando que a redução de habitats pode levar a problemas de zoonoses, doenças de animais transmitidas ao ser humano, o professor fala que é preciso vontade de “fazer algumas alterações”, de encontrar um equilíbrio entre a criação intensiva de gado e a destruição de florestas, sem nunca esquecer que há quase nove mil milhões de pessoas para alimentar.
É aqui que entra o papel do consumidor. É fundamental, um consumidor informado para que possa tomar as decisões acertadas, sobre o que comer e sobre como isso afeta “muito mais do que a sua própria saúde”.
Carlos das Neves participou em Portugal nas “Conferências do Estoril”, que durante dois dias reuniram na Universidade Nova conferencistas de todo o mundo para debaterem grandes desafios da humanidade.
Lusa