SALPICOS DE CULTURA....
"Da boa relação humana ao comunicar prazenteiro”
Nos últimos dias tenho ficado algo constrangido com dois acontecimentos que, mais que outros, têm-me feito pensar. Vou enunciá-los deixando desde já a ideia que, podendo parecer tão diferentes entre si, têm, para mim, muito em comum. Um, prende-se com a já muito rotineira questão da pandemia. Outro, com, veja-se bem, a problemática do futebol.
Aceito que se ache estranha esta minha perplexidade, mas, talvez, depois de me explicar, possa deixar expressa, de forma compreensiva, a razão porque as acho tão próximas. Começo por dizer que nada tenho contra o futebol e que o meu maior desejo é que nós, todos nós, consigamos vencer esta fase pandémica com o mínimo de sofrimento. A razão que me assiste tem muito mais a ver com a forma como atualmente, ouço e leio, as notícias que me chegam e, sobretudo, a forma como as mesmas me parecem construídas, que com os factos concretos que tanto a pandemia, como o futebol trazem ao nosso conhecimento.
O interesse em conversar sobre o assunto foi-me suscitado quando numa reunião de pessoas ligadas à comunicação social, deixei expressa a ideia que, uma das pechas que entendo atuais, é a forma como os chamados “média” fazem saltar a informação, parecendo-me que uma das suas mais fortes atitudes é procurar valorizar demasiado o conflito e apelar, de forma extremada, às emoções.
Foi interessante o que se passou na altura em que transmiti as minhas ideias. Opiniões a desvalorizar as afirmações por mim emitidas foram poucas, mas os argumentos a procurar justificar a evidência das mesmas, esses, foram mais que muitos. Ou seja, quem me rodeava procurava mais justificar a razão porque os dois facos por mim assinalados existiam, que aceitar a ideia que o melhor era combatê-los. Desde a estafada argumentação que a razão está na famigerada luta pelas audiências, até à justa razão do dever ético de informar, ouvi um pouco de tudo.
Porém, na minha mente uma outra razão se foi arquitetando mais, e a ideia de que tais comportamentos se vão justificando, mais porque a necessidade de conflituar continua a ser a grande companheira do homem, foi ficando cada vez mais presente no meu pensamento. Que tem então isto a ver com o momento atual? Pode perguntar-se.
Bem, caros ouvintes, sou dos que estou atento às informações que as autoridades vêm dando sobre a pandemia, e se no início achei até que havia para com os decisores alguma complacência, agora, o que me parece, é que o discurso entre partes mudou, e que aos intervenientes interessa mais o conflito marcado, não raro por razões políticas, que o apelo à razoabilidade dos acontecimentos.
E que tem este discurso conflituoso a ver com a problemática do futebol? A questão é que me parece não ser difícil aceitar que a forma conflituoso como hoje se ouve também falar deste desporto, a que chamam “indústria”, é em tudo semelhante à maneira conflituante como se ouvem ser transmitidas muitas das informações sobre a pandemia. Estranha esta forma de estar? Não muito, digo eu. Socorrendo-me até de algumas notas que extraí de livro que li há já algum tempo sobre comportamentos sociais, revi o que a autora nele diz sobre a forma como nós humanos nos comportamos, dentro e fora dos chamados grupos de pertença.
Revelando que quando em grupo os humanos exibem, normalmente, manifestações de harmonia, fazendo sorrisos de circunstância e até transmitindo, com facilidade, expressões de afeto positivo, vê-se que dentro do grupo se expressa com relativa frequência atitudes de concordância em relação a objetivos e procedimentos, sendo não raro mesmo caminhar-se para o entendimento, fazendo-se por vezes até fluir o respeito e a confiança mútuas. Porém, continua dizendo a autora, o que se verifica também com abundância é que, quando muitos desses atores se encontram fora do grupo parte destes comportamentos tornam-se pouco correntes, sendo normal que apareçam com muita evidência estranhas necessidades de conflituar. A autora considera que saber porque razão tal acontece é resposta embaraçante, dizendo até que para que uma mudança nestas atitudes aconteça será necessário que o ser humano passe a pensar de outra e bem diferente maneira.
Dizer que esta opinião me satisfaz? Longe disso. Até porque tal como a autora deixa expresso o que me parece ser cada vez mais corrente é que no momento presente o linguajar fácil e descuidado, por vezes até demasiado assertivo, e não raro, desrespeitador parece ter vindo para ficar. Pessimista quanto ao futuro? Não, não tenho esse sentimento já que penso que ao invés, a estes tempos outros virão em que a preocupação pela qualidade da relação humana, e sobretudo pela forma como comunicamos, volte a estar na ordem do dia.
Despeço-me com amizade,
Luís Barbosa*
*Investigador em psicologia e ciências da educação
SALPICOS DE CULTURA, uma parceria com a Associação Internacional de Estudos Sobre a Mente e o Pensamento (AIEMP)