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PONTOS ESSENCIAIS: Um ano após relatório sobre abusos na Igreja em Portugal

11/02/2024 às 12:01

Um ano depois da apresentação do relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa, o tema continua na ordem do dia, com um novo organismo a receber denúncias.

Trata-se do Grupo VITA, liderado pela psicóloga Rute Agulhas, que além de receber as queixas, faz o acompanhamento dos casos, com vista ao apoio a ser dado às vítimas.

O tema dos abusos esteve também em destaque na Jornada Mundial da Juventude realizada em Lisboa em agosto do ano passado, com o Papa Francisco a receber, na Nunciatura em Lisboa, algumas vítimas.

Em cima da mesa, atualmente, está a discussão sobre eventuais indemnizações ou reparações aos que sofreram de abuso em ambiente eclesial.

 

Número de testemunhos validados pela Comissão Independente

A Comissão Independente validou 512 dos 564 testemunhos recebidos, apontando, por extrapolação, para um número mínimo de vítimas da ordem das 4.815.

Estes testemunhos referem-se a casos ocorridos no período entre 1950 e 2022, o espaço temporal que abrangeu o trabalho da comissão.

O sumário do relatório, contudo, revelou que “os dados apurados nos arquivos eclesiásticos relativamente à incidência dos abusos sexuais devem ser entendidos como a ‘ponta do iceberg’”.

 

Quando ocorreu o maior número de casos

As décadas de 1960, 70 e 80 do século passado foram as que registaram um maior número de casos de abuso sexual no seio da Igreja em Portugal, de acordo com o relatório da Comissão Independente.

Muitos casos terão ficado por identificar, pois, segundo a comissão, nomeadamente no que respeita aos arquivos diocesanos, foi detetada “a ambiguidade que caracteriza uma parte significativa da correspondência eclesiástica do século XX”.

“É frequente o problema dos abusos sexuais não ser referido explicitamente”, acrescentava o relatório.

 

 

Tipo de abusos sofridos pelas vítimas

Os homens sofreram, principalmente “sexo anal, manipulação de órgãos sexuais e masturbação”, enquanto as mulheres sofreram, na maior parte dos casos, de “insinuação”.

Os abusos ocorreram principalmente entre os 10 e os 14 anos de idade (a média era de 11,2 anos, sendo de 11,7 no caso dos rapazes e de 10,5 no das raparigas).

Por outro lado, 57,2% foi abusado mais do que uma vez, e 27,5% referiu que foi vítima de abusos durante mais de um ano.

 

Onde tiveram lugar os abusos

Os dados divulgados pela Comissão Independente referem que os locais onde a maior parte dos abusos ocorreram tenham sido os seminários (23%), na igreja - em diversos locais, inclusive no altar - (18,8%), no confessionário (14,3%), na casa paroquial (12,9%) e em escolas católicas (6,9%).

No caso dos rapazes, um padre foi, em 77% dos casos, o abusador.

 

Sugestões deixadas pela Comissão Independente à Igreja

A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica defendeu a constituição de uma nova “comissão para continuidade do estudo e acompanhamento do tema”, com membros internos e externos à Igreja.

A Comissão recomendou “o reconhecimento, pela Igreja, da existência e extensão do problema e compromisso na sua adequada prevenção futura”, nomeadamente através do “cumprimento do conceito de ‘tolerância zero’ proposto pelo Papa Francisco”.

A adoção do “dever moral de denúncia, por parte da Igreja, e colaboração com o Ministério Público em casos de alegados crimes de abuso sexual”, o pedido “efetivo de perdão sobre as situações que aconteceram no passado e sua materialização”, bem como a “formação e supervisão continuada e externa de membros da Igreja, nomeadamente na área da sexualidade (sua e das crianças e adolescentes)”, foram outras recomendações que a comissão deixou à hierarquia da Igreja.

O "apoio psicológico continuado às vítimas do passado, atuais e futuras” foi encarado, também, como responsabilidade da Igreja, em articulação com o Serviço Nacional de Saúde.

 

O que foi feito após a cessação de funções da Comissão

Após o término do trabalho da Comissão Independente, a Conferência Episcopal Portuguesa confirmou, em abril de 2023, o nome da psicóloga Rute Agulhas para coordenar a nova comissão de acompanhamento das vítimas de abuso no seio da Igreja Católica, o Grupo VITA.

O trabalho deste novo organismo é articulado com a Equipa de Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis, atualmente liderada pela jurista Paula Margarido.

Além de receber e analisar as queixas de eventuais vítimas, o Grupo VITA procura assegurar o seu acompanhamento.

Nestes meses após a divulgação do relatório da Comissão Independente, algumas dioceses afastaram alguns sacerdotes e leigos do exercício de funções, na sequência de queixas.

 

Número de casos já reportados ao Grupo VITA

Nos primeiros seis meses de atividade, o Grupo VITA reportou ao Ministério Público (MP) e à Polícia Judiciária (PJ) 16 casos de violência sexual no contexto da Igreja Católica, segundo o seu último relatório, apresentado em dezembro de 2023.

Segundo o documento, além das 16 situações sinalizadas às autoridades para investigação (ficaram de fora os casos em que o denunciado já tivesse morrido ou existisse um processo judicial), foram igualmente comunicados 45 casos às estruturas ligadas à Igreja, das quais 27 às comissões diocesanas.

O relatório do grupo coordenado pela psicóloga Rute Agulhas indicou, ainda, que foram recebidas 278 chamadas telefónicas entre 22 maio e 30 novembro, englobando não só casos de violência sexual na Igreja, mas também outras formas de violência e ocorrências não relacionadas com a missão do Grupo VITA.

 

Número de vítimas objeto de apoio

O relatório apresentado pelo Grupo VITA em dezembro apontava que 18 vítimas já haviam sido encaminhadas para apoio psicológico.

Além daquelas 18, houve outras duas encaminhadas para apoio psiquiátrico, quatro para apoio social, uma para apoio jurídico e quatro para apoio financeiro.

 

Como veem as vítimas a ação da Igreja

As vítimas têm criticado a alegada inação da hierarquia da Igreja Católica no que respeita a eventuais indemnizações.

Em novembro, a Associação de Vítimas de Abuso na Igreja em Portugal “Coração Silenciado” manifestou, em carta aberta aos bispos católicos portugueses, “tristeza, desagrado e indignação” pela forma como têm “lidado com o tema dos abusos sexuais na Igreja que conduzem”.

Na carta, a associação considerava que “nove meses depois da apresentação do relatório da comissão criada (…) para o estudo deste tema, (…) muito poucas foram as ações desenvolvidas e as atitudes concretas levadas a cabo”.

Já em janeiro deste ano, em Fátima, esta associação reuniu com a cúpula da CEP, tendo saído do encontro “um canal direto entre a Igreja e as vítimas”.

No final de uma reunião de cerca de três horas entre três elementos da “Coração Silenciado” e o presidente, o vice-presidente e o secretário da CEP, bispos José Ornelas e Virgílio Antunes e padre Manuel Barbosa, respetivamente, Cristina Amaral, da associação, considerou que se tratou de “uma reunião muito aberta, muito positiva (…) e muito objetiva, também”.

“Saímos daqui satisfeitos, com esperança. Saiu daqui um canal aberto diretamente com as vítimas, não precisamos de passar por outras associações [para falar com a Igreja] e vamos trabalhar em conjunto, que era aquilo que queríamos”, acrescentou Cristina Amaral.

 

Pedido de perdão às vítimas

Além de recorrentes declarações de membros do episcopado nesse sentido, na manhã de 20 de abril de 2023, em Fátima, o presidente da CEP, em nome da Igreja, apresentou “um profundo, sincero e humilde pedido de perdão” às vítimas de abusos em ambiente eclesial.

“Hoje, aqui na Cova da Iria, em Fátima, na conclusão de uma Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa, reunimo-nos, os bispos e todos os cristãos que quiseram e puderam, para celebrar a Eucaristia, tendo especialmente presente as pessoas que foram vítimas de abusos sexuais, de poder e consciência na Igreja, afirmou o prelado no início da missa integrada no Dia Nacional de Oração pelas vítimas de abuso na Igreja.

“Como Igreja que somos, assumimos a dor, a perturbação e a revolta dessas pessoas, tanto das que tiveram a coragem dolorosa de reagir e denunciar, como daquelas que se calam, ainda na incapacidade de falar dessa realidade que lhes barrou o caminho de uma vida mais feliz”, afirmou o também bispo de Leiria-Fátima.

O presidente da CEP reconheceu, também, que “em muitas ocasiões”, a Igreja não foi capaz “de tomar consciência e de velar” como devia, “para evitar estes abusos e para lidar com a gravidade das ofensas que foram feitas”.

 

O que está previsto

O trabalho do Grupo VITA e das comissões diocesanas de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis vai continuar, com o foco no acolhimento e acompanhamento das vítimas, bem como no apoio às mesmas.

Os números de casos de abuso sexual no seio da Igreja Católica denunciados ao Grupo VITA ou às comissões diocesanas vão ser sistematizados e divulgados duas vezes por ano pela CEP.

Entretanto, Paulo Margarido, presidente da Equipa de Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas e Castrense de Proteção de Menores e Adultos Veneráveis, revelou existir o compromisso de “padronizar, uniformizar” os dados recolhidos num quadro com determinados campos, onde seja possível aferir “os processos que entram, os processos que são arquivados, os processos que são encerrados e com a respetiva motivação para o efeito”.

Por outro lado, a formação do clero e dos agentes pastorais para as questões do abuso, bem como das pessoas que contactam com crianças ou adultos vulneráveis está também nas prioridades da Igreja. O Grupo VITA tem vindo já a desenvolver ações de formação.

 

Possíveis indemnizações

O bispo José Ornelas, presidente da CEP, considera que “a reparação das vítimas não consiste, apenas, em compensações financeiras”.

A Igreja Católica em Portugal garante que “todas as pessoas vítimas de abusos sexuais de menores, no contexto da Igreja, que se dirijam ao Grupo VITA ou às Comissões Diocesanas de Proteção de Menores terão o apoio necessário à sua reparação e recuperação. Ninguém ficará privado desse apoio”, segundo o bispo, adiantando que desde o início que não foi excluída “alguma forma de reparação financeira em ordem à recuperação e ao futuro, mas que tal não poderia ter um caráter simplesmente jurídico, pois, na maioria dos casos, faltariam bases válidas para a sua concretização”.

Entretanto, Paula Margarido revelou no início de fevereiro, em Fátima, que a “matéria da reparação moral, financeira, está a ser pensada pela igreja em Portugal”.

“A Conferência Episcopal portuguesa solicitou ao Grupo VITA a elaboração de um parecer nesta matéria. Entretanto, um (…) grupo de juristas católicos, pessoas ligadas à Igreja Católica, decidiu, por sua iniciativa, apresentar o seu parecer, o seu entendimento sobre esta matéria”, disse Paula Margarido, acrescentando que é o Grupo VITA, quando tiver “tudo consolidado e tudo estudado”, que apresentará “o seu entendimento sobre esta matéria à Conferência Episcopal Portuguesa, que depois, no momento oportuno, decidirá e dirá de sua justiça”.

José Ornelas já adiantou que “neste momento” ainda não há prazos definidos.

Lusa

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